China e América Latina: uma relação promissora por cooperação, desenvolvimento e paz
Novo documento chinês propõe cinco programas para a construção de uma comunidade China-América Latina e Caribe com futuro compartilhado
Por José Reinaldo Carvalho - A divulgação pelo Governo da República Popular da China do terceiro documento oficial para a América Latina e o Caribe representa um marco político que ultrapassa o âmbito das relações bilaterais. Trata-se de uma afirmação estratégica de um projeto de mundo, assentado na cooperação, no multilateralismo, no desenvolvimento compartilhado e na paz, um programa de construção de relações prósperas e uma proposta de união de forças por objetivos comuns. Um flagrante contraste com a visão hegemônica reafirmada na semana passada pelos Estados Unidos em sua nova Estratégia de Segurança Nacional.
Enquanto os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, insiste em atualizar a Doutrina Monroe, reivindicando “acesso contínuo a locais estratégicos” e “recursos estratégicos” da região, a China propõe um caminho de desenvolvimento compartilhado, baseado na igualdade soberana e no benefício mútuo.
O documento chinês, composto por um prólogo e três capítulos, parte de uma leitura que raramente aparece nos discursos das potências ocidentais: a de que a América Latina e o Caribe são uma “terra maravilhosa, cheia de vitalidade e esperança”. Não é mero elogio diplomático, cortesia protocolar, mas a formulação de um reconhecimento político fundamental: ao contrário da lógica de tutela, ingerência e ações coercitivas que Washington tenta impor ao continente, Pequim enxerga a região como parceira plena na construção de um futuro compartilhado.
Cooperação como eixo estratégico
Desde a primeira versão de 2008, passando pela atualização de 2016, a política chinesa para a região consolidou-se como uma plataforma de cooperação estruturada. O novo documento reafirma esse compromisso. Segundo o vice-ministro das Relações Exteriores, Cai Wei, o texto responde às necessidades latino-americanas em comércio, investimentos, finanças, inovação tecnológica e enfrentamento das mudanças climáticas, distribuindo mais de 40 áreas prioritárias.
Não há imposição de modelos, nem a sombra da ingerência política que caracteriza a política externa imperialista ocidental no continente. Em vez disso, o documento reafirma que “China e América Latina já se tornaram uma comunidade com um futuro compartilhado”, sustentada na “igualdade”, na “cooperação” e no desenvolvimento mútuo. Os setores estratégicos apontados – inteligência artificial, telecomunicações, energia limpa, hidrogênio verde, mineração e processamento mineral – não são instrumentos de dependência, mas pilares para romper o ciclo histórico de subordinação tecnológica imposto pelos centros tradicionais de poder.
A iniciativa prevê ainda a ampliação de projetos no marco da Nova Rota da Seda, que hoje envolve cerca de 20 países latino-americanos. Transporte, logística, habitação e energia aparecem como frentes prioritárias para elevar a capacidade produtiva e a conectividade regional, frequentemente bloqueadas pela falta de investimentos, uma lacuna que o financiamento ocidental nunca se dispôs verdadeiramente a suprir sem contrapartidas restritivas.
A cooperação se estende a temas sensíveis como combate à corrupção, lavagem de dinheiro, fluxos financeiros ilícitos, narcotráfico e segurança, além do incentivo ao turismo com medidas concretas como a isenção de vistos para cidadãos da Argentina, Peru e Chile. Trata-se de uma agenda abrangente, que não se limita aos números do comércio exterior, mas enxerga a vida cotidiana dos povos.
O contraponto à agressividade estratégica dos EUA
É impossível ignorar o contexto geopolítico em que o documento surge. Dias antes, a Casa Branca divulgou uma Estratégia de Segurança Nacional centrada na reafirmação explícita da Doutrina Monroe, reposicionando a América Latina como “quintal estratégico” dos EUA. O contraste é tão evidente quanto desconcertante: de um lado, a narrativa do medo, do controle territorial e da competição geopolítica; de outro, uma proposta de cooperação horizontal e de construção de futuro compartilhado.
A dissonância entre ambos revela a encruzilhada histórica da região. Os EUA oferecem vigilância e dependência. A China oferece parceria e desenvolvimento. Trata-se de projetos distintos de mundo – e de humanidade.
Uma agenda para o século XXI
Ao atualizar seus documentos de 2008 e 2016, a China envia uma mensagem clara: deseja construir com a América Latina uma relação que vá além do comércio e das obras de infraestrutura. A ênfase no desenvolvimento sustentável, na inovação e nos intercâmbios acadêmicos e culturais indica que Pequim reconhece a região como parte ativa de uma nova arquitetura internacional que se desenha no século XXI.
Em tempos de tensões geopolíticas crescentes, o documento chinês reafirma a centralidade da paz como fundamento das relações internacionais. Em vez de bases militares, oferece cooperação científica. Em vez de pressões políticas, oferece investimentos. Em vez de rivalidade, oferece futuro compartilhado.
É essa diferença, profunda e estrutural, que deve orientar o olhar crítico do Sul Global diante dos movimentos das grandes potências. A América Latina não precisa escolher entre tutelas. Precisa escolher entre projetos — e há um que coloca seus povos no centro do desenvolvimento, não nas margens dos interesses imperiais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




