Crítica estrutural ou barbárie
A armadilha do imediatismo, o patrimonialismo do Estado e o risco de a esquerda abrir mão da crítica estrutural em nome da trincheira
A defesa acrítica de Alexandre de Moraes e o ataque automático a Malu Gaspar não expressam compromisso com a democracia, mas a captura do debate pelo imediatismo informacional, no qual a lógica da trincheira substitui a razão e o pensamento dialético cede lugar a reflexos condicionados. Nesse ambiente, a política deixa de ser análise e passa a ser reação, produzindo mais ruído do que compreensão.
É possível, e necessário, sustentar duas críticas simultâneas. À jornalista, pela irresponsabilidade política de lançar acusações sem provas conclusivas em meio à mais grave crise institucional das últimas décadas, às vésperas de um ciclo eleitoral marcado por radicalização, violência simbólica e risco real de escalada. E ao ministro, porque o contrato milionário do escritório de sua esposa com um banco posteriormente liquidado expõe uma chaga histórica do Estado brasileiro: o patrimonialismo que normaliza a promiscuidade entre poder público e interesses privados, sobretudo do setor financeiro.
Reduzir o debate a uma escolha de lados pessoais empobrece a análise e fortalece o adversário. A crítica estrutural ao patrimonialismo não absolve denúncias frágeis nem legitima ataques oportunistas; ao contrário, delimita com precisão o que é conflito de interesses real e o que é instrumentalização política. Sem essa distinção, toda crítica se dissolve em barulho e toda defesa se transforma em blindagem acrítica.
Não há ingenuidade possível quanto ao cenário. A mídia corporativa e as elites políticas tentarão reativar, sob novas formas, o repertório do lawfare, convertendo brechas reais em escândalos morais amplificados, com o objetivo de corroer a legitimidade institucional e preparar o terreno para a desestabilização futura do governo Lula. Trata-se de uma operação típica de guerra híbrida, que combina denúncias frágeis, enquadramentos seletivos e confusão deliberada no imaginário social.
Essa confusão, em particular, busca associar o Supremo Tribunal Federal ao Executivo como se fossem um mesmo bloco político, apesar de o STF não apenas não estar alinhado ao governo como impor derrotas recorrentes em votações que afetam diretamente interesses populares e preservam os das elites. A distorção é funcional: quanto mais nebulosa a separação entre poderes, mais fácil transformar disputas institucionais em armas políticas.
É justamente por isso que a esquerda não pode operar com dois pesos e duas medidas. Se reivindica ética, legalidade e transparência como pilares de sua narrativa histórica, precisa cobrar o mesmo padrão do Supremo, sob pena de entregar à direita o monopólio do discurso moral. A crítica ao patrimonialismo e aos conflitos de interesse não fragiliza a democracia; é o único antídoto contra a repetição do lawfare e a única forma de manter intacta a coerência ética que sustenta qualquer projeto político transformador.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




