Discutindo a relação com Papai Noel! Por menos néscios, bom velhinho!
O que peço ao Papai Noel em tempos de Direito predado
Sou Lenio Streck. Avô do Santiago e do Caetano. Professor universitário, constitucionalista, advogado sócio de Streck & Trindade Advogados, fui procurador de Justiça do RS durante 29 anos e, vejam só, fui também goleiro. Porteiro. Goalkeeper. Guarda valas. Quase um Yashin, dizem as boas línguas.
Sempre gostei de futebol. Tenho diploma de comentarista de futebol (fui orador da minha turma de formatura). Não por menos, quando criança, na minha parnasiana Agudo, pedia ao Weihnachtsmann, o bom velhinho (ou não — há controvérsias, como diz a banda Garotos Podres!), que me trouxesse uma bola e uma camiseta de goleiro. Um cético daria de ombros: Papai Noel não existe; não para uma criança que, de tão pobre, odiava férias (férias significa ficar em casa; ficar em casa significa trabalhar — e trabalho vem de tripalium, instrumento de tortura). É óbvio que Papai Noel não vem, embora até hoje façamos a árvore de Natal.
Ou será que vem? Não sei. Fato é que eu fui goleiro. Com a bola, a camisa, e até as luvas, que nem imaginava à época. Abaixo, duas fotos: a primeira, de 1974, jogando no Avenida; também joguei no sub20 do Inter de Santa Maria; a segunda foto, de 2017, no Prerrô F.C, time de advogados no jogo contra o Politeama, do Chico Buarque. (a primeira imagem mostra que as boas línguas têm razão…!)
Pois é. Será que foi o velho Santa Claus quem me deu as luvas e camiseta? Coincidência ou espírito de Natal?
Não sei. O que sei é que sou um incorrigível otimista metodológico. Ajo sempre “como se”. Pudera: estou já há mais de três décadas lutando contra os predadores do Direito. Já perdi muitas, e continuo aqui. E agora estou denunciando o Estado de Coisas Golpista, Pai Noel.
Stoic mujic. Eis o meu lema. Cair e levantar. O advogado que peleia.
Não farei os pedidos ao Papai Noel. Quando criancinha, eu tinha de recitar a seguinte “oração”: “Ich bin Klein, mein Herz ist rein, darf Niemand drin wohnen als Jesus allein” (“sou pequeno, meu coração é puro, nele não deve morar ninguém, a não ser Jesus”). Sem pieguice, mas, repetindo isso agora, uma lágrima me pega desprevenido. Estou ficando nostálgico.
Isso é como ler O Grande Inquisidor: quando chega na parte em que Jesus beija seu algoz, é impossível chegar ao final sem me emocionar. Meus alunos, e quem me viu em palestras tentando contar, sabem do que falo. Não há como segurar as lágrimas quando elas vêm sem convite.
Celebrando o Natal que se aproxima. Pois é… muito embora alguns pensem que eu seja rabugento, por estar aqui na ConJur brigando toda quinta-feira contra a predação do direito e da democracia (e contra o Estado de Coisas Golpista), não sou nenhum Scrooge — falo do personagem de Dickens que odiava o Natal.
Peço, sem fazer uma lista, apenas algumas coisas, como o que as pessoas leiam textos com mais de 15 linhas (o que inclui este). Não terceirizem a cognição. Não se tornem reféns dos robôs. Mais: peço que ao menos os formados em direito não odeiem a Constituição. Assim como peço que médicos não odeiem antibióticos. Pergunto: por que tem tanta gente reacionária no Direito?
Nosso ensino jurídico não foi, até hoje, capaz de ensinar — direito — conceitos básicos de Teoria do Direito. Sinopses (quem faz sinopse não faz sinapse), esqueminhas, facilitações, quiz shows, Direito-simplificado-mastigado-resumido… Afinal, “seja f… em direito!” (como consta na capa de um “livro”!!) Tire-lhes o smartphone. Sem ele, derretem. Tire-lhes o ChatGPT e eles mergulham na escuridão.
Seria bom que a IA não tomasse conta dos cérebros das pessoas. Que o brainrot não fosse vencedor. Mas está sendo.
Outro pedido, Papai Noel — ops, já estou fazendo listinha!) —, é que finalmente se discuta a sério neste país o que é isto — um precedente? Já estamos de há muito reféns de um ementário prêt-à-porter. E agora feito por IA.
Mais um pedido: que os alunos das faculdades leiam livros. E que não fiquem consultando a m… do WhatsApp enquanto o professor fala. Passe a vara de marmelo no lombo dessa escumalha, Papai Noel. Ler, sabe? Ler livros. Parece antiquado, eu sei. Mas perdoem minha insistência: acho mesmo que não tem muito jeito. Fazer o quê? Dá trabalho, né? Pois…
Que o exercício da advocacia não se torne um exercício de humilhação. E que não se criminalize a profissão de advogado. Que não se confunda o advogado com seu cliente. A criminalização da advocacia é incompatível com o Direito, Velho Noel.
Como se viu, são poucos os pedidos, Papai Noel. Assim como eram poucos os meus pedidos de menino de Agudo, terra do Bagualossauro Agudensis, o mais antigo dinossauro do mundo, encontrado a 3 km de onde nasci. Mais de 240 milhões de anos! Por isso sou um dinossauro que resiste à pós-modernidade. Um jus jurássico.
No mais, querido Papai Noel, quando gurizinho queria apenas uma bola, luvas e uma camisa de goleiro. E quem sabe uma boina e alpargatas… e aqui homenageio um grande compositor do sul, Cesar Passarinho. Sugiro que “oiçam” a música. Chama-se Guri! Vejam que maravilha de letra:
“- Hei de ter uma tabuada e meu livro ‘Queres Ler’… E se Deus não achar muito, tanto coisa que eu pedir…”!”
Também a música Tão bom que foi o Natal, música rara de Chico Buarque. Que bom que fosse Natal o ano todo. Oiçam.
Na forma da lei!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




