Encontramos a prova de que Alysson Mascaro foi vítima de armação na USP
Jornalista ajudou a intermediar contato de fontes anônimas com o Intercept e depois fingiu indignação e surpresa
Logo após a decisão da Congregação da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), na quinta-feira da semana passada, que aprovou a demissão de Alysson Mascaro, as redes sociais voltaram a ser palco de ataques ao professor e àqueles que questionam o processo administrativo disciplinar (PAD).
“E parte da esquerda tentou desqualificar as vítimas, como se um monte de gente tivesse se unido e inventado mensagens e condutas criminosas só para prejudicar esse sujeito. Vergonhoso”, comentou um professor na postagem do Intercept Brasil, veículo que publicou a reportagem, com fontes anônimas, que motivou a abertura do PAD.
A postagem do Intercept Brasil no Instagram tinha tom de comemoração:
“Investigação da universidade, aberta após reportagem do Intercept, durou mais de um ano; depois de ouvir vítimas e realizar diligências, a Procuradoria da USP decidiu punir Alysson Mascaro com a demissão. As acusações agora são investigadas pelo Ministério Público.”A Folha de S. Paulo destacou que a decisão foi unânime.
O que nenhum órgão de imprensa informou é que a reunião teve momentos de tensão e que a unanimidade foi apenas formal, não refletindo o incômodo que o processo aparentemente gerou em alguns congregados. Dois deles, desembargadores, teriam questionado a pena de demissão.
Para eles, seria, no máximo, o caso de suspensão. Outro professor, magistrado em corte superior, teria deixado a reunião quando houve inversão da pauta, e o caso Alysson Mascaro passou a ser o primeiro a ser analisado. Esse professor teria se retirado acompanhado de outras três ou quatro pessoas.
Àquela altura, o quórum, que já era baixo, foi reduzido ainda mais. Dos cerca de 70 membros da Congregação, permaneceram na sessão aproximadamente 20, e foram estes que condenaram Alysson Mascaro, em votação simbólica, não nominal.“Aqueles que concordam permaneçam como estão. Aprovado”, disse o presidente da sessão.
Esse relato foi obtido por meio de um dos participantes da reunião. O diretor da Faculdade de Direito, Celso Campilongo, foi procurado, mas afirmou não poder se manifestar em razão do sigilo do processo administrativo, mesmo após sua conclusão.
“O processo é confidencial e sigiloso. Em razão disso, nada posso falar sobre a deliberação e a votação”, afirmou, após receber uma lista de perguntas, que reproduzo ao final deste texto.
Solicitei também acesso aos áudios e vídeos da sessão que resultou na condenação de Alysson Mascaro, mas, alegando o sigilo, o diretor negou o pedido.
O sigilo do processo tem como resultado imediato a continuidade do linchamento do professor da USP nas redes sociais, uma vez que há, nos autos, evidências que, no mínimo, colocam sob dúvida o veredito.
A comissão processante, integrada pelo procurador da USP João Afonso Santiago Filho e pelos professores titulares Fabiana Cristina Severi e Heitor Sica, não considerou, por exemplo, o testemunho contundente de um orientando de Mascaro.
Trata-se de um relato que poderia ter sido checado e, com relativa facilidade, a comissão descobriria que o professor estava sendo vítima de um conluio. Conversei com esse aluno que prestou o depoimento, e ele contou que foi procurado pela primeira vez em 5 de novembro de 2024 pelo operador de um e-mail anônimo: pachucanusp@proton.me.
Em uma longa mensagem, o operador do e-mail disse que já o conhecia da faculdade, mas não se identificou. Fez considerações desairosas sobre Mascaro e afirmou ter ouvido dele que estaria “facilmente comendo você”. Por fim, contou que outras pessoas haviam saído do anonimato após o caso Silvio Almeida — que foi orientando de Mascaro — e sugeriu que o estudante fizesse o mesmo.
“A Sanfran inteira”, disse, usando a expressão que designa a Faculdade de Direito, sintetizando que todos estariam contra Mascaro.
Um evidente exagero, já que, apenas no processo, há muitos testemunhos favoráveis a Mascaro, ainda que não tenham recebido o mesmo peso que as versões dos acusadores. Entre eles, o desse aluno, procurado por um dos protagonistas da campanha de perseguição.
“Quando esse hater me procurou, eu sabia que não era verdade o que ele dizia sobre assédio do professor a mim, mas dei corda, queria saber quem era”, contou. O autor do e-mail falso enviou mais algumas mensagens até que, em 11 de novembro, indicou uma pessoa para falar com ele.
Tratava-se de Felipe Gasper, que não é aluno da Faculdade de Direito, mas jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e dono de um canal no YouTube. O nome de Felipe Gasper e a data são relevantes, pois revelam a armação.
“Conseguimos destacar o Felipe Gasper para conversar com você em adequação aos horários e locais sugeridos pelo camarada. Achamos relevante lhe informar que o Felipe é alguém de absoluto comprometimento com o processo e que está amplamente inteirado de todos os alunos vitimados, inclusive daquilo que envolveria o nome do camarada (...)”, dizia a mensagem.
Essa comunicação é de 11 de novembro de 2024. Em 18 de dezembro de 2024, Felipe Gasper publicou em seu canal um vídeo em que demonstra surpresa e indignação com a reportagem com fontes anônimas do Intercept Brasil, publicada em 3 de dezembro.
No vídeo, reage como se não fosse a mesma pessoa que, em 11 de novembro, já era apontada como parte ativa do processo pelo operador do e-mail anônimo.
“Desde que eu li aquela matéria publicada pela Laís Martins, do Intercept, eu passei por tantos estados emocionais que eu não sei mais o que eu sinto. Só sei que preciso colocar essa merda para fora, senão vou explodir ou algo desse tipo”, afirmou.
“É como se houvesse em mim uma obrigação moral com vocês que me acompanham e que sempre me viram divulgando esse cara”, declarou, indignado.
Ora, ora, ora.
Felipe Gasper era um dos protagonistas da campanha contra Alysson, na medida em que ouvia as supostas vítimas e as encaminhava para Laís Martins, do Intercept.
Mantidas sob anonimato, as fontes embasaram a reportagem do veículo. Gasper, fingindo surpresa, reforçou a campanha de difamação por meio de seu canal, que conta com quase 12 mil inscritos.
Um de seus vídeos de maior audiência, com cerca de 450 mil visualizações, é aquele em que ataca Eduardo Marinho, que renunciou a uma vida de classe média para viver nas ruas, de onde extraiu conhecimento que compartilha com o público.
Felipe Gasper é claramente um comunicador que busca alvos conhecidos para desconstruí-los e, assim, obter repercussão. Faz isso como um esquerdista liberal que, em seus vídeos, chama bolsonaristas de “vermes” e arranca aplausos.
Atribui-se a Tom Wolfe, autor de A Fogueira das Vaidades, a frase segundo a qual há duas maneiras de fazer sucesso: uma, mais difícil, é construir uma boa reputação; a outra, mais fácil, é destruir quem já tem uma.
Sobre a carcaça de Alysson, não apenas Felipe Gasper, mas também outras pessoas dentro da própria USP podem subir alguns degraus em suas trajetórias ou, quem sabe, ter o prazer de dizer aos mais próximos que destruíram um dos maiores intelectuais marxistas do Brasil.
No processo administrativo contra Alysson, há cerca de uma dezena de depoimentos de pessoas que relatam fatos que consideram desabonadores. Apenas dois são contundentes. Nenhum é de aluno da USP.
Um deles é de um professor de outra instituição, que teve um relacionamento com Alysson após conhecê-lo em um evento externo. Diz ter decidido depor por considerar que os relatos anônimos publicados pelo Intercept faziam sentido, pois, segundo ele, correspondiam ao modo de abordagem do professor. Ainda assim, admite que o relacionamento foi absolutamente consensual.
O outro depoimento é de um estudante de uma universidade pública de outro estado, que procurou Alysson por e-mail e passou a agradá-lo com desenhos — é artista plástico, além de estudante de Direito —, inclusive um em que ambos aparecem representados como homens musculosos se agarrando (na época, Alysson e o estudante frequentavam academia).
Os dois se encontraram pessoalmente pela primeira vez em 26 de maio de 2022. O estudante, ex-modelo, que dizia ter namorada, afirma que Alysson o estuprou no primeiro dia em que o recebeu em sua casa.
Apesar disso, foi às aulas do professor no dia seguinte, passeou com ele pela cidade, tirou diversas fotos e, ao retornar à sua cidade, iniciou uma intensa troca de mensagens, nas quais elogia Alysson, agradece pelos passeios e diz sonhar em estar com ele em cafés fora do Brasil.
Meses depois, levou a mãe a um evento em uma cidade próxima à sua e fez uma selfie dos três juntos.
Há ainda depoimentos patéticos, como o de uma mulher que relata que o ex-namorado teria lhe contado sobre um suposto assédio de Alysson. Na comissão, ela se mostrou indignadíssima.
A pergunta que não quer calar: por que a comissão processante não ouviu a própria vítima do suposto assédio? O nome dela consta nos autos.
A resposta que obtive: simplesmente porque ela não quis depor, pois não se considera vítima e não viu nada demais na cantada de Alysson. Recusou-se a participar e seguiu em frente, mantendo amizade com ele.
“Há muita homofobia nesse caso”, afirmou uma advogada formada na São Francisco que, sem qualquer vínculo com o processo, conversou comigo por conhecer as fofocas que circulavam no ambiente acadêmico e que, nos dias que antecederam e sucederam o julgamento, foram objeto de intenso debate entre ex-alunos.
O aluno cujo relato favorável a Alysson foi desprezado pela comissão resumiu bem o que estava acontecendo quando foi procurado pelo grupo do qual fazia parte Felipe Gasper.
Ao se recusar a depor, o operador do e-mail pachucanusp@proton.me reagiu com fúria. O estudante respondeu:
“E é o seguinte: vocês acham que é tranquilo sair por aí fazendo inferências inverídicas sobre as pessoas? Vocês nem sequer me conhecem. Quem vocês pensam que são? Na verdade, vocês são todos uns pés no saco que não têm mais o que fazer na vida.”
O hater respondeu com uma mensagem de cunho homofóbico, embora o estudante seja heterossexual:
“Te oferecemos solidariedade e amparo, porque a situação é grave e, das centenas de casos, você foi mais um — e talvez o único — a recusar o amparo. Compreensível para um novato. Se gosta do que lhe acontece, bastava dizer desde o início. E aí isso passa a ser um problema seu, não nosso. Faça bom proveito.”
O estudante não se intimidou:
“Vocês são uns arrombados. Disseram que me conhecem, mas não tiveram coragem até agora de mostrar o rosto. Bando de covardes. ‘Metade da Sanfran’… Pode vir a Sanfran inteira. Fazer suposições falsas sobre a minha pessoa por meio de um e-mail anônimo é fácil; quero ver falar na cara. Frouxos.”
Foram esses covardes, aliados ao jornalista Felipe Gasper, que conseguiram conduzir uma campanha que lançou o nome da primeira faculdade de Direito do Brasil na vala dos eventos injustos.
Covardes e frouxos não são apenas os haters.
.x.x.x.x.x.
Seguem as perguntas encaminhadas ao diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e não respondidas, sob alegação de sigilo do processo:
Professor Celso Campilongo, boa tarde. Td bem? Meu nome é Joaquim, sou do Brasil 247 e estou fazendo reportagem sobre a decisão da Congregação da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco) de demitir o professor Alysson Mascaro. Tenho algumas questões, que encaminho por aqui.
Soube que, dos 100 integrantes da Congregação, apenas 20 votaram, em razão das faltas e de outros representantes que se retiraram antes. Um dos que se retiraram foi o ministro (...). Juntamente com ele, outros três também deixaram a sala.
Recebi também a informação de que os desembargadores (...) e (...) discordaram da pena de demissão, sugerindo que fosse aplicada a de suspensão.
Além disso, a votação foi simbólica. "Quem estiver de acordo com o parecer permaneça como está. Aprovado!".
Para que não haja dúvida quanto a essas informações, pergunto se posso ter acesso à gravação em vídeo da reunião. Segundo apurei, toda reunião é gravada, e não poderia ser diferente em relação a esta. É possível?
Pergunto também se, em razão das manifestações dos desembargadores e do ministro, e do baixo quórum, o senhor considera que houve mácula no processo que resultou em uma decisão extrema.
.x.x.x.x.
Procurei também o jornalista Felipe Gasper, mas até agora ele não se manifestou. Importante: na rede social, o jornalista aparece em evento social com antigos estudantes que romperam com Alysson Mascaro depois de anos de convivência harmoniosa e passaram a atacá-lo. O evento social foi na véspera de depoimento de acusação no Processo Administrativo Disciplinar.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.


