Entre o copo meio vazio e o copo meio cheio. 2025 já deu
Em meio a crises constantes e ruídos, este balanço revisita 2025 pelos dados, decisões e políticas que funcionaram, sem negar conflitos, retrocessos e riscos
Ao chegar aos últimos dias de 2025, a sensação dominante não é apenas de crise, mas de desgaste do olhar. O mundo parece menos cansado de enfrentar problemas do que de enxergar qualquer coisa além deles. O noticiário operou em regime de saturação: guerras prolongadas, tarifas transformadas em armas políticas, decisões erráticas da Casa Branca, ensaios de intervenção armada no Caribe e na Venezuela, algoritmos capturados por interesses opacos e um multilateralismo visivelmente enfraquecido.
O quadro geral foi apresentado, dia após dia, quase sempre pelo mesmo ângulo.
Essa insistência em um único enquadramento produz um efeito conhecido. A repetição contínua do negativo não apenas informa — ela molda a percepção. Achata contrastes, elimina nuances e cria a impressão de que nada avança, nada resiste, nada melhora.
Quando a realidade é observada apenas por sua face mais escura, fatos que escapam desse registro tendem a ser tratados como irrelevantes ou exceções sem importância, mesmo quando os dados apontam outra coisa.
É justamente aí que o balanço de fim de ano se impõe como exercício de responsabilidade jornalística. Não se trata de negar tragédias, minimizar conflitos ou suavizar retrocessos evidentes.
Trata-se de recuperar profundidade de campo. De recolocar no enquadramento decisões, políticas públicas e acordos internacionais que, embora menos ruidosos, produziram efeitos concretos em 2025 e ajudam a compreender o ano com mais fidelidade aos fatos.
Um desses marcos foi a entrada em vigor do Tratado dos Altos Mares. Pela primeira vez, áreas marinhas em águas internacionais passaram a contar com proteção formal, encerrando décadas de vazio jurídico sobre regiões essenciais ao equilíbrio climático e alimentar do planeta. Milhões de quilômetros quadrados passaram a ser monitorados e preservados, com impactos diretos sobre estoques pesqueiros, biodiversidade e o sequestro de carbono oceânico. É governança ambiental real, não retórica.
Na transição energética, 2025 também marcou uma inflexão histórica. A soma de energia solar e eólica superou o carvão na geração global de eletricidade. O dado, por si só, não resolve a crise climática, mas altera sua trajetória. A queda de custos, a escala industrial e os investimentos massivos desmontaram a narrativa de que energia limpa é obstáculo ao crescimento. Países emergentes deixaram de ser coadjuvantes e passaram a liderar essa transformação.
No percurso que conduziu o mundo até a COP 30, compromissos ambientais firmados ao longo da última década começaram, enfim, a produzir efeitos mensuráveis. O financiamento internacional para a biodiversidade saiu do plano declaratório e alcançou territórios concretos, sobretudo em países megadiversos. A ampliação de áreas protegidas e a desaceleração da perda de habitats críticos indicam que metas globais não são inúteis quando acompanhadas de recursos, monitoramento e cobrança política consistente.
Na saúde, 2025 consolidou avanços decisivos em terapias genéticas. Aprovações regulatórias, resultados clínicos comprovados e redução significativa de custos transformaram o que antes era promessa em tratamento efetivo. Para milhares de pacientes com doenças raras, a ciência deixou de ser horizonte distante e passou a representar ganho real de qualidade e expectativa de vida.
Outro dado bem pouco celebrado foi a redução histórica do desmatamento global. O Brasil apresentou seus melhores números em quase uma década, acompanhado por avanços relevantes na Indonésia e na África Central. Monitoramento por satélite, incentivos financeiros internacionais e políticas públicas articuladas demonstraram que a devastação não é destino inevitável, mas consequência de escolhas — e, portanto, passível de reversão.
Talvez o sinal estrutural mais relevante tenha vindo da China, ao confirmar o platô de suas emissões de carbono. Considerando o peso do país no total global, essa estabilização tem impacto sistêmico. Ela sugere que o pico mundial de emissões pode ocorrer antes de 2030, com efeitos diretos sobre a saúde pública e a qualidade do ar em centenas de cidades.
Na conservação ambiental, a recuperação de espécies ameaçadas ofereceu uma lição incômoda aos céticos. Tigres, tartarugas marinhas e populações de salmão voltaram a ocupar espaços perdidos. Quando ciência, financiamento e gestão local caminham juntos, a reversão de danos deixa de ser exceção retórica e passa a integrar políticas de longo prazo.
Até mesmo a corrida espacial, frequentemente associada a vaidades bilionárias, produziu efeitos concretos. A redução dos custos de lançamento ampliou a conectividade global, levando internet de alta velocidade a regiões antes isoladas, enquanto novos instrumentos científicos aprofundaram nossa capacidade de observar o planeta e compreender seus limites físicos.
No plano social, a redução global da pobreza extrema recolocou o mundo em trajetória de recuperação após os choques da pandemia. Crescimento econômico em países de baixa renda, remessas recordes e expansão de redes de proteção social mostraram que desigualdade não é fenômeno natural, mas resultado direto de decisões políticas.
Por fim, a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça sobre responsabilidade climática introduziu um novo fator no tabuleiro global: a possibilidade concreta de responsabilização jurídica dos Estados por danos ambientais.
É claro que não encerra a crise, mas ao menos altera o custo da omissão e reposiciona o direito internacional como instrumento de pressão legítima.
Ao terminar 2025, talvez o gesto mais honesto seja este: resistir tanto ao desespero automático quanto ao otimismo fácil.
O mundo segue instável, desigual e perigoso — e nada autoriza triunfalismos. Mas também não é verdade que apenas tenhamos perdido. Entre retrocessos visíveis e avanços menos ruidosos, houve escolhas que reduziram danos, salvaram vidas e apontaram correções de rota possíveis.
Olhar o ano inteiro apenas por um ângulo empobrece a compreensão da realidade. Recuperar o campo de visão não resolve os problemas, mas é condição indispensável para enfrentá-los com lucidez.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




