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Jorge Folena

Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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O Direito na destruição de reputações

Reflexão sobre lawfare, poder judicial e o uso do direito como arma política no enfrentamento ao fascismo contemporâneo

O Direito na destruição de reputações (Foto: Gerada por IA/DALL-E)

No ciclo de palestra sobre o enfrentamento ao fascismo, organizado e promovido pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge/RJ), em outubro de 2024, tive a satisfação e a honra de assistir à exibição do documentário “O caso Pizzolato: por uma questão de justiça”, do saudoso cineasta Silvio Tendler, e, em seguida, participei, ao lado de Henrique Pizzolato, de um debate sobre o lawfare, que é o emprego do direito como arma para destruir desafetos, com suas devastadoras consequências para o país e as pessoas atingidas.

Sobre o documentário, acredito que deveria ser exibido em escolas, universidades, sindicatos, praças públicas, em nossas casas etc., ou seja, disseminado ao máximo, pois apresenta, de forma didática, uma instrutiva aula sobre como o Poder Judiciário, a serviço das classes dominantes, foi usado para destruir  a soberania e a democracia de um país, que a partir de 2003, sob a liderança do presidente Lula, ousou buscar o pleno desenvolvimento e tentou fazer uma distribuição mais equitativa das suas riquezas. 

Essa obra de Tendler escancara a persecução desencadeada contra Henrique Pizzolato e sua família, que foram e ainda são vítimas da brutalidade e dos abusos praticados por um poder de estado (o Judiciário), constituído, em essência, para reprimir.

Por meio da sétima arte, Silvio Tendler mostrou como o direito pode ser empregado na forma de “violência e poder” (W. Benjamin), inclusive para assassinar a  reputação de defensores da democracia e de pautas progressistas, a exemplo de Henrique Pizzolato, Alysson Mascaro, Eduardo Appio, Boaventura Sousa Santos, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, Marisa Letícia Lula da Silva e muitos outros.

Nesse ponto, considero oportuno reproduzir algumas ideias que expus no ensaio Direito, poder, violência e o fascismo no século XXI, pois entendo que as perseguições, o cancelamento e o apagamento de biografias celebradas (como tentaram fazer com o presidente Lula) são consequência das ações fascistas, que seguem em modo acelerado no século em curso.

Naquele texto afirmei que poder e violência são dois termos que se fundem, pois, para se exercer o poder, há que se fazê-lo por meio da violência. Ocorre que o poder não é uma criação da mente humana, é antes uma constatação do que se verifica na vida, em que os mais fortes (física ou intelectualmente) se impõem sobre os demais seres; acarretando que “o direito do mais forte é o único reconhecido”. Então, a materialização do poder dá-se através da violência, que se constitui pela força.

O Estado foi a maior invenção da mente humana e, “dentre os diversos momentos da vida do povo, foi o Estado político, a constituição, o mais difícil de ser engendrado.”  Ao criar o Estado, o homem passou a deter o monopólio do uso do poder e da violência, agora institucionalizada. Significa dizer que o grupo político que controla o Estado é quem determina o que pode e o que não pode ser feito pelas demais pessoas. 

Sendo o Estado uma criação intelectual, é possível afirmar que o direito é violência, pois, ao mesmo tempo em que concede direitos (determina o que se pode fazer), por outro lado impõe restrições (o que não se pode fazer) às pessoas; sendo sua efetivação executada pelo aparelho burocrático estatal, que detém o poder de colocar em prática “a violência historicamente reconhecida ou sancionada”, expressa no direito positivo.

Até mesmo a concepção do direito como elemento de pacificação dos conflitos sociais se exerce e materializa por meio do poder e da violência, pois o Estado, quando pacifica um conflito, o faz por meio da violência institucional, dispondo do poder de impor sanções e restringir direitos.

As normas jurídicas, impostas pelo Estado, compõem o direito positivo e possuem inegável força e violência sancionadora. Nas palavras de Walter Benjamin: “Todo poder, enquanto meio, tem por função instituir Direito ou mantê-lo”.

Assim, considero necessário propor uma reflexão sobre manifestações utilizadas de forma seletiva, destinadas a alcançar determinados cidadãos e grupos políticos, por divergirem das forças dominantes. 

Então, creio que é papel de todos nós questionar decisões que visam a destruição de reputações, o apagamento de biografias e o cancelamento social, sem esquecer daquelas que tentam impedir o trabalho jornalístico, pela imposição do estrangulamento financeiro, instituindo como condenação o pagamento de indenizações casuístas e desproporcionais, cujo objetivo é arruinar quem ouse enfrentar os donos do poder. 

Todas essas modalidades integram o amplo espectro das armas utilizadas para silenciar as vozes dissonantes, que a classe dominante quer afastar, apagar e destruir, como fizeram durante o fascismo no início do século XX e que se tenta restaurar em pleno século XXI.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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