Fabricando o medo: como Netanyahu está transformando a guerra em campanha eleitoral
A crescente retórica bélica contra o Irã na mídia israelense não pode ser vista isoladamente dos preparativos políticos para as próximas eleições
Netanyahu tenta enquadrar as próximas eleições em uma atmosfera de emergência, em que perguntas como “Quem é o mais capaz de gerenciar a guerra?” e “Quem é o mais durão?” passam a ser feitas em vez da pergunta fundamental: “Quem arcará com a responsabilidade pelo fracasso?”
À medida que Israel se aproxima de mais uma eleição, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu parece estar não apenas administrando os assuntos de Estado como chefe de governo, mas também, cada vez mais, manipulando a opinião pública israelense por meio de uma política sistemática de manutenção de um estado de tensão e conflito, sem escalar para uma guerra declarada — parte integrante de sua estratégia eleitoral.
Portanto, a crescente retórica bélica contra o Irã na mídia israelense não pode ser vista isoladamente dos preparativos políticos para as próximas eleições. Como escreveu Ofer Shelah, pesquisador do Instituto Israelense de Estudos de Segurança Nacional e ex-membro do Knesset: “Os ventos belicistas que sopram na mídia israelense derivam mais de considerações internas do que de uma ameaça clara e imediata vinda do Oriente.” Essa descrição resume a essência da fase atual: uma ameaça exagerada, um perigo controlado e uma função política clara.
O confronto de doze dias entre Israel e Irã confirmou uma verdade que se tornou quase universalmente aceita nos círculos políticos e de segurança israelenses e ocidentais: o cerne do conflito com o Irã não se limita ao programa nuclear ou aos mísseis balísticos, mas diz respeito à própria natureza do regime. Contudo, a conclusão mais importante é que a guerra não é o meio adequado para derrubar esse regime.
A experiência tem demonstrado que qualquer confronto militar direto com o Irã não enfraquece o regime; pelo contrário, concede-lhe maior legitimidade interna e fornece-lhe razões para perseverar e angariar apoio popular, inclusive em setores da oposição. A cada confronto, o regime iraniano emerge mais coeso e mais capaz de controlar seus assuntos internos — e não o contrário.
Além disso, avaliações israelenses indicam que qualquer futura rodada militar será mais violenta e brutal do que as anteriores e mais custosa para Israel, sem garantir uma verdadeira vitória estratégica.
No plano regional, o ambiente circundante não suportaria uma guerra em larga escala entre Israel e Irã. A maioria dos países da região, especialmente os Estados do Golfo, não tem interesse em um confronto aberto que alteraria o cenário e tornaria seus territórios alvos potenciais.
Ademais, os Estados Unidos não parecem convencidos de que a “ameaça iraniana” possa ser eliminada por meio de um ataque militar decisivo; caso contrário, não teriam parado nos limites da rodada anterior. Ficou claro que eliminar a ameaça sem derrubar o regime é impossível, e derrubá-lo pela força militar é irrealista.
Sob essa perspectiva, as táticas de pressão econômica e diplomática surgem como uma opção mais eficaz a longo prazo, enquanto a dependência da força militar — que comprovadamente concede ao regime iraniano o que ele precisa para sobreviver, e não para cair — tende a diminuir.
Quanto à ideia de lançar um ataque militar a cada ano ou a cada seis meses, segundo a chamada teoria de “aparar a grama”, sua eficácia se reduziu, pois nem Israel, nem o Oriente Médio, nem os Estados Unidos podem se dar ao luxo de uma guerra de desgaste prolongada. Apesar dessas convicções, a tensão contínua com o Irã desempenha uma função política interna crucial: reforçar a imagem de Netanyahu como guardião da segurança nacional diante de uma “ameaça existencial”. Historicamente, a sociedade israelense tende a se unir em torno da liderança vigente, em vez de buscar mudanças em tempos de ameaça.
Da mesma forma, manter a frente norte com o Líbano à beira de uma explosão cria uma sensação constante de que a guerra ainda não terminou e de que mudar a liderança neste momento seria uma aposta imprudente.
Quanto a Gaza, o governo israelense não está buscando seriamente uma “segunda fase” nem implementando um caminho claro para o fim da guerra, mas sim administrando um conflito de desgaste prolongado.
Isso inclui não se retirar da Faixa, consolidar sua divisão em leste e oeste ao longo da “linha amarela”, manter a população em condições humanitárias precárias, impedir a transição para a recuperação e reconstrução e manter a ausência de qualquer perspectiva política.
Todos esses elementos perpetuam a “ameaça” e justificam a continuidade da retórica de linha-dura em matéria de segurança, servindo, assim, ao propósito de Netanyahu de convencer o eleitorado israelense de que “a missão ainda não está completa”.
Nesse contexto, a escalada com o Irã, assim como com Gaza e o Líbano, deixa de ser uma questão puramente de segurança e passa a ser, cada vez mais, uma questão de cálculos políticos internos de Netanyahu. Nos próximos meses, ele tentará impor uma única agenda política ao público israelense: a guerra não acabou.
O objetivo é claro: impedir que a oposição redirecione a atenção para questões que enfraquecem Netanyahu politicamente, sobretudo o fiasco de 7 de outubro, os casos de corrupção e o julgamento, além da crise do recrutamento militar dos ultraortodoxos, que ameaça a coesão da coalizão. Em uma atmosfera de perigo, as questões de responsabilização perdem força e a retórica da “unidade sob a liderança” assume o protagonismo.
Ao mesmo tempo, Netanyahu não hesita em atacar pessoalmente seus rivais políticos, como tem feito com Naftali Bennett em relação à suposta invasão iraniana de sua conta no Telegram, no contexto de uma campanha eleitoral antecipada.
Netanyahu busca entrar nas próximas eleições em uma atmosfera que se assemelha a um estado de emergência permanente, em que questões como “Quem é mais capaz de gerenciar a guerra?” e “Quem é mais duro com os ‘inimigos’?” são levantadas, em vez das questões fundamentais: “Quem é o responsável pelo fracasso?”, “Quem resolverá as crises internas?” e “Quem acabará com a divisão social?”.
Nesse sentido, a tensão militar e política externa não é resultado de uma avaliação de segurança confusa, mas de uma escolha estratégica consciente que serve à continuidade do governo de Netanyahu. Enquanto o medo prevalecer e a guerra permanecer presente na consciência pública, Netanyahu se mantém em sua posição preferida: a posição da segurança e da ameaça existencial, em que a política recua e o instinto de segurança prevalece.
Ele procura, assim, entrar nas próximas eleições em uma atmosfera que remete a um estado de emergência permanente, no qual a política se sobrepõe ao debate racional. Em Israel hoje, as guerras não são travadas apenas nos campos de batalha, mas também nas urnas — antes mesmo de serem abertas.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




