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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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Fabricando o medo: como Netanyahu está transformando a guerra em campanha eleitoral

A crescente retórica bélica contra o Irã na mídia israelense não pode ser vista isoladamente dos preparativos políticos para as próximas eleições

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, faz ataques ao Irã em discurso na ONU - 26/9/2025 (Foto: REUTERS/Jeenah Moon)

Netanyahu tenta enquadrar as próximas eleições em uma atmosfera de emergência, em que perguntas como “Quem é o mais capaz de gerenciar a guerra?” e “Quem é o mais durão?” passam a ser feitas em vez da pergunta fundamental: “Quem arcará com a responsabilidade pelo fracasso?”

À medida que Israel se aproxima de mais uma eleição, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu parece estar não apenas administrando os assuntos de Estado como chefe de governo, mas também, cada vez mais, manipulando a opinião pública israelense por meio de uma política sistemática de manutenção de um estado de tensão e conflito, sem escalar para uma guerra declarada — parte integrante de sua estratégia eleitoral.

Portanto, a crescente retórica bélica contra o Irã na mídia israelense não pode ser vista isoladamente dos preparativos políticos para as próximas eleições. Como escreveu Ofer Shelah, pesquisador do Instituto Israelense de Estudos de Segurança Nacional e ex-membro do Knesset: “Os ventos belicistas que sopram na mídia israelense derivam mais de considerações internas do que de uma ameaça clara e imediata vinda do Oriente.” Essa descrição resume a essência da fase atual: uma ameaça exagerada, um perigo controlado e uma função política clara.

O confronto de doze dias entre Israel e Irã confirmou uma verdade que se tornou quase universalmente aceita nos círculos políticos e de segurança israelenses e ocidentais: o cerne do conflito com o Irã não se limita ao programa nuclear ou aos mísseis balísticos, mas diz respeito à própria natureza do regime. Contudo, a conclusão mais importante é que a guerra não é o meio adequado para derrubar esse regime.

A experiência tem demonstrado que qualquer confronto militar direto com o Irã não enfraquece o regime; pelo contrário, concede-lhe maior legitimidade interna e fornece-lhe razões para perseverar e angariar apoio popular, inclusive em setores da oposição. A cada confronto, o regime iraniano emerge mais coeso e mais capaz de controlar seus assuntos internos — e não o contrário.

Além disso, avaliações israelenses indicam que qualquer futura rodada militar será mais violenta e brutal do que as anteriores e mais custosa para Israel, sem garantir uma verdadeira vitória estratégica.

No plano regional, o ambiente circundante não suportaria uma guerra em larga escala entre Israel e Irã. A maioria dos países da região, especialmente os Estados do Golfo, não tem interesse em um confronto aberto que alteraria o cenário e tornaria seus territórios alvos potenciais.

Ademais, os Estados Unidos não parecem convencidos de que a “ameaça iraniana” possa ser eliminada por meio de um ataque militar decisivo; caso contrário, não teriam parado nos limites da rodada anterior. Ficou claro que eliminar a ameaça sem derrubar o regime é impossível, e derrubá-lo pela força militar é irrealista.

Sob essa perspectiva, as táticas de pressão econômica e diplomática surgem como uma opção mais eficaz a longo prazo, enquanto a dependência da força militar — que comprovadamente concede ao regime iraniano o que ele precisa para sobreviver, e não para cair — tende a diminuir.

Quanto à ideia de lançar um ataque militar a cada ano ou a cada seis meses, segundo a chamada teoria de “aparar a grama”, sua eficácia se reduziu, pois nem Israel, nem o Oriente Médio, nem os Estados Unidos podem se dar ao luxo de uma guerra de desgaste prolongada.  Apesar dessas convicções, a tensão contínua com o Irã desempenha uma função política interna crucial: reforçar a imagem de Netanyahu como guardião da segurança nacional diante de uma “ameaça existencial”. Historicamente, a sociedade israelense tende a se unir em torno da liderança vigente, em vez de buscar mudanças em tempos de ameaça.

Da mesma forma, manter a frente norte com o Líbano à beira de uma explosão cria uma sensação constante de que a guerra ainda não terminou e de que mudar a liderança neste momento seria uma aposta imprudente.

Quanto a Gaza, o governo israelense não está buscando seriamente uma “segunda fase” nem implementando um caminho claro para o fim da guerra, mas sim administrando um conflito de desgaste prolongado.

Isso inclui não se retirar da Faixa, consolidar sua divisão em leste e oeste ao longo da “linha amarela”, manter a população em condições humanitárias precárias, impedir a transição para a recuperação e reconstrução e manter a ausência de qualquer perspectiva política.

Todos esses elementos perpetuam a “ameaça” e justificam a continuidade da retórica de linha-dura em matéria de segurança, servindo, assim, ao propósito de Netanyahu de convencer o eleitorado israelense de que “a missão ainda não está completa”.

Nesse contexto, a escalada com o Irã, assim como com Gaza e o Líbano, deixa de ser uma questão puramente de segurança e passa a ser, cada vez mais, uma questão de cálculos políticos internos de Netanyahu. Nos próximos meses, ele tentará impor uma única agenda política ao público israelense: a guerra não acabou.

O objetivo é claro: impedir que a oposição redirecione a atenção para questões que enfraquecem Netanyahu politicamente, sobretudo o fiasco de 7 de outubro, os casos de corrupção e o julgamento, além da crise do recrutamento militar dos ultraortodoxos, que ameaça a coesão da coalizão. Em uma atmosfera de perigo, as questões de responsabilização perdem força e a retórica da “unidade sob a liderança” assume o protagonismo.

Ao mesmo tempo, Netanyahu não hesita em atacar pessoalmente seus rivais políticos, como tem feito com Naftali Bennett em relação à suposta invasão iraniana de sua conta no Telegram, no contexto de uma campanha eleitoral antecipada.

Netanyahu busca entrar nas próximas eleições em uma atmosfera que se assemelha a um estado de emergência permanente, em que questões como “Quem é mais capaz de gerenciar a guerra?” e “Quem é mais duro com os ‘inimigos’?” são levantadas, em vez das questões fundamentais: “Quem é o responsável pelo fracasso?”, “Quem resolverá as crises internas?” e “Quem acabará com a divisão social?”.

Nesse sentido, a tensão militar e política externa não é resultado de uma avaliação de segurança confusa, mas de uma escolha estratégica consciente que serve à continuidade do governo de Netanyahu. Enquanto o medo prevalecer e a guerra permanecer presente na consciência pública, Netanyahu se mantém em sua posição preferida: a posição da segurança e da ameaça existencial, em que a política recua e o instinto de segurança prevalece.

Ele procura, assim, entrar nas próximas eleições em uma atmosfera que remete a um estado de emergência permanente, no qual a política se sobrepõe ao debate racional. Em Israel hoje, as guerras não são travadas apenas nos campos de batalha, mas também nas urnas — antes mesmo de serem abertas.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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