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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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Uma mulher no cargo de secretária-geral das Nações Unidas?

ONU busca atender a dois critérios para definir a escolha

Emblema da ONU em Nova York - 23/8/2022 (Foto: REUTERS/David 'Dee' Delgado)

Em 25 de novembro, o presidente do Conselho de Segurança, o embaixador de Serra Leoa, Michael Imran Kanu, e a presidente da 80ª sessão da Assembleia Geral, Annalena Baerbock, enviaram uma carta a todos os 193 Estados-membros da ONU, convidando-os a indicar candidatos para o décimo secretário-geral, cujo mandato começa em 1º de janeiro de 2027. A carta declarava: “Observando com pesar que nenhuma mulher jamais ocupou o cargo de secretária-geral e acreditando na necessidade de garantir igualdade de oportunidades para mulheres e homens no acesso a cargos de tomada de decisão de alto nível, encorajamos os Estados-membros a considerarem seriamente a indicação de mulheres. Enfatizamos a importância da diversidade regional na seleção dos secretários-gerais.”

A carta indicava, portanto, uma tentativa de atender a duas condições, se possível: que a candidata fosse uma mulher e, simultaneamente, que a diversidade geográfica fosse levada em consideração. Começando pela segunda condição, o grupo geográfico que nunca elegeu um secretário-geral é o Leste Europeu. Seguindo o sistema de rodízio usual, o próximo candidato seria da América Latina. Portanto, acredito que a disputa pela décima vaga de secretário-geral se dará principalmente entre candidatos da Europa Oriental e da América Latina. Os nomes dos candidatos à presidência da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança começaram a surgir. Três nomes estão circulando atualmente, mas, antes disso, gostaria de revisar brevemente os métodos utilizados para selecionar os nove secretários-gerais anteriores ao longo dos últimos oitenta anos.

Primeira etapa – Estados neutros - Inicialmente, a seleção era quase exclusivamente limitada a Estados neutros que não estivessem alinhados com os blocos oriental ou ocidental. Os quatro primeiros secretários-gerais foram escolhidos de acordo com esses critérios, para evitar um veto russo ou estadunidense. O primeiro secretário-geral foi da Noruega (Trygve Lie), o segundo da Suécia (Dag Hammarskjöld), o terceiro de Mianmar (U Thant) e o quarto da Áustria (Kurt Waldheim). A composição dos Estados-membros da ONU mudou na década de 1970, com a República Popular da China substituindo a República da China (Taiwan) em 1971. A Guerra Fria estava no auge entre os dois blocos, especialmente após a derrota no Vietnã e a independência de um grande número de países africanos de esquerda. Os blocos geográficos da África, Ásia e América Latina ganharam influência significativa e passaram a impor suas posições, particularmente na Assembleia Geral.

Segunda etapa – grupos geográficos - O primeiro confronto sobre a escolha do quinto secretário-geral ocorreu em 1981. Os Estados Unidos desejavam renovar, ou pelo menos estender, o mandato do então secretário-geral, Kurt Waldheim, que já havia cumprido dois mandatos. A China vetou a proposta e, em seguida, a China, a Rússia e os Estados africanos indicaram Salim Ahmed Salim, da Tanzânia. No entanto, o representante dos EUA vetou sua candidatura, bloqueando sua nomeação porque ele havia comemorado, no plenário da Assembleia Geral, a expulsão de Taiwan e sua substituição pela República Popular da China. Os confrontos continuaram por dois meses, até que Javier Pérez de Cuéllar, do Peru, foi escolhido como candidato de consenso.

Com a eleição de Pérez de Cuéllar, da América Latina, outros grupos geográficos iniciaram um processo contínuo de rotação do cargo. Em seguida, foi a vez da África, que ocupou o posto por três mandatos: um com Boutros Boutros-Ghali e dois com Kofi Annan. Depois, foi a vez da Ásia, com a eleição de Ban Ki-moon, da Coreia do Sul. Ele foi considerado o secretário-geral menos competente e carismático, recebendo o apelido de “secretário-geral preocupado”, pois seu principal meio de influência era expressar preocupação.

Terceira etapa – competência e múltiplos candidatos - Após o desempenho pouco expressivo de Ban Ki-moon e o declínio da popularidade do cargo em razão da rotação geográfica, e sob pressão dos Estados Unidos, o processo de nomeação foi aberto a múltiplos candidatos de diversas regiões. Os candidatos passaram a apresentar suas credenciais, currículos e declarações de visão, seguidos de entrevistas longas e complexas com um comitê de Estados-membros, transmitidas ao vivo. Esse mecanismo foi adotado pela Resolução 79/327 da Assembleia Geral.

A competição foi acirrada em 2016 entre vários candidatos muito fortes, incluindo o atual secretário-geral, António Guterres; Danilo Türk, da Eslovênia; Irina Bokova, da Bulgária, diretora-geral da UNESCO, conhecida por sua postura favorável à Palestina; Zeid Ra'ad al-Hussein, da Jordânia; Helen Clark, da Nova Zelândia; entre outros. Pela primeira vez, todos os candidatos participaram de sessões de perguntas e respostas antes de serem apresentados ao Conselho de Segurança. Por fim, Guterres foi escolhido, sem dúvida o mais qualificado entre eles. Ele havia atuado como Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados por dez anos, como primeiro-ministro de Portugal, como presidente da Internacional Socialista, além de ter ocupado outros cargos de destaque.

Estamos, portanto, na terceira fase, caracterizada por múltiplos candidatos, na qual competência, experiência e qualificações desempenham um papel fundamental na seleção do secretário-geral. A diversidade geográfica é positiva quando combinada com considerações de competência e gênero.

Até o momento, há três candidatos:

A primeira candidata, Michelle Bachelet, do Chile: a presidente chilena, Gabriela Burrigez, nomeou a ex-presidente e ex-alta-comissária para os Direitos Humanos do país para o cargo de próxima secretária-geral das Nações Unidas. A nomeação ocorreu durante seu discurso na 80ª sessão da Assembleia Geral. Não se sabe se o recém-eleito presidente de direita, José Antonio Kast, continuará apoiando a candidatura de Bachelet. Ela é, na minha avaliação, a pessoa mais indicada para ocupar o cargo, e espero que todos os países árabes e islâmicos, bem como todas as nações amantes da paz e da justiça, apoiem essa mulher forte e corajosa.

A segunda candidata, Rebeca Grynspan, da Costa Rica: o secretário-geral Guterres a nomeou, em setembro de 2021, secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Ela é a primeira mulher a ocupar esse cargo na história da organização. Grynspan foi vice-presidente de seu país de 1994 a 1998 e, posteriormente, ingressou no sistema internacional, ocupando diversos cargos, principalmente na área de desenvolvimento, antes de assumir a liderança da UNCTAD. A questão mais séria em relação a Grynspan diz respeito a seus laços não declarados com Israel, onde estudou e se formou na Universidade Hebraica de Jerusalém, em economia e sociologia. Soube que o atual secretário-geral apoia sua candidatura, apesar de sua obrigação de permanecer imparcial.

O terceiro candidato, Rafael Mariano Grossi, da Argentina, dirige a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que tem o mandato de prevenir a proliferação de armas nucleares e promover a paz e a segurança internacionais por meio do uso pacífico da ciência e da tecnologia nucleares. Nomeado diretor-geral por unanimidade em 2019 e reeleito em 2024, Grossi liderou a agência durante um período de complexos desafios globais. No entanto, seus relatórios sobre as violações do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) entre o Irã e as seis potências mundiais teriam facilitado os ataques de Israel contra o Irã, que agiria com impunidade. Ele nunca mencionou o arsenal nuclear de Israel nem abordou a violação, por Trump, do acordo nuclear de 2015 entre o Irã e as seis potências mundiais. Para ele, as violações foram unilaterais, perpetradas exclusivamente pelo Irã, razão pela qual os Estados Unidos e Israel apoiam sua candidatura.

O período de nomeações permanecerá aberto por mais de nove meses. Esperamos que o número de candidatos, especialmente de países do Leste Europeu, aumente de agora até o final de junho. Contudo, é evidente que os Estados Unidos desempenharão um papel fundamental na escolha do próximo secretário-geral de modo, que, ele ou ela seja, um especialista em economia e gestão, tenha um histórico claro de não apoio à Palestina e, por fim, seja aceitável para a entidade sionista. Voltaremos a abordar o assunto ao longo do próximo ano.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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