O IV Encontro de Atingidos por Barragens e a transição energética
No IV Encontro Internacional foram discutidas a natureza da crise climática e propostas concretas para uma transição energética justa, popular e soberana
Entre as atividades que se desenvolvem paralelamente à COP30 e na preparação da Cúpula dos Povos, uma das mais relevantes foi a realização do IV Encontro Internacional de Comunidades Atingidas por Barragens e Crise Climática. Os encontros anteriores se realizaram no Brasil (Curitiba, 1997), Tailândia (2003) e México (2010). Este IV Encontro, organizado pelo Movimento de Atingidos por Barragens (MAB, Brasil) e pelo Movimiento de Afectados por Represas (MAR, latino-americano), antecedido por encontros nos 5 continentes, receberá cerca de 300 representantes de organizações que lutam, em 42 países contra as violações dos direitos de populações atingidas pela construção e operação de barragens hidrelétricas e para irrigação, mas também pelos que têm sido duramente afetados pela mineração e trágicos desastres, como os que atingiram Mariana (5/11/2015) e Brumadinho (25/01/2019).
Embora a expressão “atingido” tenha alcançado grande repercussão com os desastres da mineração em Mariana e Brumadinho, na verdade os atingidos lutam desde a segunda metade da década de 1980, quando a Comissão Regional dos Atingidos por Barragens da Bacia do Alto Uruguai (CRAB) fez o primeiro acordo sobre reparações aos deslocados compulsoriamente pelas barragens de Itá e Machadinho, da empresa Eletrosul, então estatal. O MAB constitui hoje um dos mais importantes movimentos populares brasileiros, presente em 20 estados. Na Amazônia, sua presença é marcante, e serão 1.000 os atingidos da região que representarão o movimento nacional na Cúpula dos Povos.
Se o MAB se destacou desde sua fundação, em 1991, como firme defensor dos direitos e porta-voz das populações atingidas pela construção e operação de barragens e, mais recentemente, das vítimas dos desastres da mineração, ele tem também acumulado uma rica e valiosa reflexão sobre a crise climática e, em particular, sobre os desafios de promover uma transição energética popular, justa e soberana, que escape às armadilhas e falsas opções daqueles para quem a crise e a transição constituem novas oportunidades de negócios.
No IV Encontro Internacional foram discutidas a natureza da crise climática, como também propostas concretas para uma transição energética justa, popular e soberana. As análises lançam luz sobre lógica destrutiva do capitalismo, regime econômico e social que submete a sociedade e a natureza à lógica do mercado e do lucro das grandes corporações. Também se denuncia a notória ineficácia de falsas soluções, sejam aquelas que apostam na expansão da lógica mercantil, como os mercados de direitos de poluir, sejam aquelas que viriam de fontes alternativas, que embora menos destrutivas que os combustíveis fósseis, apenas reproduzem e reforçam uma economia e uma sociedade energívoras e consumista. Não se trata, pois, de ampliar a oferta de energia, com novas fontes, nem sempre tão limpas quanto anunciado. Estudos do Greenpeace já mostraram que a economia de energia é a mais limpa e barata fonte alternativa: políticas e ações decisivas poderiam reduzir o consumo de energia em até 30% no Brasil.
E em países dependentes e periféricos como o Brasil, uma transição energética efetiva exigirá romper com o modelo primário-exportador, que nos condena à condição de mero exportador de recursos naturais – em primeiro lugar água e energia. Afinal, as exportações dos principais produtos do agronegócio e da mineração são responsáveis por cerca de 50% de toda a energia consumida no país. Neste contexto, não surpreende a reprimarização de nossa economia, em que a participação da indústria de transformação no PIB regrediu para a mesma taxa de 1947 - em torno de 11%.
Os desafios são enormes para impedir que, uma vez mais, na COP30, as grandes corporações da energia, da mineração, do agronegócio e das finanças imponham seus interesses aos da imensa maioria da população mundial. Os atingidos por barragens, pela mineração, pelos desastres são os porta-vozes mais sofridos e mais lúcidos de uma proposta de transição energética popular, justa e soberana, que aponte para uma sociedade que escape à barbárie e autodestruição a que estamos sendo conduzidos pelo apetite de uns poucos e a irresponsabilidade de governantes de todo o mundo. Em Belém, no dia 11 de novembro de 2025 nasceu o Movimento Internacional de Atingidos por Barragens e Crise Climática. Ele deve ser apoiado e ouvido.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




