O plano da China em um mundo de cabeça para baixo
15º Plano Quinquenal oferece uma nova rota de desenvolvimento tecnológico, fortalecimento do mercado interno e melhoria da qualidade de vida para 100% do povo
Em 1954, quando a República Popular da China dava seus primeiros passos rumo à industrialização, uma fábrica de rolamentos abriu as portas em Luoyang, na província de Henan. Era uma das 156 obras iniciais do primeiro Plano Quinquenal, um projeto que pretendia erguer aço onde antes havia arrozais e gerar energia onde antes funcionavam lampiões de querosene. Setenta anos depois, aquela antiga planta se transformou no Luoyang Bearing Group, uma empresa que fabrica mais de 30 mil tipos de produtos de alta precisão para setores estratégicos como aeroespacial, energia eólica e trens de alta velocidade.
O exemplo, destacado pelo China Daily, ilustra como os planos quinquenais são a espinha dorsal da economia chinesa e, em grande medida, do próprio modelo político do país. Desde o primeiro (1953–1957) até o 14º Plano, que termina neste ano, cada ciclo funcionou como uma eficaz estratégia de planejamento nacional — um método que permitiu à China se organizar, refletir e projetar o futuro em períodos de cinco anos.
“Planejar é prever, e prever é fortalecer a confiança no futuro.”
Este conceito, quase filosófico, guia os dirigentes chineses e foi reafirmado nesta semana durante a quarta sessão plenária do 20º Comitê Central do PCCh, realizada em Pequim, na qual foram aprovadas as propostas para o 15º Plano Quinquenal de Desenvolvimento Econômico e Social (2026–2030). A iniciativa foi descrita como “um elo crucial entre o passado e o futuro”, mirando a modernização socialista até 2035.
Após o encontro, as autoridades chinesas afirmaram que “o desenvolvimento da China se encontra em um período de coexistência de oportunidades estratégicas, riscos e desafios, enquanto aumentam as incertezas e fatores imprevistos”. Durante o evento, o presidente Xi Jinping destacou os êxitos do 14º Plano Quinquenal e discutiu os eixos centrais do novo plano, já apresentados anteriormente em um simpósio com personalidades fora do PCCh. Na ocasião, Xi enfatizou a importância de atender “às necessidades do povo em emprego, educação, seguridade social, moradia, saúde e cuidado de idosos e crianças”, conforme noticiou a agência Xinhua.
De acordo com o documento oficial divulgado após as deliberações, o rascunho do novo plano estabelece seis princípios e sete objetivos estratégicos que delineiam o caminho da China nos próximos cinco anos — em meio a um cenário global marcado pela imprevisibilidade, pela quebra de acordos e pelo aumento de conflitos comerciais e tensões geopolíticas.
“A proposta do PCCh para o 15º Plano Quinquenal prioriza a construção de um sistema industrial modernizado e o fortalecimento das bases da economia real”, afirmou Zheng Shanjie, diretor da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma. “Para atingir esses objetivos, faremos esforços para atualizar indústrias tradicionais, expandir setores emergentes e futuros, promover o desenvolvimento de alta qualidade dos serviços e construir um sistema de infraestrutura modernizado.”
A China pretende alcançar maior autossuficiência em ciência e tecnologia, apostando em inovações que vão desde semicondutores até inteligência artificial, robótica e novas formas de inovação aplicada. O objetivo é consolidar um sistema industrial moderno que garanta competitividade e autonomia tecnológica, reduzindo ao mínimo a dependência externa.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Yin Hejun, explicou que as principais medidas incluem: fortalecer a inovação e os avanços em tecnologias essenciais; integrar inovação científica e industrial; coordenar o desenvolvimento de educação, ciência e talentos; e consolidar a iniciativa China Digital.
Segundo o Global Times, o novo plano também busca melhorar o bem-estar social, com diretrizes como “beneficiar os agricultores que obtêm melhores resultados”, “promover uma urbanização centrada nas pessoas”, “melhorar o bem-estar público” e “dar passos firmes rumo à prosperidade comum”.
Zheng destacou que a China precisa investir fortemente na construção de um poderoso mercado interno, acelerando uma nova estrutura de crescimento, o fortalecimento de uma economia de mercado socialista de alto nível e a promoção do desenvolvimento de qualidade.
O ministro do Comércio, Wang Wentao, afirmou que o país se concentrará “no setor de serviços para ampliar o acesso ao mercado”, além de “estimular o comércio inovador, expandir a cooperação bilateral em investimentos e promover uma colaboração de alta qualidade na Iniciativa Cinturão e Rota”.
“Transformaremos o vasto mercado chinês em um campo de testes global, um nó de aplicação e um centro de lucros para a inovação”, disse Wang. “Evitaremos abordagens de soma zero que prejudicam outros em benefício próprio. Em vez disso, focaremos em um desenvolvimento mutuamente benéfico e compartilhado.”
Pequim reforçou que existe uma decisão política inequívoca de promover uma abertura de alto nível e acelerar a transição ecológica. O governo defende que a China deve melhorar ainda mais as condições de vida do povo e consolidar a prosperidade comum, em consonância com o marco histórico de ter retirado quase 100 milhões de pessoas da pobreza rural em apenas oito anos, erradicando a miséria em 2021.
Além da economia, o país também busca inspirar a criatividade cultural, fomentar o florescimento da cultura socialista e modernizar o sistema de segurança nacional, elevando a iniciativa China Pacífica a um novo patamar.
Em um mundo marcado pelo imediatismo e pelas crises sucessivas, a China aposta em uma estratégia de longo prazo, com metas que integram crescimento econômico, soberania tecnológica, autossuficiência energética e coesão interna. Dentro dessa visão, o 15º Plano Quinquenal representa uma narrativa de poder e uma demonstração de que a modernidade não é exclusividade do neoliberalismo ocidental, mas pode ser guiada — e bem-sucedida — sob a bússola da planificação socialista.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




