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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Para entender a lógica das liminares no STF

Fez-se necessária a excepcionalidade do momento no Judiciário

Brasília (DF) - 08.01.2024 - Réplica da Costituição Brasileira instalada em frente ao STF (Foto: João Risi/PR)

O uso de decisões monocráticas pelo Supremo Tribunal Federal é frequentemente explicado como uma adaptação administrativa à sobrecarga de processos e a urgências atípicas e circunstanciais. Outros países democráticos também lidam com milhares de casos e precisam de mecanismos de filtragem para decidir colegiadamente apenas uma parcela reduzida deles, e a decisão liminar, antecedente ao julgamento colegiado, é o instrumento.

A coluna conversa com especialistas sobre o tema há bastante tempo, e é consensual que a adoção indiscriminada de liminares produz efeito colateral: uma adaptação excepcional, que expande o espaço para decisões individuais e afasta o tribunal da normalidade institucional.

É igualmente consensual entre os juristas que, no caso brasileiro, o enraizamento de extremistas nos Poderes, a trama e a iminente execução de um golpe de Estado, inclusive com arquitetura de assassinatos, a forja diuturna de fake news para estímulo ao golpismo entre a população, reiteradas ameaças ao Judiciário pelo ex-ocupante do mais alto cargo da República, sinais de relação entre políticos de relevo e o crime organizado e captura do orçamento mais do que justificam medidas judiciais à máxima celeridade – via liminares, por lógico.

Daí a correção, por exemplo, da suspensão de emendas parlamentares impositivas pelo ministro Flávio Dino, que concedeu liminar (no âmbito da ADI 7697) para suspender a execução de emendas parlamentares ao Orçamento da União — incluindo emendas individuais, de bancada e as chamadas “emendas-pix” — até que sejam estabelecidas regras claras de transparência, rastreabilidade e eficiência. A decisão foi referendada pelo plenário virtual do STF e manteve a suspensão dos repasses até que Congresso e Executivo regularizem procedimentos compatíveis com a Constituição.

O instrumento da liminar, de outra parte, não pode servir a que juízes façam predominar sua visão de direito própria — inclusive quando ela contraria a orientação do colegiado —, transformando um poder que deveria ser excepcional e provisório em uma ferramenta estratégica permanente. Por exemplo, não se pode aceitar a concessão de liminares que nunca são liberadas para julgamento colegiado, mantendo o tema sob controle exclusivo do relator. Não são juridicamente saudáveis liminares capazes de alterar substancialmente o cenário político antes de serem apreciadas pelo plenário, criando um custo alto para eventual reversão, fenômeno descrito como “emparedamento do plenário”.

Entre os exemplos emblemáticos de decisões individuais com forte impacto político está a liminar que impediu a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como ministro em 2016, dada pela versão lava-jatista do ministro Gilmar Mendes. Ressalve-se que, agora, a liminar de Gilmar limitando ao procurador-geral da República a prerrogativa de ingressar com pedido de impeachment de ministros do STF em nada atropela o dia a dia da política nacional, apenas provoca o aprofundamento de um debate que deveria ter começado há muito tempo.

Gilmar Mendes é uma figura e tanto. Hoje enaltecido pelos progressistas por seu comprometimento com a democracia e seu perfeito diagnóstico do que foi a Operação Lava-Jato, já foi execrado por eles. O decano prova que a repetição de decisões individuais em temas específicos constrói, perante a opinião pública, a imagem de certos ministros como defensores — ou opositores — de determinadas causas, o que afeta a percepção de imparcialidade. A situação se agrava quando ele debate com a imprensa temas pendentes de julgamento ou decisões de seus pares, prática vedada a juízes de instâncias inferiores pela Lei Orgânica da Magistratura. Embora não haja clareza sobre a aplicação dessa norma ao STF, a exposição pública excessiva reforça a imagem de que o magistrado atua como atore político e não como árbitro.

O grande volume de processos no Supremo Tribunal Federal funciona como uma espécie de cortina protetora: dificulta o monitoramento público e interno e permite que ações individuais passem despercebidas, exceto quando ganham destaque na imprensa. O problema não se limita às decisões monocráticas. Pedidos de vista também funcionam como instrumentos individuais de agenda, permitindo que qualquer ministro interrompa indefinidamente um julgamento, já que os prazos para devolução a plenário não são respeitados.

Do ponto de vista formal, a Constituição não confere poderes decisórios isolados aos ministros - o Supremo é concebido como órgão colegiado. Os poderes individuais se originam de legislação infraconstitucional e do regimento interno, que autorizam as decisões urgentes em caráter provisório. A situação caminharia para uma solução com uma ação mais assertiva da presidência do STF, forçando a inclusão em pauta de casos retidos por pedidos de vista ou liminares prolongadas. Tal medida, no entanto, exigiria mudanças regimentais e enfrentaria forte resistência interna, já que mesmo ministros críticos dos excessos individuais tendem a hesitar quando se trata de reduzir seus próprios poderes.

Mais uma vez, o colunista obriga-se a reconhecer a necessária excepcionalidade do momento em que o Judiciário, em boa medida impulsionado pelo arrojo do ministro Alexandre de Moraes, precisou conferir mais celeridade e publicidade a um processo, um processo aberto para identificar e julgar pessoas que agiram para derrubar a democracia. A lógica individualista sobrepôs-se a um posicionamento colegiado? Ou a lógica de Moraes foi erigida sobre fundamentos comuns e por isso a maioria votou com ele? Resposta dois, por certo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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