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Paulo Henrique Arantes

Jornalista há quase quatro décadas, é autor do livro "Retratos da Destruição: Flashes dos Anos em que Jair Bolsonaro Tentou Acabar com o Brasil". Editor da newsletter "Noticiário Comentado" (paulohenriquearantes.substack.com)

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Por que Derrite quis tirar do Tribunal do Júri a prerrogativa de julgar crimes de sangue?

Em vez da resposta célere que se obtém no Júri, corre-se o risco de ampliar a impunidade

Guilherme Derrite (Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

O relator do Projeto de Lei alcunhado “Antifacção” no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), parece pespegar melhores tintas ao original do deputado Guilherme Derrite (PP-SP). Um dos principais pontos alterados é aquele que devolve ao Tribunal do Júri a competência para julgar crimes de homicídio cometidos por integrantes de facções. Pelo que pretendia Derrite, tais crimes passariam a ser julgados por varas criminais colegiadas.

O efeito deletério de se alijar o Júri do julgamento de crimes de sangue foi denunciado, inicialmente, em artigo na imprensa, pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, e pelos promotores Lincoln Gakiya e Aluísio Antonio Maciel Neto, ambos do Ministério Público de São Paulo.

Assim os promotores escreveram: “Pelo Tema 1.068 do STF, as condenações do Júri admitem execução imediata. Nas mortes praticadas por organizações criminosas, isso significa resposta penal mais célere do que em grande parte dos processos decididos por juízes togados. (...) O projeto cria efeito colateral pouco discutido: abre-se espaço para que tribunais superiores se debrucem, por anos, sobre a valoração da prova travestida de discussão jurídica, em recursos sucessivos e protelatórios, empurrando o trânsito em julgado para muito adiante e permitindo, não raro, que penas só comecem a ser cumpridas décadas depois do crime (se cumpridas)”.

O professor de Direito Penal da USP Patrick Cacicedo disse à coluna que “o Júri é uma garantia da Constituição nos crimes dolosos contra a vida, portanto a proposta do PL original, do deputado Derrite, é inconstitucional”.

A Constituição de 1988 trata do Tribunal do Júri no artigo 5º, inciso XXXVIII, dentro do capítulo dos direitos e garantias fundamentais. A Carta reconhece a instituição do Júri e lhe confere atribuições e características essenciais, que não podem ser abolidas nem por emenda constitucional - são cláusulas pétreas. O texto constitucional confere ao Tribunal do Júri a competência para julgar os “crimes de sangue” — expressão usada no jornalismo para se referir aos crimes dolosos contra a vida.

O que a Constituição diz, em síntese, é que somente o Tribunal do Júri pode julgar os crimes de sangue praticados com dolo, e o faz protegendo o julgamento por meio de garantias que reforçam a participação popular e a legitimidade democrática das decisões.

Como ressaltaram os promotores paulistas, em vez da resposta célere que se obtém no Júri, corria-se o risco de ampliar a impunidade: “Se o problema é segurança, a solução já está ao alcance do legislador, sem necessidade de expulsar o povo (representado no Tribunal do Júri) do julgamento, com o uso de videoconferência, o anonimato dos jurados e o fortalecimento do desaforamento”.

Cabe a pergunta: por que Guilherme Derrite tentou tirar do Tribunal do Júri a prerrogativa constitucional de julgar crimes de sangue?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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