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Jair de Souza

Economista formado pela UFRJ, mestre em linguística também pela UFRJ

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Quais bolsonaristas podem, precisam e devem ser resgatados?

'É preciso sensibilizar aqueles que, em função da máquina de desinformação do grande capital, estão girando em torno da órbita do bolsonarismo'

Ato bolsonarista na Avenida Paulista (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Tenho o pressentimento de que todos já nos deparamos com gente fazendo a defesa de Bolsonaro, apesar de estar visivelmente incluída no grupo das menos favorecidas. Isto já se deu comigo por diversas vezes. A mais recente foi durante um corte de cabelo, quando o barbeiro que me atendia resolveu falar sobre os problemas que estamos enfrentando pelo fato de o governo Lula preferir sustentar vagabundos com o bolsa-família, em lugar de obrigá-los a trabalhar.

Estas constatações deveriam servir para induzir-nos a entender claramente que não todos os simpatizantes de Bolsonaro são do mesmo quilate. Por mais difícil que nos seja tragar a ideia, temos de admitir que entre os que dão aval ao ex-capitão de extrema direita, há muitos que o fazem por crerem estar atuando no sentido oposto do que nós sabemos ser o rumo real do bolsonarismo.

Evidentemente, quando estamos diante de grandes proprietários do agronegócio, de acionistas e controladores de bancos e empresas financeiras, ou mesmo de pessoas da alta classe média, não nos parece nada anormal, ou contraditório, que estejam expressando sua concordância e pregando as propostas políticas do bolsonarismo. Afinal, eles demonstram saber muito bem que seus atuais privilégios existem em dependência umbilical com a existência de um sistema político-social que lhes garante a possibilidade de explorar ao máximo as maiorias trabalhadoras, e as excluir de direitos.

Porém, através da lógica, não haveria como justificar que elementos pertencentes aos setores populares também se somem ao apoio de uma corrente política que nada de positivo tem para lhes oferecer. Sem dúvidas, em tais situações, nunca é a coerência de raciocínio o que se impõe, senão que seu oposto.

Sem pretensões paternalistas de arvorar-me em dono da verdade, considero que a precariedade das condições de vida torna mais difícil o discernimento dos fatores causantes das angústias e penúrias que afligem amplas parcelas das massas populares. E, por sua vez, as classes dominantes demonstram que também têm plena consciência disto. Assim, desenvolvem estratégias de modo a tirar proveito das deficiências e debilidades que elas mesmas engendram.

Com um mínimo de conhecimento histórico, vamos recordar que não é restrito à atualidade a implementação de medidas de diversionismo ideológico, visando conduzir o povo oprimido por um caminho contrário ao da resolução efetiva das mazelas que padece. Já em nossos estudos sobre o antigo Império Romano constatamos o uso recorrente que se fazia da política de oferecer “pão e circo” para manter as massas alienadas e afastadas de lutas por direitos fundamentais para uma vida digna.

É por isto que, vira e mexe, nos encontramos com trabalhadores humildes que se colocam em defesa de seus opressores. Eles foram ganhos, ou melhor, enganados, pela gigantesca máquina ideológica das classes dominantes. Portanto, para recuperar essas pessoas para o campo popular, temos de aprender a travar a disputa ideológica que se faz presente. Não podemos acreditar que, tão somente por tomar medidas governamentais que as beneficiem, elas aderirão a nossas posições. Então, além de oferecer-lhes perspectivas de melhoria no campo material, precisamos igualmente sensibilizá-las em termos ideológicos.

As classes dominantes se saem vitoriosas quando conseguem induzir massas significativas a se limitarem a disputar valores de cunho moral, familiar ou religioso, mantendo inquestionáveis as injustiças sociais. E seu êxito se vê facilitado por nosso abandono de travar a luta também em relação com tais aspectos. Por isso, vamos ser capazes de derrotar as pretensões dos opressores à medida em que avancemos no trabalho de esclarecer que todos os grandes problemas morais, familiares e religiosos estão inseparavelmente vinculados com a enorme desigualdade imperante em nosso sistema social.

Se tivermos a coragem e a disposição que o momento requer, estaremos aptos a convencer a boa parte da gente humilde que ainda apoia o famigerado clã bolsonarista de que o bolsonarismo é exatamente o oposto de tudo o que pode ser entendido como respeitador e defensor da moral, da família e do cristianismo de Jesus. Para isso, é preciso fazer os enlaces necessários entre esses aspectos e a base social que temos.

É impossível aceitar que não podemos desmascarar aqueles que descaradamente roubam bilhões, privam os mais humildes de atendimentos básicos para sua sobrevivência, sonegam o máximo possível dos impostos devidos e deixam o peso da manutenção da estrutura do Estado nas costas do povo. E para isso, não precisamos lançar mão de nenhuma mentira, basta atermo-nos aos fatos reais, expor a roubalheira multibilionária de adeptos do bolsonarismo, e deixar patente que esta desigualdade é o principal fator gerador do desvirtuamento moral de nossa sociedade.

No tocante à família, a questão me parece ainda menos difícil de elucidar, posto que é bastante compreensível que a miséria e a carência servem como potencializadores do rompimento dos laços familiares. Assim, os que querem de verdade manter unida a família devem, em primeiro lugar, lutar para que cada lar disponha dos recursos necessários para criar e educar dignamente suas crianças. Para tal, é imprescindível que haja salários justos e proteção laboral, para evitar que pais não consigam proporcionar aos seus filhos o mínimo requerido para uma formação conforme com a dignidade humana.

Em relação com a religião, temos um instrumento demolidor para destruir e arrasar toda a argumentação do charlatanismo religioso do bolsonarismo: o legado de vida de Jesus. É confrontando os ensinamentos de vida de Jesus expostos nos Evangelhos com a hipocrisia de pastores e padres bolsonaristas que não deixaremos ficar pedra sobre pedra do trabalho diabólico daqueles que se apropriam do nome de Jesus para defender aquilo que durante sua vida ele tenazmente combateu. Em outras palavras, temos plenas condições de demonstrar que, quanto mais afinada com o bolsonarismo uma igreja estiver, mais associada às prédicas do diabo ela será; e, ao contrário, quanto mais afastada dessa ideologia maligna, mais possibilidade terá de seguir de verdade as trilhas indicadas por Jesus.

Em síntese, nossa preocupação não deve estar concentrada em atrair para o campo da decência humanista os que estão potencialmente entrelaçados com as injustiças inerentes ao bolsonarismo. É claro que se algum banqueiro, explorador do agronegócio, rentista, etc., quiser passar-se para nosso lado, ninguém daqui deveria fazer objeção. Mas, isto terá de ser, essencialmente, uma iniciativa do próprio interessado. De nossa parte, nosso objetivo explícito deve estar dirigido a sensibilizar àqueles que, em função da máquina de desinformação do grande capital, estão girando em torno da órbita do bolsonarismo, apesar de terem tudo a ver com o povo do qual fazem parte.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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