Regulamentação do streaming: Governo contraria o audiovisual para preservar distensão com Trump
Regulamentar o streaming (ou VOD – Video On Demand) não é uma questão tributária. É uma questão de soberania
Na terça-feira (16), o relator do projeto que regulamenta o streaming no Brasil, senador Eduardo Gomes (PL-TO), deve apresentar seu parecer, o que possibilitará a votação ainda esta semana. Neste momento, a matéria divide o governo e os criadores do audiovisual, que consideram o texto já votado pela Câmara e a posição governamental muito tímidos, para não dizer entreguistas.
Regulamentar o streaming (ou VOD – Video On Demand) não é uma questão tributária. É uma questão de soberania.
Nos últimos dias, houve inclusive uma treta digital envolvendo o ator Wagner Moura, que lançou um vídeo crítico ao projeto, considerando-o muito ruim e bizarro, especialmente pela alíquota de apenas 4% de Condecine a ser cobrada de plataformas como Netflix, Amazon Prime, Disney+ e outras. Estes recursos serão destinados ao FSA, Fundo Setorial do Audiovisual, para apoiar a produção independente brasileira, inclusive uma linha de produções para a TV Pública. Wagner pediu que o Ministério da Cultura e o presidente Lula se envolvessem mais no debate do assunto. Lavigne, por sua vez, criticou a manifestação do ator, que considerou injusta para com a ministra da Cultura, Margareth Menezes. Uma constelação de produtores e criadores do setor somou-se a Wagner.
Brigas de estrelas à parte, a regulamentação do streaming acabou sendo afetada também por uma questão de política externa: o Palácio do Planalto não quer uma regulamentação mais ousada (e nacionalista) para preservar a boa relação entre Trump e Lula. Quem tem vocalizado a posição do Governo é o líder no Congresso, Randolfe Rodrigues, para quem, neste momento, o imposto possível a cobrar é o de apenas 4%.
As questões centrais na regulamentação são a cobrança de uma contribuição, o Condecine, para o financiamento do audiovisual nacional, a definição de cotas de conteúdo brasileiro e a forma de fiscalização dessas plataformas. Afinal, estas plataformas, que exibem majoritariamente conteúdos estrangeiros, competem diretamente com a TV aberta e por assinatura, setores que já estão sujeitos a regras específicas e a obrigações de investimento em produção nacional. Para esse grupo, a ausência de normas para o VOD cria uma assimetria regulatória que prejudica o audiovisual brasileiro.
Os representantes das plataformas e os parlamentares com eles alinhados alertam para o risco de encarecimento dos serviços para o consumidor final e de redução de investimentos no país, caso as exigências sejam consideradas excessivas. O parecer de Eduardo Gomes é aguardado justamente por indicar como essas tensões serão equacionadas no relatório. Dependendo do conteúdo apresentado, o texto pode aproximar posições ou aprofundar divergências entre governo, Congresso e mercado.
O projeto já votado pelos deputados fixa em até 4% a cobrança de Condecine sobre a receita bruta anual das plataformas que faturam mais de R$ 350 milhões no Brasil e a possibilidade de dedução de até 60% desse valor, se ele for reinvestido em conteúdo brasileiro (independente ou nacional). E ainda fixa regra específica para plataformas de conteúdo considerado user-generated (gerado pelo usuário, como no YouTube), com uma alíquota menor de 0,8%.
Wagner Moura criticou principalmente a alíquota de 4%, que considerou irrisória, lembrando que a maioria dos países cobra 5% e até mais. A França, 20%. O governo, entretanto, vem admitindo até mesmo a redução do Condecine para 3%, para não melindrar as grandes plataformas americanas, que contam com apoio de Trump.
Outro ponto criticado é a possível dedução de até 60% do imposto a pagar, caso o valor seja investido na produção de conteúdos nacionais. Aparentemente, isso ajuda a fomentar o setor, mas o projeto é omisso sobre questões como o direito autoral e a distribuição das obras decorrentes deste investimento.
Líderes, produtores e criadores do audiovisual estão criticando também a porcentagem de conteúdo nacional que as operadoras de streaming devem exibir. Embora a maioria dos países exija 30%, o Brasil está querendo aprovar a exigência de apenas 10%.
As grandes produtoras nacionais, de olho nas contratações que podem ser feitas pelas plataformas com o investimento de 60% do tributo e a exigência de conteúdo nacional, são favoráveis à proposta. As produtoras pequenas e independentes defendem uma regulamentação mais severa e altiva, que, infelizmente, o governo não parece disposto a apoiar.
Um país culturalmente soberano de fato deveria cobrar 12% de Condecine, impor 20% de cota para a produção nacional, permitir que apenas 30% do valor sejam controlados pelos operadores de VOD, ficando 70% para o FSA aplicar na produção independente, inclusive na linha para a TV Pública. Mas parece que, neste momento, seria sonhar muito.
Sonhando menos, o Senado devia, pelo menos, subir o Condecine para 5% e deixar que as plataformas direcionem apenas 50% do imposto a pagar para produções nacionais, ainda que para isso o projeto tenha que voltar à Câmara. Depois de tanto atraso, compensaria esperar mais dois meses por uma lei melhor.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




