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Daniel Samam

Daniel Samam é Músico, Educador e Editor do Blog de Canhota. Está Coordenador do Núcleo Celso Furtado (PT-RJ), está membro do Instituto Casa Grande (ICG) e está membro do Coletivo Nacional de Cultura do Partido dos Trabalhadores (PT).

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Sem anistia: Por que o Brasil não pode repetir os erros do passado

A história nos ensina que democracias morrem quando param de se defender

São Paulo (SP), 07/09/2025 - Ato em defesa da soberania e contra a anistia aos golpistas, na Praça da República (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

A história do Brasil republicano é marcada por um padrão perigoso que se repete há mais de um século: militares tentam golpes, não são punidos e voltam a conspirar contra a democracia. Desde 1889, quando o Tenente Augusto Tasso Fragoso e o Capitão Hermes da Fonseca derrubaram o governo imperial, até a tentativa de golpe de 2022 liderada por Jair Bolsonaro, a impunidade tem sido a regra, não a exceção. E hoje, mais uma vez, assistimos ao mesmo filme: políticos da direita defendem anistia para golpistas, ignorando as lições que a história nos ensina.

O padrão é sempre o mesmo. Eduardo Gomes participou da Revolta dos 18 do Forte em 1922, foi preso, conseguiu habeas corpus e "desapareceu". Voltou a tentar golpe em 1924, sumiu novamente, e depois participou com sucesso da Revolução de 1930. Quem estava entre os conspiradores que tentaram derrubar Getúlio Vargas em 1954? O mesmo Eduardo Gomes, agora Brigadeiro. Augusto Tasso Fragoso, que participou do golpe de 1889, voltou em 1930 para derrubar Washington Luís, entrando no gabinete presidencial "armado, com um revólver na mão". Olímpio Mourão Filho inventou o falso Plano Cohen em 1937 para justificar o Estado Novo, não foi punido, e em 1964 foi ele quem "botou tanques nas ruas para derrubar João Goulart". Arthur da Costa e Silva participou de golpes em 1922, 1930 e 1964 - e em 1966 virou ditador.

A mensagem é clara: quem tenta golpe e não é punido sempre volta. O preço da anistia hoje é um golpe de sucesso amanhã. Não é coincidência que o Brasil tenha vivido 21 anos de ditadura militar, pois foi o resultado direto de décadas de impunidade para golpistas. Cada anistia concedida, cada "virada de página" sem responsabilização, deu sobrevida aos inimigos da democracia e os encorajou a tentar novamente.

Hoje, diante das evidências robustas da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de 2022, com depoimentos de generais, mensagens e documentos que comprovam a articulação golpista, alguns políticos da direita brasileira voltam a defender a velha receita da impunidade. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e postulante a candidato à presidência em 2026, prometeu conceder indulto a Bolsonaro caso seja eleito. É uma promessa que revela não apenas oportunismo político, mas uma perigosa ignorância sobre as consequências históricas da anistia para golpistas.

A defesa da anistia por Tarcísio não é apenas um erro estratégico, é uma traição aos princípios democráticos. Perdoar quem atentou contra a democracia é enviar uma mensagem clara de que golpes são toleráveis, desde que fracassem. É dizer aos futuros golpistas que vale a pena tentar, porque no máximo receberão um tapinha na mão. É transformar a tentativa de destruição do Estado Democrático de Direito em mera divergência política, passível de perdão e esquecimento.

Mas a promessa de anistia de Tarcísio revela também a crise profunda que a direita brasileira enfrenta. Ele precisa do apoio de Bolsonaro para unificar a direita e ter chances reais de vitória em 2026. Sem a base bolsonarista, Tarcísio não consegue consolidar uma candidatura competitiva. É um dilema que expõe as contradições internas do campo conservador: para eleger deputados, é preciso radicalizar nas redes sociais; para vencer a presidência, é preciso moderar e apelar ao centro.

Essa contradição está no coração da estratégia da direita brasileira e pode ser sua própria ruína. As redes sociais, que elegem deputados radicais, não refletem a opinião pública geral, que é medida por pesquisas e elege o presidente. A maioria da população brasileira é contra a anistia para golpistas, mas Tarcísio aposta todas as fichas no radicalismo para manter sua base. É uma estratégia míope que pode se voltar contra ele nas eleições de 2026.

O jogo político da direita envolve ainda outros atores com interesses conflitantes. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, precisa dos candidatos radicais para manter o poder e o financiamento do partido. Bolsonaro busca evitar a prisão e manter o poder em sua família. O Centrão, embora precise dos bolsonaristas, prefere um ambiente político calmo para conduzir seus negócios. Essa teia de interesses interdependentes cria tensões constantes e pode levar à fragmentação da direita.

Paradoxalmente, o melhor cenário para a democracia brasileira seria exatamente uma direita dividida. Uma direita fragmentada não consegue articular golpes nem ameaçar as instituições democráticas. A radicalização necessária para manter a base bolsonarista pode afastar o centro, tornando impossível uma vitória presidencial para candidatos que defendem a anistia.

A democracia brasileira custou muito para ser conquistada. Foram décadas de luta contra a ditadura militar, mortes, torturas, exílios e sofrimento. Não podemos permitir que a impunidade se torne novamente a regra em nosso país. A anistia para golpistas não é generosidade, é traição. É escolher o lado dos inimigos da democracia contra as instituições que tanto custaram para serem construídas.

A história nos ensina que democracias morrem quando param de se defender. O Brasil tem a chance de quebrar o ciclo vicioso da impunidade que marca nossa história republicana. Punir os responsáveis pela tentativa de golpe de 2022 não é vingança, é a única forma de garantir que a democracia brasileira sobreviva e se fortaleça para as próximas gerações. Quem defende anistia para golpistas está, na verdade, defendendo futuros golpes.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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