Teerã à beira do colapso hídrico. Ele expõe a falência de um modelo
Crise na capital iraniana é a confirmação de um desastre anunciado
A capital iraniana, Teerã, está hoje no centro de um dos alertas ambientais mais graves do século 21: o risco real e iminente de uma falência hídrica total. Não se trata de exagero retórico nem de ficção distópica. É o resultado de décadas de má gestão, expansão urbana descontrolada, exploração predatória dos recursos naturais e um clima em rápida transformação. A cidade de quase nove milhões de habitantes vê, dia após dia, reservatórios agonizantes, chuvas escassas e uma demanda que já não pode ser atendida pelos sistemas tradicionais de abastecimento.
Enquanto os números despencam nos gráficos e a água desaparece - os principais reservatórios que abastecem Teerã estão com níveis extremamente baixos - alguns estão com menos de 8–10% da capacidade, multiplicam-se relatos de cortes, racionamentos severos e pressão d'água insuficiente. Em bairros inteiros, a ideia de “torneiras secas” deixou de ser metáfora para se tornar uma possibilidade concreta. Autoridades admitem, pela primeira vez, que a capital pode enfrentar cenários de “Dia Zero” - aquele momento em que o sistema colapsa por completo. Medidas emergenciais são anunciadas com atraso, quando a lógica deveria ter sido a da prevenção, não a da corrida desesperada.
O retrato que emerge é o de uma metrópole que cresceu sem respeitar seus limites ecológicos. O Irã investiu pesadamente em agricultura irrigada e infraestrutura hidráulica durante décadas, extraindo de aquíferos e rios muito mais do que eles podiam oferecer. Teerã tornou-se dependente de barragens vulneráveis ao regime de chuvas - justamente o elemento que mais vem sendo alterado pelo aquecimento global. Não há surpresa no desfecho; há apenas a confirmação de um desastre anunciado.
Mas seria um erro olhar para Teerã como uma exceção distante ou como um problema exclusivamente iraniano. A crise hídrica que a envolve tem as marcas universais da nossa época: urbanização acelerada, clima em colapso, má governança e consumo insustentável. Cidades do Oriente Médio, do Norte da África, da América Latina e até da Europa Mediterrânea já observam fenômenos semelhantes. O caso iraniano funciona como um espelho e um aviso. São Paulo, a maior cidade do “país da água”, o Brasil, já passou várias vezes por situações análogas. Agora mesmo, se não chover logo – e muito – os paulistanos vão ter de enfrentar racionamentos severos. Sem falar do sabor desagradável de barro que a água que sai da torneira adquire nesses momentos.
A política - interna e internacional - precisa admitir que água será, cada vez mais, um fator de estabilidade ou de convulsão. A escassez não afeta apenas a saúde e a segurança alimentar; corrói a confiança, multiplica tensões sociais e pressiona governos já fragilizados. Há poucos bens tão essenciais e tão politicamente explosivos quanto a água.
O comentário que se impõe, portanto, não é apenas sobre Teerã, mas sobre o mundo que seguimos construindo: um mundo que vive como se suas fontes fossem infinitas, mesmo quando elas gritam o contrário. O colapso hídrico iraniano, que hoje assombra uma grande capital, antecipa um futuro que muitos países ainda insistem em não enxergar.
A tragédia de Teerã não pode e não deve ser naturalizada - ou seja, jogar a responsabilidade nos fatores naturais. Se não servir de alerta global, outras metrópoles caminharão pelo mesmo desfiladeiro - e talvez sem retorno. O tempo de evitar o colapso não se mede mais em décadas; mede-se em anos, ou meses. A pergunta que resta é simples e perturbadora: o mundo está disposto a ouvir antes que suas próprias torneiras também sequem?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




