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Chico Teixeira

Historiador e professor titular da UFRJ

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Ucrânia: é o fim da guerra?

Em Moscou, havia um plano. Não era só território, era espaço. Não era só uma guerra de desgaste. Moscou negou-se a lutar a guerra planejada em Bruxelas

Força de Defesa no conflito entre Rússia e Ucrânia (Foto: Sputnik / Ministério da Defesa da Rússia)

A OTAN planejava, desde fevereiro de 2022, uma longa guerra terrestre de desgaste na Ucrânia contra a Federação Russa. Seria uma típica guerra por procuração, proxy war, visando a superação da crescente irrelevância europeia – como, por sinal, registrado na nova “Estratégia de Defesa dos Estados Unidos”, como publicado em novembro de 2025. No entanto, apesar de todas as dificuldades – sanções, boicotes, bloqueios e pacotes sobre pacotes de recursos, armas, sistemas complexos defensivos e ofensivos colocados à disposição de Kiev – a Rússia manteve-se firme e sistemática na condução da guerra. O primeiro resultado dos bloqueios e boicotes, exigidos pela União Europeia e a OTAN, foi um aprofundamento da atual revolução diplomática na Ordem Mundial. Moscou aprofundou seus laços com a Índia, com Vietnã, Turquia – um membro da OTAN que compra sistemas complexos SS-400 dos russos -, e apoia a ampliação dos Brics+, incluindo uma política de charme sobre o Brasil – e uma forte e esperado bloco antiocidental com a China Popular. Índia e China, as maiores economias do mundo emergente e imensos espaços territoriais e demográficos compensam, e bem, a ausência dos antigos laços com a Europa. A ampliação dos Brics, com o Irã, Egito, Indonésias, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, no período 2024-2025, passa a assustar a própria diplomacia americana, que entende que o futuro dos petrodólares, elemento central do financiamento do déficit público, insustentável, dos Estados Unidos estão, agora, em risco.

A entrada da Venezuela, Colômbia e Angola nos Brics acelera a reunião, num ambiente contratual único, os maiores produtores de petróleo do mundo, com forte impacto sobre o “Sistema dólar”, sob o risco uma parcela de cerca de 2.1 trilhões de dólares gerados pelo mercado de gás e petróleo escape aos bancos americanos, a manutenção de forte lastro para as letras do Tesouro Norte-americano e, assim, uma garantia para a própria hegemonia do dólar. 

Enquanto isso, a União Europeia roça o crescimento zero, com o aumento do desemprego e ameaças à estabilidade institucional no âmbito da União. Na Alemanha o desemprego ultrapassa os 3 milhões de trabalhadores e na União Europeia atinge 6.4% da população ativa, custando aos países da Zona do Euro cerca de U$1,8 trilhões. Enquanto isso, o volume do BRICs+ alcança cerca de 42% do PIB mundial, dominantemente fora do eixo norte-Atlântico e das áreas do dólar e do euro.

Assim, a Rússia inverteu a equação. Os europeus, à frente o Foreign Office em Londres e a Administração Biden, em Washington, buscavam fazer da Ucrania 2025 um Afeganistão 1979, fase 2. A Guerra, quase exclusivamente aeroterrestre, do Afeganistão, entre 1979 e 1989, teria drenado os recursos do Estado, levando a URSS ao colapso entre 1989 e 1991 - hipótese explicativa simplista e militarista seriamente discutível. Bruxelas, Londres e Washington queriam repetir o modelo do passado, um passado praticamente pré-cibernético e ainda sem a mobilização da IA e a alta cibernética para a guerra “Just in time”, monitorada e travada em “salas de guerra” eletrônicas. Validava-se, assim, o clichê sempre repetido por especialistas em polemologia: os militares sempre planejam a guerra passada. 

Ao menos aqueles que não leem Zu Tzu. 

A OTAN planejou uma vasta e intensa guerra de desgaste, com eventuais contra-ataques baseado em artilharia e supremacia aérea, com um uso, inicial, preciso e inédito de drones navais, de superfície e de profundidade. Por um momento a posição russa no Mar Negro, essencial desde os tempos de Catarina II, a Grande – 1762-1796, quando os russos fundam a cidade-porto de Odessa – parecia entrar em declínio.  No entanto, as operações russas vistas como mero desvio de atenção da área central de interesse de Moscou – as Republicas de Donetsk e Lugansk – se dirigiam contra  as cidades/portos de Pivdennyi, perto de Odesa, também um hub de grande relevância para exportação de produtos agrícolas e minerais; Chornomorsk, porto de contêineres e granéis, facilitando o comércio de cereais da Ucrania pelo Mar Negro e daí para os centros consumidores no Oriente Médio e África; Mykolayiv, famoso por sua indústria naval e exportação de metais, sendo um centro estratégico das exportações ucranianas e a queda de Mariupol, que embora tecnicamente no Mar de Azov, um mar ancilar do Mar Negro, era, então, um porto fundamental para exportação de aço e grãos, com ancoradouros profundo.

Assim, passando ao controle da produção de novos VANTs – veículos aéreos não-tripulados – seja terra-ar, ar-ar, ar-mar e mar-mar – e recorrendo a um sistemático bloqueio das exportações de Kiev – Moscou atinge cerca de 50% do PIB ucraniano bloqueando o Mar Negro, em especial as exportações de cereais, que correspondiam, antes da guerra, por 74% do total das exportações do país.

Os russos, por sua vez, utilizaram-se de praticamente tudo: de granadas terrestres até mísseis balísticos intercontinentais, de munição convencional.  Enquanto isso a "kessel strategic” - com os avanços simultâneos de flancos a fechar como pinças sobre o inimigo nos bolsões - ou “Kessel” ou “kotol”, caldeirão. Chegou-se, pois, à ocupação de 25% do território do Estado ucraniano, pós-1991, pelos russos. Travou-se uma guerra difícil para os russos: não podiam usar todos os meios em todos os espaços em todo o tempo. Afinal, tratava-se de uma guerra de “libertação” do próprio território russo, cuja população e os seus bens não poderiam ser destruídos no estilo que o Governo Netanyahu na Palestina.  

Mas, em Moscou, havia um plano. Não era só território, era espaço.  Não era só uma guerra terrestre de desgaste. Moscou negou-se a lutar a guerra planejada em Bruxelas.  Aos poucos, de batalha em batalha, vistas no Ocidente como prova do "desgaste" russo (+sanções, bloqueios e boicotes), Moscou pôs em prática um plano de demolição do próprio Estado de Kiev, destruindo suas bases de sustentação e de capacidade de operar. Neste dezembro, 2025, após a ameaça de paralisação de Odessa – e seus portos ao sul do oblast -, os russos voltam a ter o controle do Mar Negro. É possível que a batalha final da guerra entre Ucrânia e Rússia seja a impensada, em Bruxelas, a "Batalha do Mar Negro".

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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