Vitórias e desafios da presidência brasileira do BRICS e do BRICS Popular
A gestão brasileira concentrou esforços em ampliar o papel do grupo como fórum de cooperação política e econômica entre países emergentes e em desenvolvimento
Por José Reinaldo Carvalho - A presidência brasileira rotativa do BRICS em 2025 termina oficialmente em 31 de dezembro de 2025, quando se encerra o mandato anual do país no comando do bloco.
O Brasil assumiu a presidência do BRICS em 1º de janeiro de 2025 com o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.
Ao longo do ano, a gestão brasileira concentrou esforços em ampliar o papel do grupo como fórum de cooperação política e econômica entre países emergentes e em desenvolvimento — especialmente após a expansão do bloco, que passou a incluir novos membros além dos originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
A agenda do Brasil no BRICS contemplou diversas prioridades, como a promoção de mecanismos de cooperação econômica; o desenvolvimento de meios de pagamento que reduzam a dependência do dólar; a realização de debates sobre governança inclusiva da inteligência artificial; o financiamento climático e conexões com a agenda da COP30 e o fortalecimento institucional e integração dos novos países do grupo.
O ponto alto da agenda brasileira na área internacional foi a realização com êxito da 17ª Cúpula do BRICS, nos dias 6 e 7 de julho de 2025 no Rio de Janeiro.
A presidência brasileira do BRICS em 2025 teve méritos importantes, especialmente ao conduzir um bloco em expansão e ressaltar a importância do Sul Global em fóruns multilaterais. A tentativa de articular temas como governança global, cooperação climática e inovação tecnológica esteve alinhada aos interesses de países emergentes.
A maior debilidade da presidência brasileira foi a persistência em um erro diplomático, revelador de uma desorientação de política externa: a recusa a convidar a Venezuela à Cúpula. Queiram ou não o Itamaraty e o Palácio do Planalto, o país bolivariano é um dos mais relevantes das Américas e potencialmente um dos mais relevantes aliados do Brasil. Foi uma lamentável repetição do veto exercido pelo Brasil durante a Cúpula de Kazan, com o que se desperdiçou uma vez mais a oportunidade de fortalecer o BRICS com o ingresso de mais um país da Celac. A postura brasileira resulta de um grave erro político - o não reconhecimento da vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 2024 e a decisão de esfriar as relações com o país vizinho.
Com o final da presidência rotativa brasileira, encerrou-se também a coordenação dos movimentos sociais brasileiros do ciclo do BRICS Civil, aqui rebatizado como BRICS Popular.
A ação do BRICS Popular sinalizou que o grupo só cumprirá plenamente sua missão histórica quando caminhar lado a lado com os povos. O Brics Popular é o elo que fortalece e dá sentido às agendas nacionais e internacionais dos governos do bloco, pois é aqui que estão as raízes vivas, a seiva que alimenta o espírito anti-hegemônico, cooperativo e profundamente solidário que originou este projeto.
Ao mesmo tempo em que é necessário ampliar a cooperação econômica, tecnológica e política, firma-se a convicção de que nada disso prospera sem incluir os trabalhadores, os movimentos sociais, os povos originários, as juventudes, e todas as vozes que constroem diariamente a realidade do Sul Global. É desse diálogo que nasce a força moral e política capaz de forjar uma nova governança global, mais justa, mais equilibrada e voltada para a convivência pacífica entre as nações.
Vivemos um momento histórico que não admite retorno: a multipolaridade já é uma realidade incontornável. O sistema internacional está em transformação acelerada, e os povos do mundo exigem novas formas de cooperação, novos centros de decisão, novas arquiteturas financeiras e novas ferramentas de desenvolvimento compartilhado. Mas é fundamental reconhecer que essa multipolaridade só estará completa — e só será realmente capaz de promover a paz duradoura — quando os povos forem protagonistas, quando as sociedades civis ocuparem seu lugar natural como guardiãs de um futuro comum, equilibrado e solidário.
Por isso o BRICS Popular é tão essencial. Ele não é um apêndice; é um componente orgânico. Ele traduz em prática o que defendemos há décadas: que a democracia internacional deve crescer de baixo para cima, com participação popular e com respeito à pluralidade de culturas, experiências e visões de mundo.
Assim, ao fortalecer a participação dos povos, o BRICS reafirma seu compromisso com uma ordem internacional baseada na cooperação, no diálogo e no desenvolvimento conjunto — valores que desafiam as lógicas unilaterais e de confronto que tantas vezes alimentam conflitos e desigualdades.
Nesse caminho, o papel do Sul Global é decisivo. Nossas regiões carregam as cicatrizes do colonialismo e do subdesenvolvimento imposto, mas carregam também a criatividade, a resiliência e as soluções que inspiram um mundo novo. O BRICS é hoje um dos principais instrumentos para que o Sul Global fale por si, defina suas prioridades e se apresente ao mundo como ator soberano e imprescindível.
É nesse sentido que ecoamos as palavras do presidente Lula, que em tantos momentos nos lembrou que a solidariedade e a paz são caminhos inseparáveis. Em uma de suas falas emblemáticas, ele afirmou: “O mundo não pode ser governado por poucos. Precisamos de mais vozes, mais participação e mais solidariedade para construir a paz.” Essa mensagem sintetiza não apenas um diagnóstico, mas um chamado à ação — e esse chamado encontra sua resposta nesta Assembleia.
Da mesma forma, recordamos a visão expressa pelo presidente Xi Jinping ao defender uma transformação profunda das estruturas internacionais. Em suas palavras: “Devemos construir uma comunidade global com um futuro compartilhado para a humanidade, baseada na equidade, na justiça e na cooperação.” Essa frase expressa, de maneira clara, a essência da nova governança global que buscamos: uma arquitetura que substitua a competição pela complementaridade, que rejeite a dominação e abrace o respeito mútuo, que abandone a lógica de vencedores e vencidos e a substitua pela fraternidade entre os povos.
O projeto de uma nova governança global não é retórico. Ele está em plena construção — em bancos de desenvolvimento que priorizam infraestrutura social, em acordos para ampliar o comércio em moedas nacionais, em pactos ambientais baseados na responsabilidade comum, e, sobretudo, no compromisso de colocar o ser humano no centro das políticas internacionais.
Mas nenhuma dessas iniciativas se sustenta sem a participação ativa das sociedades. É por isso que o BRICS Popular tem um significado tão profundo. Ele mostra que a cooperação internacional deve ser moldada pelo olhar dos povos, por suas necessidades e esperanças, por sua busca legítima por dignidade e paz.
A paz, afinal, não é apenas a ausência de guerras. A paz é a presença de justiça social. É o acesso a direitos. É o enfrentamento das desigualdades. É o respeito entre nações e culturas. É o direito à autodeterminação. E é também a convicção de que nenhum país deve ser submetido a bloqueios, chantagens ou imposições externas que ferem sua soberania.
Reafirmar o compromisso com o BRICS Popular e com o Movimento pela Paz significa também, reafirmar que a multipolaridade verdadeira depende da mobilização popular. Os povos são o motor histórico das grandes transformações. São eles que mantêm viva a chama de um futuro onde a cooperação substitua a confrontação, onde o diálogo se imponha ao autoritarismo, onde a solidariedade triunfe sobre o individualismo.
Que o BRICS Popular se torne, portanto, um marco. Que fortaleça a voz comum dos povos. Que ele estimule novos laços entre movimentos sociais dos países do grupo. Que inspire ações concretas nos territórios, nas comunidades, nas escolas, nos sindicatos, nos coletivos de juventude, nas redes culturais e em todas as frentes da vida social.
O mundo observa o BRICS com expectativa, que precisa ser respondida com ousadia, com generosidade e com protagonismo popular. A nova governança global, pela qual tantos lutam e sonham, não será entregue de cima para baixo: ela será construída coletivamente, passo a passo pelos povos e suas organizações políticas e sociais.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



