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A esquerda precisa enfrentar a extrema-direita na Amazônia, diz Luciana Oliveira

Jornalista descreve avanço do bolsonarismo no Norte, denuncia ataque da extrema-direita à agenda climática e defende que campo progressista faça a disputa

Luciana Oliveira, na cobertura da COP30 (Foto: Divulgação)

247 – A jornalista amazônida Luciana Oliveira, correspondente da TV 247 na COP 30 em Belém, fez um balanço contundente da conferência do clima e da situação política na Amazônia, com críticas duras à extrema direita e à ofensiva contra a agenda ambiental. As declarações foram dadas em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, no programa Brasil Sustentável, veiculado no canal da TV 247 no YouTube.

Ao relembrar os 20 dias de cobertura em Belém, Luciana destacou o peso simbólico de levar o principal encontro climático do mundo para o coração da floresta e afirmou que a conferência marcou um ponto de inflexão. Segundo ela, existe “uma Belém antes e depois da COP 30” e a decisão do presidente Lula de levar o evento para a Amazônia foi decisiva:

 “A COP 30 em Belém, como eu disse em todas as minhas entradas ao vivo, ela foi única. Ela foi única, jamais será reproduzida. Presidente Lula acertou em cheio em trazer para Belém, pro coração da Amazônia, esse debate sobre a crise climática.”

Experiência na COP 30: “foi na raça, sozinha, com um celular e uma mochila”

Luciana relata que chegou à COP 30 com a mesma estrutura com que atua nos territórios amazônicos: um celular, um notebook, um mini drone e poucos equipamentos, tudo numa mochila, enfrentando equipes de grandes veículos com dezenas de profissionais.

 “Eu cheguei na COP 30 sozinha, com uma mochila com mini drone, um notebook e um celular e um tripé e todos os equipamentos... E eu estava no meio daquele povo todo, algumas equipes com 20, 30 profissionais ao mesmo tempo em estúdios enormes.”

Ela lembra o esforço físico e emocional do trabalho, caminhando de 12 a 15 quilômetros por dia dentro da área do evento.

 “Foi na raça. Foi na raça. Não tinha ninguém me ajudando com produção lá. Eu tinha que concentrar em tudo: em gravar, em apurar a informação, que era uma coisa bem complexa.”

Além da cobertura, a jornalista reforça que seu trabalho está ligado à formação de comunicadores populares na Amazônia, usando o celular como ferramenta de denúncia e defesa de direitos:

 “Eu sou uma facilitadora de oficinas de comunicação popular e para o uso do celular na defesa dos direitos humanos, na divulgação de denúncias e também para mostrar coisas bonitas aqui da nossa porção da Amazônia.”

Belém transformada e o legado da conferência: turismo, cultura e orgulho amazônico

Para Luciana, a COP 30 deixou um legado estruturante para Belém, tanto na infraestrutura quanto na autoestima da população local.

 “Existe uma Belém antes e depois da COP 30. Eu já tinha estado em Belém duas vezes, mas nunca vi Belém como vivi agora”

Ela descreve a revitalização de prédios históricos, novos espaços culturais e gastronômicos e o impacto sobre o turismo:

 “Belém passou por um processo de revitalização em vários dos seus monumentos históricos, prédios, que foram transformados em polos gastronômicos e culturais”

Ela lembra ainda o papel do BNDES na restauração de equipamentos culturais e aponta a projeção da cidade:

 “O BNDES chegou chegando, né? (...) Todo mundo que saiu de lá, saiu encantado. Foi isso que eu vi. Não testemunhei nenhum momento de nenhuma reação negativa nas ruas ou lá dentro da COP 30 com relação a isso. Foi, olha, sinceramente, o turismo de Belém também vai sofrer um boom.”

Pacto de Belém, justiça climática e fundos para florestas tropicais

Na análise de resultados, Luciana destaca a força política da Declaração de Belém, aprovada por 195 países, e o papel do Brasil em pautar justiça climática, desigualdade e direitos sociais na agenda global.

 “O presidente Lula, ele trouxe o Pacto de Belém, ele incluiu a saúde, a cultura, a educação, pactos específicos de Belém para saúde, educação e cultura. (...) Essa COP trouxe a questão do gênero, a questão da desigualdade, olhou as pessoas, trabalhou a pauta da adaptação climática pensando nas desigualdades.”

Ela lembra que um dos grandes destaques foi o fundo para florestas tropicais, o TFF, com bilhões de dólares destinados à proteção das florestas, com a Alemanha como principal doadora:

 “O TFF, que foi uma proposta anunciada lá pelo governo, foi uma coisa assim que é um grande resultado da COP, essa iniciativa, porque as pessoas têm que entender que isso não tava na agenda. São 30 anos discutindo as mudanças do clima e seus impactos na vida das pessoas, sem pensar em justiça climática.”

Luciana relata que, pela primeira vez, a transição energética foi discutida olhando para os trabalhadores e comunidades dependentes da cadeia fóssil:

 “É a primeira vez que se falou, que se colocou na mesa, que chamou a atenção do mundo para essa questão da transição energética com a saída dos combustíveis fósseis de um ponto de vista real.”

Frustração com fósseis, realismo econômico e o papel do Brasil

Ela reconhece que houve frustração ao não se aprovar um roteiro mais duro para abandonar carvão, gás e petróleo, mas reforça o avanço político do debate e o papel do Brasil na redução do desmatamento e na expansão das energias renováveis:

 “A frustração todo mundo sabe, né? (...) Foi quanto ao mapa do caminho, sugerido, inclusive, pressionado pelo governo Lula... o mapa do caminho para livrar o país gradativamente da dependência dos combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento. (...) O roadmap não vingou, não houve consenso.”

Ao mesmo tempo, ela adota uma visão realista sobre a transição, lembrando que os recursos dos combustíveis fósseis ainda financiam políticas sociais e a própria mudança de matriz energética:

 “Eu, Luciana, particularmente quero o fim dos combustíveis fósseis. Agora a gente tem que ser realista, né? A exploração do pré-sal, por exemplo, quantos programas sociais são sustentados com isso, né? (...) Se a gente quer fazer a transição e quer investir nas matrizes renováveis, a gente precisa de dinheiro para isso.”

Para Luciana, porém, o rumo é inevitável:

 “Esse caminho é inevitável, porque os gases mais poluentes, o que mais ameaça o planeta, os que produzem mais os efeitos, os gases do efeito estufa, estão diretamente ligados aos combustíveis fósseis e desmatamento. A hora que isso reduzir e gradativamente acabar, nós vamos tirar do planeta uma ameaça enorme.”

Participação indígena e COP 30 como marco histórico

A jornalista enfatiza que a conferência em Belém foi a COP de maior participação popular, com destaque para a presença indígena:

 “Foi a COP de maior participação popular. Nunca o povo chegou tão perto, tanta gente chegou tão perto desses ambientes de negociação. Só na zona azul 900 indígenas puderam entrar e acompanhar tudo que eu vi.”

Para ela, muitas das decisões futuras da agenda climática mundial serão rastreadas até Belém:

 “Quando a gente for ouvir os avanços ou o desencadear desses debates nas futuras conferências, a gente vai lembrar: isso foi plantado em Belém, na COP 30. Isso é o Pacto de Belém, isso é o presidente Lula.”

Sabotagem, incêndio e ódio da extrema direita à COP 30 em Belém

Luciana também comentou o princípio de incêndio ocorrido durante o evento e não descarta motivação política:

 “É impossível a gente não pensar numa sabotagem. É impossível.”

Ela lembra que a COP enfrentou resistência desde o anúncio de que seria em Belém, com campanha de desinformação contra a cidade e o governo:

 “A COP começou com o desafio de vencer a objeção. Não, não pode ser em Belém, não tem estrutura. (...) Depois, a desinformação, a fake news. Muitas mentiras, as pessoas da extrema direita chamando a COP de flop 30, dizendo que tinha flopado. E eu lá dentro vendo 40.000 pessoas circulando ali naquele espaço da zona azul.”

Na avaliação de Luciana, essa reação tem origem na incapacidade da extrema direita de construir um projeto como o protagonizado pelo governo Lula na COP 30:

 “Eu acho que a extrema direita, em primeiro lugar, considerando todas as nuances, tudo que eu poderia apontar, em primeiro lugar, salta os olhos a incapacidade que eles têm de fazer isso, de fazer o que a esquerda faz, de fazer o que o presidente Lula faz.”

Ela sintetiza assim o sentimento de revanchismo da direita radical:

 “A desinformação é o recalque. É o recalque. A COP bombou, todo mundo viu, não?”

Congresso contra o meio ambiente e efeitos na Amazônia: “estou numa região para chorar”

Na entrevista, Luciana reagiu à decisão do Congresso Nacional de derrubar vetos do presidente Lula em pontos centrais do licenciamento ambiental, num movimento interpretado como vitória do agronegócio predatório e derrota do governo na área ambiental.

 “O que fizeram hoje de derrubar os vetos do presidente Lula que tentavam preservar esses princípios do licenciamento ambiental, o controle dos órgãos federais aos empreendimentos de grande impacto ambiental... O que fizeram hoje? Eu tô assim para chorar.”

Moradora de Rondônia, ela descreve o avanço do desmatamento e da lógica do boi sobre a floresta:

 “Eu moro em Rondônia, o estado que tem mais boi, 10 vezes mais bois do que gente, é o estado com mais cabeças de gado, mais 10 por pessoa. Isso diz muito, né? O agronegócio aqui tomou conta, não da mentalidade do senso comum geral, da mentalidade geral, mas de toda a classe política, que tá toda vocacionada a isso, à exploração sem qualquer freio.”

Ela lembra decisões da Assembleia Legislativa de Rondônia, como a redução drástica de reservas extrativistas, como sintoma da captura política pelo agro e pela extrema direita:

 “Aqui no meu estado eu vi a Assembleia Legislativa aprovar por unanimidade a redução de reservas extrativistas a 20% do seu tamanho. Eu vi a Assembleia aprovar dentro do parlamento o seu grupo de trabalho da arma e do agro.”

“A região Norte deu uma extrema endireitada”

Questionada sobre a relação entre radicalização política e pauta ambiental, Luciana é direta:

 “Não, ela deu uma extrema endireitada. Uma extrema endireitada.”

Ela explica que o bolsonarismo se consolidou na região Norte apoiado na aliança “boi, bíblia e bala” e numa visão predatória de desenvolvimento:

 “Aqui houve uma infestação, né, que sequelou as pessoas. Bolsonarismo aqui correu solto. (...) Eu acho que é um grande desafio, não pra próxima eleição, mas na próxima década, reconstruir a sanidade das pessoas, porque estão entorpecidas com essa história de que boi, bíblia e bala significam tudo para a colônia.”

Ela recorda episódios simbólicos, como a nota unânime de repúdio da Assembleia Legislativa de Rondônia à visita de Lula, mesmo quando o presidente anunciava investimentos bilionários:

 “Quando o presidente Lula veio aqui em agosto entregar 1 bilhão e meio em obras, a Assembleia Legislativa fez uma nota de repúdio unânime contra a vinda dele. Então isso resume tudo. Eles estão todos comprometidos, muito mais do que com antipetismo, com a pauta que o Bolsonaro deixou.”

Ao mesmo tempo, Luciana vê sinais de mudança silenciosa, sobretudo quando as pessoas começam a sentir, na prática, o contraste entre o governo Lula e o governo Bolsonaro:

 “As pessoas podem entender finalmente no bolso, que é a parte mais sensível do ser humano, que faz diferença quem ganha até R$ 5.000 não pagar imposto de renda. Faz diferença, né? Então, todo mundo quer.”

Ela cita o caso de um vídeo sobre a visita de Lula que viralizou nas redes:

 “Eu pensei: vou perder uns 200 seguidores. Eu perdi 168 e ganhei 6.800. Isso pra mim é um termômetro muito grande.”

Enfrentar a disputa na Amazônia: comunicação popular, juventude e coragem

Luciana aponta que o enfrentamento à extrema direita na Amazônia passa, necessariamente, por disputar narrativas, formar novas lideranças e fortalecer a comunicação popular nos territórios.

 “Não tem quem faça esse enfrentamento à extrema direita e quem faça dar visibilidade aos movimentos sociais, sindicais que foram infraquexidos também no governo Bolsonaro.”

Ignorância sobre a Amazônia e estereótipos da mídia global

Na parte final da entrevista, Luciana critica o desconhecimento da sociedade brasileira sobre a Amazônia e o olhar folclórico de parte da mídia internacional:

 “O brasileiro médio conhece o que da Amazônia? Pouco ou quase nada. Conhece o que pega na IA, no chat GPT.”

Ela lembra a chegada de equipes estrangeiras durante as grandes queimadas, quando a fumaça escureceu o céu de São Paulo, e conta casos de repórteres que queriam encenar caçadas indígenas para filmar:

 “Outros falavam assim: ‘Pede pros indígenas pegarem o arco e flecha e fingir que tão caçando pra gente filmar’. Eles queriam estereótipo.”

Ao mesmo tempo, destaca o protagonismo crescente dos próprios povos indígenas na comunicação, citando coletivos e produções audiovisuais premiadas:

 “Os povos indígenas estão produzindo cinema. (...) Eles têm coletivos, brigadas de comunicação. Eu não vou fazer oficina de comunicação nos territórios indígenas, porque não precisa, eles fazem. Então eu vou onde não tem, que é território quilombola, ribeirinho.”

Na Amazônia que ela descreve — disputada pelo agronegócio, pela extrema direita, pelos defensores da floresta e pelos povos originários — comunicar, denunciar e formar novas vozes é parte central da luta. É nesse cenário que, como aponta o título, a esquerda precisa enfrentar a extrema direita na Amazônia.

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