Ary Oswaldo Mattos Filho, referência do direito empresarial e do mercado de capitais, morre aos 85 anos
Jurista atuou por cinco décadas na regulação do mercado e na formação de instituições que moldaram o direito empresarial
247 - A morte de Ary Oswaldo Mattos Filho, ocorrida em 1º de dezembro em São Paulo, aos 85 anos, encerrou a trajetória de um dos mais importantes nomes da regulação financeira e do direito empresarial no país. O jurista faleceu em decorrência de complicações pulmonares e deixa três filhos e uma extensa comunidade de ex-alunos, colegas e profissionais que o reconhecem como uma referência na história do direito brasileiro. As informações são do Brazil Stock Guide.
A atuação de Mattos Filho foi decisiva para consolidar os pilares que estruturaram os modernos mercados de capitais no Brasil. Em mais de cinco décadas de trabalho, exerceu papel fundamental em debates que moldaram normas, instituições e práticas regulatórias.
Formação acadêmica e visão institucional
Nascido na capital paulista, Mattos Filho integrou uma geração que via o serviço público e a pesquisa como motores de mudança. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, em 1965, e rapidamente se aproximou do direito empresarial, do mercado de capitais e do estudo do papel do Estado no desenvolvimento econômico.
Sua formação inclui mestrado em Direito Comercial pela USP, mestrado em Direito pela Harvard Law School, especialização em Tributação Internacional, pós-doutorado na mesma instituição e doutorado orientado por Ruy Barbosa Nogueira. A combinação entre a tradição jurídica brasileira e a visão analítica norte-americana moldou sua produção acadêmica e sua atuação institucional.
Liderança na CVM e impacto regulatório
No início dos anos 1990, período marcado por hiperinflação e reformulação institucional, Mattos Filho assumiu a presidência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). À frente do órgão, comandou debates sobre transparência, proteção ao investidor e disciplina de mercado.
Foi durante sua gestão que surgiu o “Anexo IV”, marco regulatório que permitiu a empresas brasileiras listar ações no exterior. Também integrou o Conselho Monetário Nacional, presidiu a Comissão Federal de Reforma Fiscal, atuou como juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo e participou da Comissão Federal de Privatização.
Ensino e criação da FGV Direito SP
Mesmo com intensa atuação pública, Mattos Filho nunca deixou a academia. Lecionou por mais de 50 anos e, em 2002, fundou a FGV Direito SP, a convite de Carlos Ivan Simonsen Leal. Em nota oficial, a instituição recorda uma de suas frases emblemáticas: "Brazil does not need one more law school. What we need is a law program designed to meet the country’s real legal demands — the ones traditional schools do not address."
A nova escola tornou-se rapidamente referência ao integrar Direito e Economia, estimular o uso de dados empíricos e valorizar a prática jurídica como ferramenta pedagógica. Ex-alunos lembram do rigor, do humor sutil e da generosidade com que orientava trajetórias profissionais.
Construção de instituições duradouras
Em 1992, Mattos Filho cofundou o escritório que leva seu sobrenome, ao lado de Otávio Uchôa da Veiga Filho, Pedro Luciano Marrey Jr. e Roberto Quiroga. Defendia que bancas jurídicas deveriam funcionar como instituições, e não como projetos personalistas, insistindo em modelos societários colegiados e estruturados para sobreviver aos fundadores. Essa filosofia guiou a expansão da Mattos Filho, que hoje reúne quase 150 sócios e 1.500 profissionais, posicionando-se entre as principais firmas de advocacia empresarial do país.
Pesquisador e referência intelectual
Nos últimos anos, já aposentado da advocacia, dedicou-se integralmente à pesquisa, com estudos sobre direito societário, governança corporativa, regulação não estatal e mercado de capitais. Sua série Direito dos Valores Mobiliários tornou-se obra de referência.
Colegas e alunos descrevem um homem de hábitos simples, humor discreto e forte senso de responsabilidade pública. Seu impacto segue presente nos livros que recomendava, nas disciplinas que estruturou e nas gerações que formou.



