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Julgamento sobre perda de patente por atos golpistas coloca STM à prova, diz presidente da Corte

Análise inédita envolve militares condenados por crimes contra a democracia e pode chegar ao STF

Maria Elizabeth Rocha (Foto: José Cruz/Agência Brasi)

247 - A presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Maria Elizabeth Rocha, afirmou que o julgamento dos pedidos de perda de patente de militares condenados por envolvimento na tentativa de golpe de Estado entre 2022 e 2023 representará um dos maiores testes institucionais da história da Corte. As declarações foram feitas nesta segunda-feira (15) e divulgadas originalmente pelo jornal Estado de S.Paulo.

Segundo a ministra, o STM jamais analisou casos de cassação de patentes relacionados a crimes contra a democracia, tampouco julgou a expulsão de generais condenados. O cenário torna o processo inédito e de grande impacto político e institucional, especialmente por envolver militares de alta patente e o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Atualmente, cinco dos 15 ministros que integram o STM foram indicados por Bolsonaro. Além disso, alguns magistrados da Corte conviveram profissionalmente com militares agora condenados, o que, nos bastidores, levanta discussões sobre eventuais influências no julgamento.

Parte dos ministros tende a considerar a chamada “vida pregressa” dos réus ao avaliar se eles devem ou não perder a patente. Isso significa que, mesmo reconhecendo o envolvimento na trama golpista, alguns magistrados podem votar contra a cassação do posto e da patente de nomes como o general Augusto Heleno e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, figuras que ainda gozam de prestígio nas Forças Armadas.

Dados do próprio STM indicam que, nos últimos oito anos, a Corte acolheu cerca de 93% dos pedidos feitos pelo Ministério Público Militar (MPM) para expulsar militares condenados. A maioria dos casos envolvia crimes como estelionato, peculato, corrupção passiva e estupro de vulnerável, sem precedentes relacionados a atentados à ordem democrática.

A expectativa é que os processos referentes aos militares condenados pela tentativa de golpe cheguem formalmente ao STM em 2026. O MPM deve apresentar representações individualizadas, com a designação de um relator para cada caso. Maria Elizabeth Rocha afirmou que pretende dar ampla publicidade aos procedimentos. “Eu quero que a transparência seja a marca de todas as ações que eu adotar (neste julgamento)”, declarou.

A ministra destacou ainda que o foco do STM não será reavaliar os crimes já julgados pelo STF. “Ninguém vai avaliar o crime que já foi julgado pelo STF. Vamos analisar se os militares são dignos ou não para continuar no oficialato”, afirmou.

Por tradição centenária, a presidente do STM não participa das votações, exceto em caso de empate. Se houver sete votos a favor e sete contra a perda de patente, caberá a ela o voto de desempate, que, conforme a praxe jurídica, deve ser sempre favorável ao réu.

Outro ponto considerado inédito pela presidente da Corte é a possibilidade de recursos contra as decisões do STM. As contestações podem ser apresentadas tanto pelas defesas dos militares, em caso de cassação, quanto pelo MPM, se o tribunal decidir pela manutenção das patentes.

Se isso ocorrer, os processos poderão ser encaminhados ao STF, que historicamente não admite recursos oriundos da Justiça Militar. “O Supremo nunca admitiu recurso. Eu sempre considerei, com todo respeito à Suprema Corte, um equivoco”, disse Maria Elizabeth Rocha.

Um interlocutor do ministro Alexandre de Moraes afirmou que ele deve dialogar com os demais integrantes do STF para que eventuais recursos relacionados à perda de patentes sejam aceitos. O Supremo poderá tanto rever diretamente as decisões do STM — algo incomum — quanto determinar que a Corte militar reanalise seus julgamentos.

O desfecho desses processos deve estabelecer um precedente histórico sobre a responsabilização de militares por crimes contra a democracia e o papel das Forças Armadas no regime constitucional brasileiro.

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