‘A lógica ainda é a do capital, que não resolve a crise climática’, diz Nilto Tatto
O deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Ambientalista no Congresso Nacional, comentou sobre o clima das negociações em Belém (PA)
Ana Carolina Vasconcelos e Lucas Salum, Brasil de Fato - Acompanhando o cotidiano das discussões na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climáticas (COP30), o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Ambientalista no Congresso Nacional, destaca, ao Conversa Bem Viver, como está o clima das negociações em Belém (PA).
Como aspectos positivos, ele destaca a rapidez com a qual foi definida a pauta, que normalmente é acordada apenas na segunda semana de encontro, e o discurso de abertura do presidente Lula (PT).
“No segundo dia, já se acordou a pauta. Tem alguns probleminhas, porque é muito difícil fechar os temas que vão ser objetos de acordo. Ainda há muita repercussão do discurso do presidente Lula. Essa é a minha décima COP e não tinha visto um discurso de abertura tão enfático sobre o que precisamos debater para enfrentar a crise climática”, avalia.
Sobre a ausência de Donald Trump, Tatto relembra que o principal desafio desta conferência é avançar na agenda de implementação prática dos acordos já firmados entre os países para a superação da crise climática.
“O discurso do presidente Lula está chamando atenção não só dos Estados Unidos, mas de todos os países desenvolvidos que mais emitiram gases de efeito estufa ao longo da história, que mais contribuíram com o aquecimento global que a gente está vivendo. Agora, eles precisam pagar essa conta”, afirma.
O deputado faz parte de um movimento de parlamentares de toda a América Latina e do Caribe que estão participando ativamente da COP30 e lançam, nesta quinta-feira (13), uma declaração conjunta do Observatório Parlamentar de Mudanças Climáticas e Transição, em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e a Organização Internacional do Trabalho no Brasil.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – Como está o clima de Belém e das negociações da COP30?
Nilto Tatto – A cidade está muito quente e úmida. Ainda bem que rolou uma coisa legal, desta vez, dispensaram o uso da gravata e outras vestimentas. Isso já é um bom adianto. Sobre o calor da COP, eu primeiro preciso celebrar o fato de que, no segundo dia, já se acordou a pauta.
Tem alguns probleminhas, porque é muito difícil fechar os temas que vão ser debatidos, que vão ser objetos de acordo. Não vou entrar no detalhe deles, mas, geralmente, demora uma semana e só no começo da segunda semana da COP que se acorda a pauta.
Desta vez, uma inovação é que, de certa forma, já fecharam os temas que vão ser objeto de negociação e debate. Ainda há muita repercussão do discurso do presidente Lula, sobre o qual eu preciso também dizer para vocês. Acho que essa é a minha décima COP e não tinha visto um discurso de abertura tão enfático sobre o que precisamos debater para enfrentar a crise climática.
O que significa quando uma figura como Donald Trump, que move uma montanha de dinheiro, não está presente na COP? Há como contornar essa situação e fazer com que seja uma COP efetiva, mesmo com essas ausências?
O fato de os Estados Unidos não estarem no acordo, não estarem participando dessas negociações, considerando que o que mais precisamos é avançar na agenda de implementação daquilo que foi negociado ao longo dos últimos 10 anos, merece atenção.
Entre os temas principais entra a transferência de recursos e tecnologia para os países em desenvolvimento, para eles adotarem as suas políticas internas para diminuir as emissões de gases de efeito estufa, que é a agenda de mitigação, mas também, principalmente, a agenda da adaptação.
A agenda da adaptação é importante, porque os países em desenvolvimento do Sul Global já estão sofrendo com os eventos climáticos extremos e não têm recursos para poder dar conta de acudir o seu povo, para poder fazer a sua lição de casa de diminuir as emissões.
Isso tem um impacto do ponto de vista da agenda de implementação, da agenda dos recursos, que é um dos principais temas que precisa ir para ação. Por isso, aquele discurso do presidente Lula está chamando atenção não só dos Estados Unidos, mas de todos os países desenvolvidos que mais emitiram gases de efeito estufa ao longo da história, que mais contribuíram com o aquecimento global que a gente está vivendo.
Agora, eles precisam pagar essa conta, principalmente porque os países em desenvolvimento não têm recursos para poder dar conta da responsabilidade do que precisam fazer internamente, além de acudir a população e ter a agenda da adaptação.
Por isso, a gente celebra, por exemplo, o lançamento do fundo [TFFF, o Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais], que não é o melhor caminho, mas é um fundo que vai alocar recursos para os países que têm floresta para poder preservar e garantir que uma parte desses recursos vão direto para a população que ajuda a preservar a floresta. Nós estamos falando principalmente dos povos originários e quilombolas, no caso do Brasil. Nós estamos falando da agricultura familiar.
O Fundo para Florestas Tropicais foi um grande marco logo na largada da COP. Por que temos que olhar com criticidade para essa iniciativa?
Essa iniciativa não é a ideal. Ela tem por trás a questão da mercantilização dos bens comuns, mas nós estamos falando também da necessidade de apoiar a melhoria da qualidade de vida para as populações que vivem debaixo da floresta e que a protegem. Aí ela vem com o conceito de que você precisa manter de forma estática lá.
Ela não considera o manejo que essas populações têm ao redor do mundo. A gente tem experiências aqui no Brasil. Eu, por exemplo, já trabalhei muito com povos indígenas e quilombolas, e, de repente, vem com base em uma lógica de que tem que manter intacto. Não sabem que essas populações fazem suas roças tradicionais.
Quem trabalha com esses conceitos, principalmente só da conservação, precisa entender que essas populações, há milênios, já fazem manejo de forma sustentável e de manutenção e de enriquecimento, inclusive, da biodiversidade, como fruto do próprio manejo.
É uma questão que cada país vai ter que resolver internamente, mas vai ter um recurso que vai chegar. Nós temos que fazer esse debate aqui dentro. É a mesma história da coisa do petróleo. Eu, por exemplo, gostaria que, nesse momento, todo mundo parasse de usar o petróleo. Evidentemente, é uma fonte de riqueza.
Se continuarmos explorando petróleo, nós precisamos fazer o debate para onde e como deve ser aplicado esse petróleo, na perspectiva também de diminuir as emissões de gás de efeito estufa em todas as cadeias. E, ao mesmo tempo, incluir as pessoas, incluir a população, em especial os grupos mais vulneráveis ou aqueles que ficaram sempre à margem do processo de construção da nação Brasil.
Isso vale para todo canto. Mas esse é o desafio colocado para a gente também. É por isso que esse debate na Conferência do Clima, dos instrumentos de financiamento, qualquer que seja, é um debate que a gente precisa travar, porque a lógica ainda é a lógica do capital. E não é esse o caminho que vai resolver, de fato, o enfrentamento da crise climática.
A gente trabalha com a tese de que não é possível resolver o problema da crise climática se você não colocar na mesma posição de igualdade, no mesmo patamar de importância, o enfrentamento da desigualdade, o enfrentamento da crise climática. Elas têm que caminhar juntas. O discurso do Lula coloca muito claramente isso e fazer a COP em Belém é simbólico nesse sentido.
Porque você está em uma cidade, com os seus problemas de infraestrutura, de déficit de políticas públicas para a população, que é uma cidade muito igual à maioria das cidades de toda a bacia amazônica, que não é muito diferente da maioria das cidades da América Latina, do Caribe, da África e de boa parte da Ásia.
Eu espero que a conferência traga um saldo cultural também, que é um outro fator que a gente precisa debater, olhar esse debate global a partir dessa perspectiva, dessa realidade, daquilo que Belém representa nesse debate nas COPs.
Falo isso porque as COPs geralmente acontecem em cidades mais bem estruturadas. É como se no Brasil fosse fazer em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, mas o fato de trazer para Belém sinaliza a perspectiva do Sul Global.
Além da postura dos EUA, a própria União Europeia, que tradicionalmente tinha uma postura mais firme em relação ao enfrentamento da crise climática, agora está atrasada em todos os seus compromissos e também precisa sentir o debate e valorizar esses espaços multilaterais. Fazer a COP aqui tem um simbolismo muito grande nesse aspecto também.
Como as contradições no debate ambiental aparecem na COP30? Por exemplo, o governo brasileiro avançando para explorar mais petróleo, ao mesmo tempo conseguindo barrar o desmatamento da Amazônia. Conseguimos avançar mesmo com essas dicotomias?
Sim, conseguimos, mas não avançamos na velocidade que a gente quer. A gente vive essa mesma contradição dentro do Brasil. Eu, como ambientalista, gostaria, evidentemente, que a gente tomasse uma decisão e todo mundo parasse de usar petróleo, mas, em sã consciência, a gente sabe que não é possível fazer isso.
E a gente espera, por exemplo, que nessa conferência se acorde, se avance um pouco mais em estabelecer metas de diminuição do uso da energia fóssil, tanto o petróleo quanto o carvão, dentro daquilo que é o acordo tradicional no âmbito do clima, em que quem mais contribuiu com as emissões começa em primeiro a fazer.
O debate que nós precisamos fazer aqui internamente é: se a gente vai explorar petróleo, precisamos ver onde esses recursos serão aplicados.Precisamos fazer esse debate dos subsídios internamente. A COP tem uma contradição nesse debate no plano global.
Então, nós precisamos tirar os subsídios da área que mais emite gás de efeito estufa no Brasil, que é a área desse modelo convencional da agricultura com muita química e com o modelo expansionista que avança desmatando áreas.
As corporações também estão influenciando em todos os países. Os lobbies existem em todo país e, portanto, em todos os países. E tem, evidentemente, quem negocia pelos países. Então, a mesma pressão que a gente tem aqui internamente no Brasil, isso acontece em outros lugares. E é por isso que a gente precisa enfrentar. Por isso, que eu saúdo muito o fato de o presidente Lula tomar a decisão de trazer a COP para Belém.
Porque a ECO-92, por exemplo, aconteceu no Rio de Janeiro, na época do Collor. Se a COP tivesse acontecido no Brasil quando foi o governo Bolsonaro, provavelmente não ia acontecer em Belém, ia acontecer no Rio de Janeiro, em Brasília ou em São Paulo. Precisamos celebrar que a decisão do Lula é uma decisão visionária.
Também é preciso destacar as corporações da agricultura, que não estavam tão presentes nas outras COPs, mas aqui chegaram com tudo para tentar influenciar ou para tentar construir uma narrativa de que a agricultura é sustentável. Mas a maior parte das emissões que a gente tem no Brasil hoje tem a ver com esse modelo da agricultura, seja pela química (fertilizantes, agrotóxicos), pelo modelo que tem, como também pela expansão e a necessidade desse modelo ficar expandindo cada vez mais e avançando para cima da Amazônia e do Cerrado.
O fato de acontecer a COP no Brasil, a ênfase que o Lula está dando aqui, não quer dizer que isso vai resultar no final dos acordos. O acordo é outra história, porque tem que ser construído em consenso no âmbito global. Mas o caldo cultural dessa mobilização aqui, com os movimentos, sociedade civil, os próprios discursos do presidente Lula, pode dar um caldo para, por exemplo, no ano que vem, que é um ano importante para nós no Brasil, um ano eleitoral, fazer com que esse debate também ganhe o coração e mente das pessoas e seja também decisivo do ponto de vista do voto.
Isso é importante para a gente diminuir essa loucura que a gente tem hoje no Congresso Nacional, que trabalha em uma agenda completamente ao contrário daquilo que o enfrentamento da crise climática nos pede ou nos exige.
O senhor faz parte de um movimento de parlamentares de toda a América Latina e do Caribe que estão participando ativamente da COP e vão lançar uma declaração conjunta do Observatório Parlamentar de Mudanças Climáticas e Transição. O que isso significa?
Essa já vai ser a terceira ou quarta COP que a gente divulga o documento conjunto de todos os parlamentos da América Latina e Caribe. Conseguimos construir este observatório que tem aqui no Brasil a coordenação pelo senador Jaques Wagner. Na verdade, ele é como coordenação geral e eu estou junto nessa coordenação com ele.
Em toda Conferência do Clima, a gente lança um documento que é construído com parlamentares e muita diversidade política. É um documento que avança bastante, considerando toda a diversidade do conjunto dos parlamentares da América Latina e Caribe.
Então, nós vamos lançar esse documento aqui também, mais uma vez. A ênfase está muito nessa linha de que é uma agenda de oportunidade que se coloca para os países da América Latina, mas é preciso superar. A agenda de oportunidade, eu falo pelo conjunto dos recursos que têm, biodiversidade, diversidade do seu povo, etc.
Mas essa agenda de oportunidades precisa mudar a forma de relacionamento com os países centrais economicamente. Precisa superar isso e, ao mesmo tempo, precisa ter muita cooperação. Eu estou falando de ciência, tecnologia, inovação, entre os países, valorização dos espaços multilaterais.
Não podemos pensar que as novas formas de produzir os bens e serviços, com aquilo que tem de oportunidade que se coloca para os países da América Latina, deixando para trás a grande maioria da população da América Latina.
Não dá para aproveitar uma agenda de oportunidades sem você pensar em resolver esses gargalos, porque você também não vai resolver do ponto de vista do desenvolvimento e nem do enfrentamento da crise climática, quando você não enfrenta a desigualdade, que tem a ver com inclusão.



