Câmbio ajudou a aproximar inflação da meta do Banco Central
Estudo aponta que valorização do real em 2025 reduziu pressão inflacionária e evitou estouro do teto da meta
247 - A valorização do real ao longo de 2025 teve papel decisivo para aproximar a inflação do centro da meta perseguida pelo Banco Central, ao lado da política monetária restritiva que elevou a taxa Selic a 15% no período. A combinação desses fatores contribuiu para conter os preços, sobretudo dos itens livres do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cujos valores são definidos pelo mercado.
A avaliação consta de um estudo do economista André Cordeiro, coordenador de pesquisa macroeconômica do banco Inter, publicado originalmente pelo Valor Econômico. Segundo o levantamento, caso o câmbio tivesse permanecido estável desde 31 de dezembro de 2024, em R$ 6,18 por dólar, a inflação dos itens livres em 2025 teria sido 0,44 ponto percentual maior do que a observada.
De acordo com as estimativas, em vez de acumular 4,16% em 12 meses até novembro, a inflação dos itens livres teria chegado a 4,6%, ultrapassando o teto da meta de inflação cheia, fixado em 4,5%. Ainda assim, haveria desaceleração frente aos 4,9% registrados no fim de 2024, mas o cenário seria menos favorável. “A situação em 2025 seria um pouco menos confortável”, afirma Cordeiro.
O economista ressalta que o exercício não se trata de um contrafactual completo. “Não é um contrafactual propriamente dito, porque é algo mais próximo de um equilíbrio parcial, a gente mantém o resto constante e fecha só o canal do câmbio para avaliar. Mas dá para ver que ele teria desinflado em um ritmo menor”, explica.
No caso dos bens industriais, Cordeiro reconhece que a entrada expressiva de produtos chineses a preços mais baixos tende a ter impacto maior do que o câmbio. Ainda assim, esses itens possuem peso menor no IPCA. Como os preços livres respondem por cerca de 74% do índice cheio, seu comportamento acaba exercendo influência significativa sobre a inflação geral.
“A política monetária restritiva, implementada a partir de setembro de 2024, teve papel importante, e geraria um processo de desinflação mesmo sem a ajuda do câmbio. Entretanto, ainda teríamos uma inflação acima do teto da meta, ao contrário do que se observa atualmente”, afirma. Por isso, ele define o resultado de 2025 como uma “combinação de boa política com boa sorte”, já que a valorização do real também foi favorecida pela desaceleração global do dólar.
Os movimentos cambiais recentes reforçam esse diagnóstico. Em 2024, o real acumulou desvalorização de 27,2%, contribuindo para a reacomodação inflacionária no segundo semestre. Já em 2025, a trajetória se inverteu, com apreciação de 11,5% até meados de dezembro. Para Cordeiro, o câmbio é um canal clássico de transmissão da política monetária. “Se a taxa de juros doméstica aumenta, tudo mais constante, aumenta-se o diferencial de juros em relação à taxa de juros internacional, direcionando os fluxos de dólares para a economia brasileira, levando a uma apreciação cambial”, diz.
Com a moeda mais forte, produtos importados tendem a ficar mais baratos, enquanto exportações perdem competitividade relativa, ampliando a oferta interna e reduzindo pressões sobre os preços. Esse mecanismo aparece com clareza nos itens livres do IPCA. “Esse subíndice tem elevada correlação com a variação cambial, com um coeficiente de 0,8, quando o máximo possível é um coeficiente de 1. Isso significa que, quando o real aprecia, os preços dos bens livres caem”, afirma.
Os dados de 2025 confirmam esse movimento. “Em 2024, a variação mensal mediana da inflação livre foi de 0,35%, enquanto em 2025 essa variação caiu para a metade, 0,17%”, observa o economista. Ele estima que o repasse cambial para a inflação de itens livres seja de 0,15 ponto percentual um ano após o choque. Assim, cada 1% de valorização do real reduz a inflação anualizada desses itens em 0,15 ponto percentual no período seguinte.
Cordeiro lembra que a inflação surpreendeu negativamente no início de 2025. “Após encerrar 2024 com inflação acumulada de 4,83%, a inflação piorou ao longo do primeiro trimestre atingindo o pico em abril, quando alcançou alta acumulada de 5,53% nos últimos 12 meses”, afirma. O cenário levou o Banco Central a divulgar carta aberta explicando o descumprimento do teto da meta por seis meses consecutivos, de janeiro a junho.
A partir do segundo trimestre, porém, iniciou-se um processo consistente de desinflação. “Desde então, a inflação iniciou processo de desinflação e, em novembro, o IPCA já estava dentro do teto da meta, acumulando alta de 4,46% nos últimos 12 meses, bem antes do prazo estipulado pelo Banco Central, que estimava entregar a inflação dentro dos limites da meta ao final do primeiro trimestre de 2026”, diz.
A prévia de dezembro indica que o IPCA encerrou 2025 com alta de 4,41%, abaixo dos 4,71% registrados em 2024. Foi a primeira vez desde 2020 que a inflação ficou dentro do limite de tolerância da meta. Para 2026, no entanto, Cordeiro adota postura mais cautelosa quanto ao câmbio. “Não vemos muito espaço para apreciação. Na melhor das hipóteses, a gente fica com um câmbio estável.”



