Meloni diz que é “prematuro” assinar acordo UE-Mercosul nos próximos dias
Primeira-ministra diz que salvaguardas para agricultores ainda não estão concluídas, enquanto França reforça oposição ao tratado comercial entre os blocos
247 - A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, declarou nesta quarta-feira que o país ainda não reúne as condições necessárias para assinar o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul nos próximos dias. Segundo ela, pontos considerados essenciais por Roma, especialmente medidas de proteção ao setor agrícola, permanecem em aberto, o que inviabiliza uma decisão imediata. As informações são da AFP.
Meloni destacou que o impasse não representa uma rejeição ao tratado, mas sim a necessidade de ajustes antes da assinatura formal. “Seria prematuro assinar o acordo nos próximos dias (porque algumas salvaguardas que a Itália deseja para proteger seus agricultores) ainda não foram concluídas”, afirmou a primeira-ministra, ao explicar a posição do governo.Apesar da cautela, Meloni demonstrou otimismo em relação ao avanço das negociações. “Estou muito confiante de que, no início do próximo ano, todas as condições serão atendidas”, completou, indicando a possibilidade de assinatura no começo de 2026.
Enquanto a Itália adota uma postura de espera, a França reforçou sua oposição ao tratado. O presidente francês, Emmanuel Macron, sinalizou resistência firme caso haja tentativa de aprovação forçada pelas instituições europeias. “Se houver uma tentativa por parte das instituições europeias de impô-lo, a França se oporá veementemente”, disse o presidente durante reunião de gabinete, conforme relatou a porta-voz do governo francês, Maud Bregeon.
A Comissão Europeia, com apoio da Alemanha — maior economia do bloco —, trabalha para obter o aval dos países-membros ainda neste ano. A expectativa é que o acordo seja formalmente assinado durante a cúpula de chefes de Estado do Mercosul, marcada para sábado, em Foz do Iguaçu, no Paraná. O Mercosul é composto por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Caso seja implementado, o pacto criaria a maior zona de livre comércio do mundo, ampliando as exportações europeias de veículos, máquinas, vinhos e bebidas alcoólicas para a América Latina, ao mesmo tempo em que facilitaria a entrada de produtos sul-americanos — como carne, açúcar, arroz, mel e soja — no mercado europeu.
Países como Alemanha e Espanha pressionam por uma aprovação célere, enquanto a França defende o adiamento da votação para 2026, alegando riscos ao seu setor agrícola. Em mensagem divulgada antes da reunião do Conselho Europeu, que ocorre nesta quinta e sexta-feira em Bruxelas, Meloni afirmou que a Itália tem “trabalhado intensamente com a Comissão” para atender às suas demandas.Entre as exigências italianas estão mecanismos de salvaguarda, a criação de um fundo de compensação e regras mais rigorosas relacionadas a pragas e doenças. “Todas as medidas, embora tenham sido apresentadas, não foram totalmente concluídas. Portanto, acreditamos que assinar o acordo nos próximos dias, como foi sugerido, ainda é prematuro”, reforçou a primeira-ministra.
Resistência de agricultores pressiona governos europeus
A maior oposição ao acordo parte de produtores rurais europeus, sobretudo da França, que temem não conseguir competir com produtos do Mercosul em um cenário de redução de tarifas e barreiras comerciais. Macron enfrenta pressão interna crescente, em meio a protestos ligados também à condução do combate à Dermatose Nodular Contagiosa (DNC) bovina.
“Emmanuel Macron deve usar toda a sua influência para impedir a implementação do Mercosul”, declarou Laurent Wauquiez, líder parlamentar do partido conservador Os Republicanos.A rejeição ao acordo, na forma atual, é praticamente unânime entre os principais atores políticos franceses. Arnaud Rousseau, presidente do sindicato agrícola FNSEA, pediu que o governo francês vote contra o tratado caso ele seja submetido à apreciação durante a cúpula europeia. — Vote não — apelou o dirigente, que também alertou para uma mobilização com cerca de 10 mil agricultores em Bruxelas.“Convocaremos uma mobilização para bloquear rodovias, monitorar as importações nos portos e alertar a população”, advertiu Rousseau, caso o acordo avance.
Itália assume papel central na decisão europeia
A resistência histórica da França ao tratado acabou colocando a Itália em posição estratégica nas negociações. Pelas regras da União Europeia, decisões do Conselho exigem o apoio de ao menos 15 dos 27 países, que representem, juntos, 65% da população do bloco. Como terceiro país mais populoso da UE, a Itália tornou-se decisiva.
Nos últimos meses, Roma enviou sinais ambíguos sobre seu apoio ao acordo. Alemanha, Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia se posicionam contra o adiamento, enquanto Hungria e Polônia rejeitam o tratado. A Bélgica deve se abster, e Irlanda e Holanda ainda não anunciaram oficialmente sua posição atual.
Na terça-feira, o Parlamento Europeu aprovou um endurecimento das medidas de proteção aos agricultores, com critérios mais rigorosos do que os inicialmente propostos pela Comissão Europeia. As novas salvaguardas restringem importações quando os preços do Mercosul forem pelo menos 5% inferiores aos da UE, quando houver queda superior a 5% em relação ao ano anterior ou aumento anual acima de 5% no volume importado — ante os 10% previstos anteriormente.
Autoridades europeias alertam que a não assinatura do acordo até o fim do ano pode comprometer anos de negociações. Além disso, Chipre e Irlanda, que assumirão a presidência rotativa da UE, podem ter menos disposição política para avançar com o tema.
O cenário político brasileiro também é visto como fator de risco. A eleição presidencial prevista para o próximo ano pode alterar a posição do país caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defensor do acordo, não seja reeleito.



