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“Bolsonaro está em um hotel cinco estrelas”, diz Greenhalgh

Advogado compara prisão do ex-presidente com a de presos políticos da ditadura e descreve diferenças no processo e nas condições de custódia

Luiz Eduardo Greenhalgh (Foto: Brasil247)

247 - A prisão de Jair Bolsonaro e de oficiais-generais pelo golpe de 8 de janeiro levou o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh a revisitar sua experiência na defesa de presos políticos durante a ditadura militar para comparar dois momentos históricos distintos. Com base em sua atuação entre 1964 e 1985, ele avaliou que as condições enfrentadas atualmente pelos condenados estão longe do que viveram os opositores do regime, e apontou as diferenças na condução dos processos e na execução das penas.

“Ele está num hotel cinco estrelas”

Greenhalgh afirmou ter visto nas imagens de televisão o local onde Bolsonaro cumpre sua pena e comparou diretamente com a cela ocupada por Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba. Em sua avaliação, as condições são incomparáveis às impostas aos presos políticos que defendeu décadas atrás.

Segundo ele, “primeiro que eu vi na televisão, como todo mundo viu, o apartamento que o Bolsonaro vai ficar. Eu que conheci de perto, por dentro, o apartamento em que o Lula ficou lá em Curitiba, ele está num hotel cinco estrelas. Num hotel cinco estrelas, está certo?”.

Embora reconheça que o espaço foi reformado, o advogado destacou que a execução da pena segue o devido processo legal, algo que não existia para os opositores do regime militar: “é um processo legal, sem incomunicabilidade como nós ficávamos. Podendo receber visita de advogado, médico e familiares a qualquer hora, com direito de defesa, com oportunidade de contestar a denúncia e apresentar testemunhas”.

Do DOI-CODI ao DOPS: o percurso dos presos políticos

Para explicar o contraste, Greenhalgh descreveu o funcionamento do sistema repressivo da ditadura. Ele lembrou que seus clientes eram inicialmente levados ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), que operava como centro de interrogatório e tortura.

Nas palavras do advogado, “as pessoas, na minha época, durante o regime militar, eram presas no DOI-CODI. Era um centro de tortura organizado pelo Exército brasileiro, em que as pessoas sofriam a cadeira do dragão, sofriam pau de arara, espancamentos e técnicas de tortura inimagináveis”.

Depois dessa etapa, vinha o DOPS, que apenas formalizava depoimentos obtidos sob violência: “depois de muita tortura, eles eram remetidos para o DOPS. Chegavam lá apenas para formalizar o depoimento, passando o que tinham sido obrigados a confessar no DOI-CODI, datilografado na máquina”. Se a versão fosse considerada insuficiente, prosseguiam as agressões: “se a equipe de análise achasse que faltou alguma coisa, a pessoa era torturada no DOPS”.

Greenhalgh destacou ainda que não havia acesso a advogados, devido à incomunicabilidade imposta e não respeitada: “existia um período de incomunicabilidade que chegou a ser de 30 dias e depois de 10 dias, mas nunca era respeitado pelos delegados e coronéis do DOI-CODI”. Só então os presos eram levados a presídios como Tiradentes, Hipódromo e Casa de Detenção.

Julgamentos antecipados e o caso Lula em São Bernardo

O advogado relatou o episódio envolvendo Lula e a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, processados pelas greves do início dos anos 1980. Ele contou que foi à auditoria militar buscar credenciais para o julgamento e encontrou um sargento datilografando a sentença que só seria lida dias depois.

Segundo Greenhalgh, “eu perguntei: ‘O senhor está datilografando a sentença do julgamento de segunda-feira?’ Ele respondeu que estava digitando o que o juiz auditor havia mandado. Perguntei quanto seria a pena do Djalma Bom. Ele disse: ‘Três anos e meio’”.

Ao perceber que o julgamento era uma formalidade, convocou Lula e os advogados para uma reunião. Ali, relatou o que havia visto e propôs não comparecer à audiência: “eu falei: ‘quero não ir ao julgamento, não participar dessa farsa’”.

Lula apoiou a decisão, conforme o relato de Greenhalgh: “o Lula falou: ‘Eu estou com ele. A gente não participa de farsa, ninguém vai ao julgamento de segunda-feira’”.

O caso foi levado ao Superior Tribunal Militar, que anulou a sentença por pré-julgamento. Greenhalgh resumiu: “a sentença estava pronta desde sexta. A condenação era uma farsa”.

“São os almofadinhas” diante das prisões de 1964–1985

Ao comparar os condenados pelo golpe com os presos políticos da ditadura, o advogado foi direto: “naquela época não tinha prisão domiciliar. Era prisão. Não havia conforto de cela, nem recolhimento em batalhão. Era presídio Tiradentes, presídio do Hipódromo, Casa de Detenção, pavilhão cinco, Penitenciária do Estado. Esses que foram condenados agora, diante dos presos políticos de 1964 a 1985, são os almofadinhas”.

Ele afirmou que a execução das penas deve seguir exatamente o que foi determinado pelo ministro Alexandre de Moraes e que o acompanhamento público é essencial: “os generais de quatro estrelas têm direito a ficar no comando militar do Planalto. O Bolsonaro, que já estava naquele apartamento de luxo por causa da tornozeleira, tem que ficar. São 27 anos e 3 meses, inicialmente em regime fechado. Vamos acompanhar essa execução de pena”.

A tornozeleira rompida e a linha de defesa

Greenhalgh também comentou o episódio da tornozeleira rompida por Bolsonaro e disse que sempre o considerou alguém sem capacidade para o cargo: “eu sempre dizia que ele não raciocinava. Quando apareceu o vídeo dele usando ferro de solda na tornozeleira, minha mulher falou: ‘Tenho que dar a palmatória. Você tinha razão’”.

Ele avaliou que a estratégia de atribuir o ato a um surto abre risco jurídico: “se a linha de defesa for que ele teve uma paranoia, que ficou ouvindo vozes na tornozeleira e, por isso, passou a solda, isso pode levar a um pedido de incidente de sanidade mental”.

Greenhalgh defendeu disciplina rígida na custódia: “ele tem que ficar dentro da cela. Não é hóspede da Polícia Federal. É condenado definitivamente a uma pena de 27 anos. Tem que ficar em regime penitenciário, ainda que na cela da Polícia Federal”.

Avanço institucional e necessidade de vigilância

Para o advogado, o fato de generais de quatro estrelas serem levados para cumprir penas longas em regime fechado mostra avanço institucional. Ele afirmou que nunca imaginou ver tal cenário e destacou o papel do Supremo Tribunal Federal na condução do processo, especialmente do ministro Alexandre de Moraes.

Nesse sentido, a expressão “ele está num hotel cinco estrelas” resume, para Greenhalgh, não apenas a crítica às condições especiais oferecidas ao ex-presidente, mas também o contraste histórico entre duas épocas: o tempo das masmorras da ditadura e o momento atual, em que autoridades e militares condenados cumprem pena sob regras legais e sob vigilância da sociedade. Assista: 

 

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