"Estamos na iminência de um novo golpe", diz Vecina
Sanitarista Gonzalo Vecina alerta para riscos políticos e desafios do SUS
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto afirmou que o Brasil está "na iminência de ter outro golpe de Estado". Fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Vecina traçou paralelos entre o atual cenário político e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, classificado por ele como um "golpe". Durante a entrevista, ele também analisou a saída da ministra da Saúde, Nísia Trindade, e os desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) sob o comando de Alexandre Padilha.
"Não existia condição jurídica para afastar a presidenta Dilma Rousseff e ela foi afastada politicamente. Estamos na iminência de ter outra vez isso", afirmou Vecina. Segundo ele, o Congresso eleito pela população apresenta desafios ao governo federal, exigindo negociações constantes para garantir a governabilidade. "O Lula tem condição de fazer isso funcionar. Ele é um sujeito bastante esperto, acho que vai conseguir, mas vai ter que entregar alguns anéis de preferência sem dedos", acrescentou, referindo-se à saída de Trindade do Ministério da Saúde.
Vecina destacou que a ex-ministra "foi uma excelente gestora", sendo responsável por "reconstruir" um ministério destruído durante a pandemia. "A Nísia chegou, arrumou uma fantástica equipe, reconstituiu o Ministério e colocou os trilhos em ordem", afirmou. Entre as ações conduzidas por Trindade, ele ressaltou a ampliação da cobertura vacinal, a retomada do programa Médicos pelo Brasil e a modernização da área de tecnologia da informação da Saúde.
Apesar da avaliação positiva, Vecina apontou que Trindade não tinha "habilidade para lidar com o Centrão" e que essa limitação pode ter pesado para sua saída. "Ela foi durante oito anos presidente da Fundação Oswaldo Cruz, foi eleita e reeleita, mas, para este tipo de dificuldade que estamos tendo na gestão do governo federal, as coisas são muito mais difíceis", disse.
Sobre o novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, Vecina expressou esperança de continuidade nas políticas de fortalecimento do SUS, mas alertou para os desafios impostos pelo atual modelo de distribuição de emendas parlamentares. "O Congresso é assim porque foi eleito dessa forma. O que ele tem é essa voragem por distribuir dinheiro para os amigos", afirmou, destacando a necessidade de fiscalização para evitar ilegalidades.
Um dos principais desafios da nova gestão, segundo Vecina, será a melhoria do acesso a especialistas e a gestão das filas do SUS. Ele defendeu a necessidade de unificação das listas de espera entre redes municipais e estaduais para otimizar o atendimento. "Não dá para trabalhar com esse monte de filas que eu não administro. Quando tivermos filas administráveis, poderemos saber quanto falta e onde precisa de mais investimento", explicou. Ele citou o modelo utilizado para transplantes, onde há uma fila única, como um exemplo de boa prática.
Outro ponto abordado na entrevista foi a proposta de planos de saúde "minimalistas", que cobririam apenas consultas e exames, deixando procedimentos de maior complexidade para o SUS. Para Vecina, a proposta é "uma não solução" e beneficia apenas o setor privado. "Quem tem dinheiro vai poder comprar consulta e exame, mas isso não é cura. E quando a pessoa precisar de um procedimento mais complexo, não vai ter como pagar", criticou. Ele alertou para o risco de aumento na judicialização da saúde, com pacientes recorrendo à Justiça para garantir tratamentos que deveriam ser cobertos pelo SUS.
Vecina também abordou a questão da medicalização excessiva e o impacto da indústria farmacêutica sobre as práticas médicas no Brasil. Ele citou uma pesquisa realizada quando era Secretário de Saúde do município de São Paulo, que revelou que o remédio mais prescrito na rede pública era um polivitamínico, sem efeito significativo para a maioria dos pacientes. "Médicos confundem assistência à saúde com consumo de serviços e medicamentos", criticou.
Ao longo da entrevista, Vecina ressaltou a importância de fortalecer o SUS e construir um modelo de governança para a saúde que seja eficiente e equitativo. "A complexidade da assistência à saúde é muito grande e não tem soluções simples", concluiu. Assista:



