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João Cezar de Castro Rocha: "Michelle é fraca para liderar o bolsonarismo e seu passado é duvidoso”

Intelectual vê ex-primeira-dama forte para o Senado no DF, mas sem estatura para liderar a extrema direita e com biografia difícil de explicar

Brasília (DF) - 30/03/2023 - Michelle Bolsonaro (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

247 - O professor João Cezar de Castro Rocha avalia que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro não conseguirá se consolidar como o principal nome da extrema direita brasileira, apesar de seu apelo entre evangélicos e mulheres. Para o professor, ela possui capital eleitoral suficiente para uma vitória confortável ao Senado pelo Distrito Federal, mas é “fraca para liderar o bolsonarismo” em disputas majoritárias e carrega um “passado duvidoso” que ainda não foi devidamente esclarecido ao país.

As declarações foram dadas em entrevista ao programa Boa Noite 247. O intelectual detalhou por que enxerga limites estruturais no projeto político construído em torno da ex-primeira-dama.

João Cezar reconhece o potencial eleitoral de Michelle no Distrito Federal. “Se a Michele se lançar para a senadora no Distrito Federal, ela está eleita”, afirma, recordando o desempenho de Damares Alves, que chegou ao Senado sem ser a candidata oficial de Jair Bolsonaro. Segundo ele, o bolsonarismo consolidou ali um núcleo duro de votos conservadores, o que torna “muito grandes” as probabilidades de vitória de Michelle numa disputa proporcional à sua base já mobilizada.

O ponto de ruptura, porém, aparece quando o tema é uma candidatura majoritária — como governo de Estado ou Presidência. “Para um cargo majoritário, eu tenho dúvidas por dois aspectos”, diz o professor. O primeiro é a trajetória profissional e política da ex-primeira-dama: “não será fácil para Michele Bolsonaro explicar o passado dela de assessora na Câmara dos Deputados”, afirma, em referência a episódios mal esclarecidos da biografia da hoje líder bolsonarista.

Ele lembra ainda contradições envolvendo a vida pessoal de Michelle e como isso pode repercutir fora da base evangélica mais fiel. “É muito curioso que nós só tenhamos descoberto que ela não tinha uma filha, mas duas na véspera do segundo turno de 2022”, observa. Ele ressalta que, entre evangélicos, a narrativa da conversão atua como chave de absolvição moral — “quando você se converte, você renasce, você tem uma nova vida, que é a ideia do batismo” —, mas pondera que, para a “população brasileira média”, certos aspectos do passado da ex-primeira-dama tendem a causar “choque”.

O professor também relembra um episódio antigo da trajetória de Jair Bolsonaro para ilustrar como o ex-presidente reage quando uma mulher de seu círculo busca ganhar autonomia política. Ele cita o caso da mãe de Carlos Bolsonaro, que assumiu a cadeira do então vereador, foi reeleita e, ao tentar “ter voz própria”, acabou atropelada politicamente pelo próprio clã: “O Bolsonaro se separou da mulher porque ela tentou ter voz própria e falar sozinha”. Em seguida, descreve o passo seguinte: “para destruir a agora ex-mulher, ele instrumentalizou o filho, o Carlos Bolsonaro”, que foi lançado candidato para derrotar a própria mãe e encerrar sua carreira política.

A partir desse episódio, João Cezar analisa a movimentação recente de Michelle, especialmente no Ceará e em Santa Catarina, onde ela tentou impor alianças regionais e entrou em choque com lideranças locais do bolsonarismo. “O que Michele Bolsonaro fez ontem no Ceará é inconcebível. Ela não tem estatura política. Ela não tem legitimidade para querer ser articuladora de campanhas no Brasil”, afirma. Ele considera “risível imaginar que agora Michele Bolsonaro vai articular campanhas em todo o Brasil” e recorda que ela “publicamente admoestou o André Fernandes e toda a equipe do Ceará”, criando atritos internos em um campo já fragmentado.

No Sul, segundo ele, o comportamento se repetiu. Para João Cezar, a ex-primeira-dama ultrapassou um limite que o próprio bolsonarismo não tende a tolerar: “Eu creio que a Michele Bolsonaro deu finalmente o passo muito maior do que as pernas dela permitem. Eu acho que as asas dela vão ser cortadas”.

Na avaliação do professor, Michelle deve agora enfrentar um processo de enquadramento interno, que reduzirá seu espaço nas articulações nacionais. “Ela vai ter, vai enfrentar dificuldades, ela vai ser enquadrada porque ela passou do ponto, de novo, ela não tem nenhuma estatura política para se arvorar o direito de fazer articulações políticas em nome de quem?”, questiona. Ele conclui que, embora tenha força eleitoral localizada e um público cativo no segmento evangélico, Michelle não reúne atributos para assumir o posto de líder orgânica da extrema direita brasileira, especialmente num cenário de crescente disputa interna por espaço e recursos.

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