"Relatório de Derrite e medo de delação pressionam Tarcísio", diz Antônio Donato
Deputado estadual vê tentativa de enfraquecer a Polícia Federal para conter efeitos da delação de Beto Louco na Operação Carbono Oculto
247 - O deputado estadual Antônio Donato (PT), de São Paulo, afirma que o relatório do deputado federal Guilherme Derrite, que retira poderes da Polícia Federal no combate ao crime organizado, é resultado do temor do governo Tarcísio de Freitas diante de uma possível delação premiada do empresário Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco. Segundo ele, a movimentação em Brasília busca afastar a PF justamente da investigação que atingiu o núcleo financeiro do esquema ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). As declarações foram dadas em entrevista ao jornalista Joaquim de Carvalho, em entrevista à TV 247 247.
Ao longo da conversa, Donato observa que a fuga de Beto Louco, após ter sua prisão temporária decretada, aumentou ainda mais a tensão nos bastidores políticos. O empresário é apontado como peça central em um esquema bilionário de sonegação, fraude no setor de combustíveis e lavagem de dinheiro associado ao PCC, revelado pela Operação Carbono Oculto. Para o deputado, a possibilidade de que ele colabore com a Justiça causa verdadeiro pânico em setores que, segundo ele, têm vínculos antigos com essas estruturas. “Parece haver um medo enorme de que a Polícia Federal avance nas investigações e uma tentativa de embaralhar o jogo para impedir que continue apurando”, afirmou.
Donato argumenta que o relatório apresentado por Derrite surgiu de forma repentina, o que para ele indica uma ação previamente articulada. “Era um relatório que já estava pronto. Ele assumiu como relator e, logo em seguida, apresentou o texto”, disse. O deputado sustenta que Derrite foi ao Congresso com dois objetivos claros: tentar enquadrar o crime organizado como terrorismo, atendendo à pauta de extrema direita, e retirar a Polícia Federal do centro das investigações nacionais sobre facções criminosas. Para Donato, ambas as iniciativas revelam um movimento político e não técnico. “Tirar a PF desse papel é algo gravíssimo”, afirmou.
Ao comentar os desdobramentos da Operação Carbono Oculto, Donato relembra que o esquema desvendado não se limitava a postos de combustíveis ou distribuidoras, mas alcançava também estruturas financeiras sofisticadas na região da Faria Lima, em São Paulo. Segundo ele, o caso escancarou que o crime organizado opera em níveis muito mais altos do que o imaginário tradicional sugere. “A operação mostrou que o crime organizado não está só nas favelas. Ele está também na Faria Lima. Há fintech ligada ao PCC, executivos e fundos de investimento que se aproximaram desses bilhões para lavar dinheiro”, afirmou.
Durante a entrevista, Joaquim de Carvalho menciona também o empresário Mohamad Hussein Mourad, o “Primo”, que teria fugido para o exterior após o avanço das investigações. Já Beto Louco, segundo Donato, estaria negociando uma delação para voltar ao Brasil. A simples possibilidade de que ele possa detalhar relações entre empresários, operadores financeiros e figuras políticas, diz o deputado, explica o esforço para limitar a atuação da Polícia Federal. Nesse ponto, ele levanta a hipótese de que o círculo político de Tarcísio tenha, em algum momento, mantido vínculos com setores envolvidos no esquema. “Em algum momento, esse Beto Louco se aproximou do Tarcísio, eventualmente por meio de Gilberto Kassab. É possível que tenha colaborado com a campanha do governador. Por isso, uma delação dele seria uma bomba”, afirmou, lembrando também denúncias sobre uma doadora da campanha do governador suspeita de lavar dinheiro para o PCC.
Outro elemento citado por Donato é o vazamento que teria comprometido a operação da PF contra Beto Louco e outros envolvidos. Para ele, a própria Polícia Federal admitiu prejuízo na ação, já que a maior parte dos alvos conseguiu escapar. “Dos 14 alvos, prenderam quatro ou cinco. A maioria fugiu. É evidente que houve vazamento”, disse o deputado. O episódio, segundo ele, reforça a percepção de que há tentativas de interferir no andamento das investigações.
Donato também critica duramente o relatório de Derrite, que classificou como “inacreditável”. Ele ressalta que a proposta provocou reação imediata de especialistas e membros do Ministério Público, como o promotor Lincoln Gakiya, nome reconhecido no combate ao PCC. Para o deputado, a retirada da Polícia Federal do enfrentamento às facções fere o interesse público e só pode ser compreendida como uma manobra para blindar pessoas influentes. “Gente minimamente séria, de direita ou de esquerda, que está preocupada em combater o crime, não consegue aceitar tirar a Polícia Federal desse papel. Só se compreende isso como operação para salvar a pele de gente graúda”, disse.
A entrevista também aborda a crise da segurança pública em São Paulo. Donato afirma que o governo Tarcísio descumpriu promessas feitas a policiais civis e militares, e que os principais indicadores de violência cresceram no estado. Ele lembra protestos recentes de associações das forças de segurança e critica as mudanças promovidas por Derrite quando comandava a pasta. Segundo o deputado, o ex-secretário desmontou tradições internas da Polícia Militar ao promover coronéis alinhados à extrema direita e teria atuado movido por ressentimento. “Quando virou secretário, ele trocou praticamente todo o comando dos coronéis, rompendo com a tradição da carreira. Personagens movidos por ressentimento raramente produzem bons resultados”, afirmou.
Questionado sobre eventuais pactos entre políticos e crime organizado, Donato evita comparações diretas com o Rio de Janeiro, mas não descarta a existência de relações nebulosas. Para ele, a fronteira entre agentes públicos, empresários e estruturas criminosas se tornou mais difusa com a entrada de organizações na economia formal. “O crime dialoga com o andar de cima. Há negócios, relações, uma zona cinzenta em que interesses se misturam”, afirmou.
Na parte final da entrevista, Donato analisa o impacto político da crise. Ele afirma que Tarcísio de Freitas é hoje o nome mais cotado por setores do mercado e da direita que buscam um projeto de “bolsonarismo sem Bolsonaro”, embora enfrente resistência da própria família Bolsonaro e divisões internas no campo conservador. Ao mesmo tempo, avalia que a imagem pública de Derrite está em rápido desgaste. “A imagem de que ele entendia de segurança pública está indo pelo ralo. E nós vamos ajudar a ir pelo ralo ainda mais rápido”, declarou.
Para Donato, toda essa articulação — do relatório à tentativa de enfraquecer a Polícia Federal — traduz o medo de que a delação de Beto Louco exponha relações profundas entre crime organizado, grande capital e política. É essa possibilidade, segundo o deputado, que explica a pressa, o improviso e a estratégia de blindagem que marcaram a atuação de Derrite em Brasília. Assista:



