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“Segurança pública no Brasil fracassou nas mãos das oligarquias”, diz Folena

Jorge Folena liga crise da segurança ao modelo federativo e defende centralização do combate ao crime organizado na União

“Segurança pública no Brasil fracassou nas mãos das oligarquias”, diz Folena (Foto: ABR)

247 - A partir de uma análise histórica da República, Jorge Folena afirma que o sistema de segurança pública brasileiro não cumpre a função de proteger a população. Para ele, o modelo que entrega o poder de polícia aos estados consolidou o controle das oligarquias regionais e produziu um quadro permanente de violência e ausência de resultados duradouros.

As declarações foram dadas em entrevista à TV 247, em 15 de novembro de 2025, quando o cientista político e advogado tomou a data da Proclamação da República como ponto de partida para discutir a forma como o país organizou a segurança pública e a relação disso com o crime organizado, as milícias e o poder político.

Folena vincula o desenho federativo inaugurado com a Constituição de 1891 à atual crise. Ele lembra que, no Império, a demarcação de terras e o poder de polícia estavam concentrados no governo central. Com a República, esses poderes passaram aos governos estaduais. Segundo o analista, isso consolidou a força das oligarquias e criou as bases de um modelo que persiste. “As oligarquias conquistaram dois poderes fundamentais: a demarcação de terras e o poder de polícia”, afirmou.

Na avaliação de Folena, essa mudança estruturou um sistema de segurança que não entrega proteção. “Se a segurança pública no Brasil tem falhado, é por culpa dos governos estaduais, é por culpa das oligarquias que ainda continuam à frente dos governos brasileiros”, disse. Ele resumiu o diagnóstico em uma frase: “Esse modelo de segurança pública fracassou. Ele não produziu resultados, não nos dá segurança e não nos deu paz”.

O cientista político sustenta que o fracasso não se limita aos índices de criminalidade, mas à forma de atuação do Estado. Ele cita o caso do Rio de Janeiro, com operações policiais marcadas por chacinas, expulsão de moradores pobres para periferias e sucessivas intervenções letais em favelas desde o fim dos anos 1950. Para Folena, esse padrão consolidou uma lógica de enfrentamento que não atinge a estrutura econômica do crime. “Essa forma de atuação está caracterizada há décadas com esquadrões da morte, limpeza étnica, matanças e incontáveis chacinas”, disse.

Ao tratar da relação entre crime organizado e poder público, Folena recorreu a exemplos concretos. Ele destacou a CPI das Milícias, realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, como marco de um tipo de investigação baseado em inteligência institucional. “O maior combate ao crime organizado no Rio de Janeiro foi feito pela CPI das milícias, sem dar um tiro”, afirmou. Segundo ele, a comissão prendeu deputados, vereadores e policiais e “demonstrou a proximidade do poder público com o crime organizado”.

Folena amplia esse raciocínio ao falar da contravenção e do jogo do bicho no Rio de Janeiro. Ele afirma que o crime organizado está “muito próximo do poder público” há décadas, inclusive em atividades legais e em eventos de grande visibilidade. O ponto central da sua análise é que a violência nas periferias e favelas convive com uma inserção econômica do crime em setores como combustíveis, serviços e sistema financeiro, o que só aparece quando há fiscalização consistente.

Nesse contexto, ele destaca o papel recente do governo Lula e da Polícia Federal. Folena menciona a operação Carbono Oculto, em São Paulo, como exemplo de ação direcionada ao rastreamento econômico das organizações criminosas. “O crime organizado está atuando em atividades econômicas, em postos de gasolina, em várias outras atividades e inclusive no sistema financeiro”, afirmou, ressaltando que essa estrutura só emergiu quando a fiscalização federal foi retomada.

É a partir desse diagnóstico que Folena introduz uma nova camada à sua tese sobre as lutas estruturais no Brasil. Ele identifica quatro frentes simultâneas: imperialismo, latifúndio, fascismo e crime organizado. “As lutas que travamos no Brasil têm relação direta com a questão das oligarquias: contra o imperialismo, contra o latifúndio, contra o fascismo e agora contra o crime organizado”, resumiu.

Na avaliação do cientista político, a iniciativa mais recente do governo federal de alterar a Constituição para mudar a responsabilidade sobre o crime organizado representa uma inflexão nesse quadro. Ele se refere à proposta de emenda constitucional da segurança pública apresentada pelo presidente Lula. “O presidente Lula é a primeira pessoa no Brasil que chamou para ele a responsabilidade de fazer o enfrentamento ao crime organizado”, afirmou.

Folena explica que a proposta prevê que a investigação de crime organizado, milícias e crimes ambientais com conexão com essas estruturas passe à esfera da União, sob coordenação da Polícia Federal. “Daqui para a frente, para investigar o crime organizado, as milícias e os crimes ambientais que têm ligação com isso, vai ser da União, vai ser da Polícia Federal”, disse. Ele considera que nenhuma iniciativa semelhante foi adotada desde a fundação da República.

O cientista político também relaciona esse debate às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Ele cita a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das favelas”, e a atuação do ministro Alexandre de Moraes no acompanhamento das operações policiais no Rio de Janeiro. Na leitura de Folena, a inspeção judicial e a exigência de cumprimento de protocolos – como câmeras corporais, ambulâncias e atuação conjunta de Ministérios Públicos estadual e federal – mostram que a corte vem buscando impor limites a práticas que ele caracteriza como incompatíveis com o Estado democrático de direito.

Folena observa que, mesmo diante dessas decisões, o padrão de operações letais se manteve, o que, em sua visão, reforça o diagnóstico de que a segurança pública está capturada por interesses locais. Daí a defesa da centralização do combate ao crime organizado. Para ele, a coordenação nacional da política de segurança pelo governo federal é condição para romper o ciclo de fracassos.

Ao final, o cientista político volta ao ponto de partida: o 15 de novembro e a discussão sobre a República. Ele afirma que a data expõe a necessidade de redefinir a relação entre Estado, segurança e cidadania. “A responsabilidade do presidente Lula é chamar para si esse enfrentamento e remodelar a Constituição para que a Polícia Federal assuma o combate efetivo ao crime organizado, às milícias e aos crimes ambientais”, concluiu, defendendo que o país discuta segurança pública como tema central da disputa política e não apenas como resposta episódica a operações policiais e ondas de violência. Assista: 

 

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