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Colapso da Ucrânia expõe crise estratégica da Europa, aponta John Mearsheimer

Professor afirma que liberalismo europeu ignorou a lógica do poder e agora enfrenta dependência dos EUA, fragilidade econômica e perda de autonomia

John Mearsheimer (Foto: Universidade de Chicago)

247 – A análise do cientista político norte-americano John Mearsheimer, publicada em vídeo no YouTube, aponta que o colapso da Ucrânia não representa apenas um fracasso militar, mas o início de uma transformação profunda na ordem estratégica europeia. 

Logo no início, Mearsheimer sustenta que “o colapso de Ucrânia não é uma tragédia isolada. É o ato de abertura de um desmonte geopolítico muito maior”, afirmando que a Europa vive à beira de um “acerto de contas estratégico”.

As ilusões que moldaram a Europa pós-Guerra Fria

Segundo Mearsheimer, os últimos 30 anos foram marcados por uma crença generalizada de que “a política de poder havia sido domada por ideais liberais”. A ampliação da OTAN, a expansão da União Europeia e o discurso da “ordem baseada em regras” se apoiaram nessa visão otimista — que, na avaliação do professor, ignorava os fundamentos clássicos das relações internacionais.

Ele afirma que os líderes europeus e norte-americanos acreditaram que a Rússia aceitaria um papel subordinado dentro de uma ordem liberal projetada por Washington e Bruxelas. Para Mearsheimer, este foi o erro central: “História não oferece nenhum exemplo em que uma grande potência abrace voluntariamente uma subordinação permanente.”

A Europa, diz ele, passou a tratar a geopolítica como um problema técnico, confiando em normas, interdependência comercial e instituições. Enquanto isso, reduziu seus orçamentos militares e se apoiou quase totalmente nas garantias de segurança dos Estados Unidos.

Dependência dos EUA e vulnerabilidade estrutural

Um dos pontos mais contundentes da análise é a avaliação de que a Europa se tornou incapaz de sustentar sua própria defesa.

Mearsheimer destaca que, sem os Estados Unidos, o continente não teria capacidade de manter nem mesmo o atual nível de apoio militar à Ucrânia. Ele afirma: “Sem a liderança dos EUA, a Europa seria incapaz de confrontar diretamente a Rússia.”

A guerra, portanto, apenas revelou uma dependência que já existia. O professor argumenta que o continente se transformou em “consumidor de segurança, e não produtor”, situação agravada pelo declínio demográfico, pela crise energética e pela perda de competitividade industrial.

O fracasso da estratégia ocidental na Ucrânia

De acordo com Mearsheimer, a estratégia ocidental sempre foi construída sobre “wishful thinking”. Ele afirma que Washington e Bruxelas “ignoraram a realidade fundamental de que a Rússia via a Ucrânia como um interesse vital”, e por isso lutaria “independentemente do custo”.

Nesse ponto, o professor ressalta que sanções, isolamento diplomático e ajuda militar ocidentais partiram do pressuposto equivocado de que seria possível forçar Moscou à derrota — algo que, na sua interpretação, não tinha base realista.

A resistência russa diante das sanções, diz ele, acelerou a “desocidentalização da economia global”, reforçando os laços de Moscou com China, Índia e países do Sul Global.

Erosão da hegemonia ocidental e ascensão da multipolaridade

O vídeo aponta que o conflito expôs o esgotamento do período unipolar liderado pelos Estados Unidos após 1991. Mearsheimer afirma que intervenções fracassadas no Afeganistão, no Iraque e na Síria desgastaram o poder americano e abriram espaço para novas potências regionais.

Ele declara que o Ocidente “confundiu supremacia temporária com estrutura permanente” e agora enfrenta as consequências desse erro.

Ao mesmo tempo, países da Ásia, África e América Latina rejeitam pressões para alinhamento com Washington e Bruxelas, denunciando um padrão de exigências que nunca atendeu aos interesses do Sul Global.

Crise da OTAN e contradições internas

Segundo Mearsheimer, a OTAN recuperou “propósito”, mas não “força”. A aliança está unida no discurso, mas fragmentada na disposição de arcar com custos reais.Países europeus se mostram divididos quanto ao rearmamento, enquanto seus estoques militares se esgotam e suas indústrias de defesa enfrentam dificuldades para suprir a demanda. O professor afirma: “A ideia de que a OTAN pode dissuadir a Rússia e ao mesmo tempo gerir crises em outras regiões é fantasia.”

Europa diante de um futuro incerto

Para Mearsheimer, o continente enfrenta uma encruzilhada histórica. Ele resume a situação afirmando que o continente “descobriu que suas escolhas já não são suas”, e que depender de ideais sem respaldo militar conduziu à atual vulnerabilidade.

O colapso da Ucrânia, alerta o professor, não é o fim de um conflito, mas o início de uma era de consequências:

“O velho ordem está morrendo, e nenhuma convicção moral a ressuscitará. Segurança não pode ser emprestada, e poder não pode ser terceirizado.”

Essa leitura marca um diagnóstico severo da posição europeia: ou o continente recupera capacidade estratégica própria, ou corre o risco de se tornar irrelevante em uma ordem global que retorna à lógica da competição entre grandes potências.


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