Yuval Harari alerta: inteligência artificial ameaça a democracia
Historiador israelense também critica Donald Trump por destruir fundamentos da ordem internacional
247 – O historiador israelense Yuval Noah Harari, um dos mais influentes pensadores contemporâneos, voltou a fazer fortes alertas sobre os riscos geopolíticos e tecnológicos que moldam o século XXI. Em entrevista ao Valor Econômico, Harari afirmou que a inteligência artificial (IA) pode destruir a democracia, que a fragmentação do comércio global não projeta uma nova ordem, mas sim um “novo caos”, e que não se deve esperar que as big techs se autorregulem.
Harari ganhou projeção mundial com livros como Sapiens: Uma breve história da humanidade (2011), que vendeu mais de 25 milhões de cópias, Homo Deus (2015) e 21 lições para o século XXI (2018). Em sua obra mais recente, Nexus (2024), ele discute as redes de informação da pré-história até a era da IA. Durante passagem por São Paulo, para o lançamento do SP2B Beyond Business, evento previsto para agosto de 2026, Harari destacou que a civilização atravessa um ponto crítico: “A IA pode, sim, destruir a democracia”.
O caos no comércio global
Questionado sobre as mudanças no comércio internacional impulsionadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Harari foi categórico:
“O problema é que não existe uma nova ordem. Existe apenas um novo caos. A ordem liberal global dominou o mundo por décadas. Não era perfeita, mas ainda assim era uma ordem. Agora, líderes como Trump estão simplesmente destruindo completamente os fundamentos da ordem global e não têm nenhuma alternativa para oferecer.”
Para o historiador, ao romper com instituições multilaterais e tratados internacionais, Trump fragiliza as bases da cooperação internacional. “Eles não acreditam em leis internacionais, não acreditam em cooperação internacional. O maior tabu foi quebrado”, alertou.
O papel do Brasil
Harari também destacou a responsabilidade do Brasil no cenário global:
“O Brasil é um país muito poderoso e tem uma relação tradicionalmente próxima — ou potencialmente próxima — da Rússia. Eu esperaria que o Brasil usasse sua considerável influência para transmitir a mensagem de que invadir e conquistar outro país por ser mais poderoso é totalmente inaceitável.”
A inteligência artificial e a nova disputa global
Sobre a corrida pela supremacia tecnológica, Harari foi direto:
“A IA vai transformar completamente tudo — a economia, o setor militar, o sistema político. Será maior que a revolução industrial do século XIX.”
Atualmente, apenas Estados Unidos e China lideram essa disputa, o que, segundo ele, pode deixar o restante do mundo em posição de subordinação.
Democracia em risco
Harari explicou que as democracias sempre dependeram de tecnologias de informação, dos jornais ao rádio e à televisão. Agora, com o avanço da IA, há um risco sem precedentes:
“Se não administrarmos corretamente a tecnologia da IA, ela pode destruir a democracia. Democracia é uma conversa. É muita gente falando para decidir em conjunto. Já a ditadura é uma pessoa decidindo tudo.”
Ele observa que, enquanto as ditaduras podem usar algoritmos para centralizar informações, as democracias enfrentam o desafio de lidar com fake news e teorias da conspiração em escala massiva.
A regulação das big techs
O historiador criticou a ideia de que plataformas digitais possam se autorregular:
“Você não pode confiar que elas vão se autorregular. Humanos têm liberdade de expressão, mas algoritmos não têm. O problema não é uma pessoa inventar uma mentira, mas quando o algoritmo de uma rede social a espalha deliberadamente para milhões de pessoas. Isso deve ser claramente regulado.”
As análises de Yuval Harari reforçam a necessidade de uma resposta global coordenada para enfrentar tanto o colapso da ordem internacional quanto os riscos colocados pela inteligência artificial. Sem isso, o que se vislumbra, segundo ele, não é uma nova estabilidade, mas um cenário de caos, desordem e ameaça à democracia.



