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Brasileiro morto na guerra da Ucrânia buscava salário de R$ 25 mil, mas família relata calote

Letícia descreve que o marido se voluntariou “pela emoção de fazer o bem”

Daniel Lucas de Campos vivia com a família em Campinas (SP) e se voluntariou 'pela emoção de fazer o bem', e também por razões financeiras (Foto: Arquivo pessoal)

247 - A morte do campineiro Daniel Lucas de Campos, de 32 anos, durante combates na guerra da Ucrânia, abriu um novo capítulo sobre a participação de brasileiros no conflito e as condições oferecidas aos voluntários estrangeiros. A informação foi confirmada ao g1, que também noticiou, dias antes, o falecimento de outro brasileiro no país, o mineiro Lucas Lima, de 30 anos.

Segundo o relato da esposa, Letícia Prado, Daniel deixou o Brasil em 12 de agosto movido por um misto de idealismo e necessidade financeira. Ele havia sido atraído pela promessa de um salário equivalente a R$ 25 mil por mês, além de uma eventual indenização à família em caso de morte. Nenhum desses compromissos, porém, foi integralmente cumprido.

Letícia descreve que o marido se voluntariou “pela emoção de fazer o bem”, acreditando que poderia ajudar num esforço humanitário enquanto melhorava a renda da família, que vivia em Campinas (SP). Antes de embarcar, ele trabalhava como vendedor de carros e sustentava o casal e os dois filhos.

A dor pela perda e a frustração com o descumprimento do contrato agravam a situação enfrentada pela família. Nos quatro meses em que Daniel esteve na Ucrânia, os pagamentos foram irregulares. “Nos dois primeiros meses Daniel recebeu R$ 7 mil, e nos dois últimos, não recebeu dinheiro algum”, contou a esposa. “Eu fiquei a ver navios, porque não trabalho”, desabafou.

Letícia afirma que o marido assinou um documento com o governo ucraniano que previa salário mensal e compensação à família em caso de morte. Entretanto, segundo ela, nenhuma das parcelas integrais foi enviada. A reportagem procurou a Embaixada da Ucrânia, mas não obteve resposta até o momento.

A confirmação da morte também chegou de forma traumática. Letícia conta que percebeu antes mesmo da notificação oficial. “Tínhamos um grupo de familiares e eu vi uma movimentação de um soldado revoltado [dizendo] que estavam perdendo muita gente e que aquilo não era vida. Quando ele falou que perderam um soldado de outra equipe, eu já sabia que era ele”, relatou.

O voluntariado militar foi, segundo a família, um sonho de longa data. “O sonho dele sempre foi servir. Era uma paixão [...] Ele sempre sonhou alto”, disse ela. Antes de seguir para o Leste Europeu, Daniel passou por um breve treinamento de três dias no Rio de Janeiro.

Agora, a família enfrenta uma batalha diferente: trazer o corpo de volta ao Brasil. O Ministério das Relações Exteriores informou que, como regra, custeia apenas o trecho internacional até Brasília. Para levá-lo de Brasília a Campinas, parentes organizaram uma vaquinha online e arrecadaram R$ 11 mil. Mesmo assim, o traslado ainda não ocorreu. “Eles ficam segurando o corpo para perícia. Não passaram data concreta e as informações estão vagas”, reclamou Letícia, que lamenta a demora. “Daniel merecia demais. E também merece um enterro digno”.

O governo brasileiro afirma que não divulga informações pessoais de cidadãos atendidos em serviços consulares e evita fornecer detalhes sobre os procedimentos adotados. Já o corpo de Daniel permanece em Kiev à espera de liberação das autoridades ucranianas.

O conflito no país continua sem previsão de encerramento. Iniciada em fevereiro de 2022 com a invasão russa, a guerra entrou em fase prolongada e de negociações sensíveis. No último sábado (22), a Ucrânia disse avaliar uma proposta de paz mediada pelos Estados Unidos e avalizada pela Rússia. Segundo rascunho obtido pela AFP, o plano incluiria concessões territoriais ucranianas, como o reconhecimento de fato da soberania russa sobre Donetsk, Luhansk e Crimeia — ponto que ainda passará por análise do governo de Volodymyr Zelensky.

Enquanto isso, famílias como a de Daniel tentam reconstruir-se em meio ao luto e à espera de respostas que, até agora, não chegaram.

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