HOME > Mundo

China avança em projeto secreto de chips de IA e reduz distância tecnológica em relação ao Ocidente

Protótipo desenvolvido em Shenzhen desafia bloqueios dos EUA e expõe esforço estatal comparado ao Projeto Manhattan

China desenvolve semicondutores (Foto: Reuters)

247 – A China construiu, em sigilo, um protótipo funcional de uma das máquinas mais estratégicas da indústria global de semicondutores, capaz de produzir chips avançados usados em inteligência artificial, smartphones e sistemas militares. A informação foi revelada pela agência Reuters, em reportagem exclusiva publicada em 17 de dezembro de 2025, que detalha um projeto estatal conduzido em um laboratório de alta segurança em Shenzhen.

Segundo a Reuters, cientistas chineses concluíram no início de 2025 um protótipo de máquina de litografia por ultravioleta extremo (EUV, na sigla em inglês), tecnologia considerada o “coração” da produção dos chips mais avançados do mundo. Embora o equipamento ainda não tenha conseguido fabricar chips plenamente funcionais, ele já é capaz de gerar luz ultravioleta extrema e está em fase de testes.

O desenvolvimento representa um avanço relevante em um campo dominado quase exclusivamente pela empresa holandesa ASML, única fabricante mundial de máquinas EUV comerciais, essenciais para a produção de semicondutores de última geração por empresas como TSMC, Intel e Samsung.

Projeto secreto e meta de autonomia tecnológica

De acordo com pessoas com conhecimento direto do projeto ouvidas pela Reuters, o protótipo ocupa quase todo um andar de fábrica e foi desenvolvido por uma equipe formada em grande parte por ex-engenheiros da ASML, que teriam reproduzido a tecnologia por meio de engenharia reversa.

O governo chinês estabeleceu como meta inicial produzir chips funcionais com essa máquina até 2028, mas fontes próximas ao projeto avaliam que um prazo mais realista seria 2030. Ainda assim, o cronograma indica um avanço mais rápido do que analistas ocidentais estimavam, reduzindo significativamente a distância tecnológica em relação ao Ocidente.

Em abril, o CEO da ASML, Christophe Fouquet, havia afirmado que a China levaria “muitos e muitos anos” para desenvolver uma tecnologia desse tipo. A existência do protótipo, agora confirmada pela Reuters, sugere que Pequim pode estar mais próxima da autossuficiência em semicondutores do que se imaginava.

“Projeto Manhattan” chinês

Fontes descreveram a iniciativa como a versão chinesa do Projeto Manhattan, em referência ao esforço dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial para desenvolver a bomba atômica. O programa é parte de uma estratégia estatal de seis anos para alcançar a autossuficiência em semicondutores, uma das prioridades centrais do presidente Xi Jinping.

Embora os objetivos da China na área de chips sejam públicos, o projeto específico da máquina EUV em Shenzhen teria sido conduzido sob absoluto sigilo e classificado como assunto de segurança nacional. O comando político do programa estaria ligado à Comissão Central de Ciência e Tecnologia do Partido Comunista Chinês, liderada por Ding Xuexiang, aliado próximo de Xi.

A Huawei desempenha um papel central na coordenação de uma ampla rede de empresas e institutos de pesquisa estatais, envolvendo milhares de engenheiros. “O objetivo é que a China consiga, no futuro, fabricar chips avançados em máquinas totalmente produzidas no país”, afirmou uma das fontes à Reuters. “A China quer os Estados Unidos 100% fora de suas cadeias de suprimento.”

Recrutamento sigiloso e uso de identidades falsas

A reportagem da Reuters relata que engenheiros recrutados para o projeto receberam documentos de identidade falsos e trabalharam sob pseudônimos para preservar o sigilo. Alguns reconheceram antigos colegas da ASML dentro do complexo, todos instruídos a ocultar suas verdadeiras identidades.

A equipe inclui engenheiros chineses aposentados ou recém-saídos da ASML, considerados alvos estratégicos de recrutamento por deterem conhecimento técnico sensível e enfrentarem menos restrições profissionais após deixarem a empresa.

Desde 2019, a China intensificou a atração de especialistas em semicondutores que atuavam no exterior, oferecendo bônus de contratação entre 3 milhões e 5 milhões de yuans, além de subsídios para compra de imóveis. Entre os recrutados estaria Lin Nan, ex-chefe de tecnologia de fontes de luz da ASML, hoje ligado ao Instituto de Óptica e Mecânica Fina de Xangai, que registrou oito patentes relacionadas a fontes de luz EUV em apenas 18 meses.

Desafios técnicos ainda persistem

Apesar do avanço, a máquina chinesa ainda está longe do nível de sofisticação dos sistemas da ASML. Fontes ouvidas pela Reuters afirmam que o principal gargalo está nos sistemas ópticos de alta precisão, tradicionalmente fornecidos pela alemã Carl Zeiss AG, parceira estratégica da empresa holandesa.

O protótipo chinês é descrito como “rudimentar”, porém suficientemente operacional para testes. Institutos de pesquisa chineses, como o Instituto de Óptica, Mecânica Fina e Física de Changchun, teriam conseguido integrar a luz ultravioleta extrema ao sistema óptico no início de 2025, permitindo que a máquina funcionasse, ainda que com necessidade de refinamentos significativos.

Jeff Koch, analista da SemiAnalysis e ex-engenheiro da ASML, afirmou à Reuters que a China terá alcançado “progresso significativo” se conseguir tornar a fonte de luz potente, confiável e com baixo nível de contaminação. “Não há dúvida de que isso é tecnicamente viável. A questão é o tempo”, disse. “A China tem a vantagem de que a tecnologia EUV comercial já existe, então não está começando do zero.”

Contornando sanções e restrições internacionais

A reportagem detalha que a China tem recorrido a peças de máquinas antigas da ASML, adquiridas em mercados secundários, além de componentes de fabricantes japoneses como Nikon e Canon, apesar das restrições de exportação. Redes de intermediários seriam usadas para ocultar o comprador final.

Levantamento da Reuters identificou leilões na China que venderam equipamentos antigos de litografia da ASML até outubro de 2025, inclusive em plataformas ligadas ao grupo Alibaba.

Desde 2018, os Estados Unidos pressionam a Holanda para impedir a venda de sistemas EUV à China. As restrições se ampliaram em 2022, com controles de exportação impostos pelo governo norte-americano para barrar o acesso chinês a tecnologias avançadas de semicondutores. Segundo a ASML, nenhuma máquina EUV jamais foi vendida a clientes chineses.

O Departamento de Estado dos EUA afirmou à Reuters que o governo do presidente Donald Trump reforçou a aplicação dos controles de exportação e trabalha com aliados para “fechar brechas à medida que a tecnologia avança”.

Huawei no centro do esforço industrial

Embora o projeto EUV seja conduzido pelo Estado, a Huawei está envolvida em praticamente todas as etapas da cadeia, do design de chips à integração final em produtos como smartphones. De acordo com fontes, o CEO Ren Zhengfei informa diretamente líderes chineses sobre o andamento do programa.

Funcionários destacados para equipes de semicondutores frequentemente dormem nos locais de trabalho, têm acesso restrito a telefones e são mantidos isolados de outras equipes. “Os times são separados para proteger a confidencialidade do projeto”, relatou uma fonte à Reuters. “Eles não sabem no que os outros estão trabalhando.”

Mesmo sem produzir chips plenamente funcionais até agora, o avanço chinês no desenvolvimento de uma máquina EUV própria representa um marco estratégico e reforça o caráter cada vez mais tecnológico da disputa geopolítica global, especialmente no setor de semicondutores, considerado vital para a economia, a inovação e o poder militar no século XXI.

Artigos Relacionados