Entidades e personalidades da diáspora de Guiné-Bissau divulgam manifesto contra ruptura institucional
Documento denuncia intervenção militar nas eleições de 2025 e apresenta exigências para restaurar a ordem constitucional
247 - O Núcleo Internacional da Diáspora Guineense, em articulação com organizações da sociedade civil e representantes da comunidade acadêmica, divulgou um manifesto público que analisa a crise política instalada na Guiné-Bissau. A iniciativa reúne pesquisadores, ativistas e especialistas dedicados à defesa do Estado de direito e da estabilidade institucional no país.
O documento sintetiza os acontecimentos que marcaram o processo eleitoral e denuncia a interrupção das instituições pela ação de um grupo de militares. O texto, assinado por acadêmicos e lideranças civis, apresenta ainda um conjunto de exigências consideradas essenciais para a restauração da legalidade constitucional.
A declaração aponta que as eleições gerais e presidenciais ocorreram em ambiente de tensão e sob fortes restrições impostas pelo regime no poder. O manifesto afirma que projeções preliminares indicavam vantagem expressiva do candidato da oposição, Fernando Dias da Costa, quando a intervenção militar suspendeu o processo.
Os signatários ressaltam que a tomada de controle por oficiais ligados à Presidência bloqueou o funcionamento de instituições, interrompeu a apuração eleitoral e levou à detenção de figuras políticas. A nota também questiona as justificativas apresentadas pelos militares, destacando a ausência de provas verificáveis que sustentem alegações de complô armado ou manipulação eleitoral.
O documento lembra que organismos internacionais — como CEDEAO, União Africana, União Europeia e Nações Unidas — repudiaram a ruptura institucional e pediram a reposição da ordem constitucional. Apesar disso, os autores do manifesto afirmam que a situação no país continua a deteriorar-se, com riscos crescentes para a estabilidade social.
Entre as exigências apresentadas, a nota pede a publicação imediata dos resultados eleitorais pela Comissão Nacional de Eleições, a libertação de todos os detidos no episódio de 26 de novembro, o afastamento dos responsáveis pela intervenção militar e o reconhecimento do vencedor do pleito. Os signatários defendem também a responsabilização política e judicial do ex-presidente Umaro Sissoco Embaló pelos atos descritos no documento.
O manifesto encerra afirmando que o conjunto de medidas propostas constitui o único caminho possível para restaurar a democracia guineense e garantir a segurança pública, advertindo que qualquer recusa dessas ações será interpretada como ameaça direta ao Estado de direito no país.
Leia a íntegra
Nós, o Núcleo internacional da diáspora guineense, organizações da sociedade civil, comunidade acadêmica e individualidades comprometidas com a democracia, direitos humanos e a segurança pública na Guiné-Bissau, servimo-nos desta nota para apresentar uma síntese factual e analítica sobre a atual conjuntura política na Guiné-Bissau, bem como propor medidas urgentes para a restauração da ordem constitucional e a proteção das liberdades democráticas confiscadas pelo atual poder instalado e sustentado por força de armas.
1. Sumário dos factos essenciais
Embora as eleições tenham decorrido com um atraso premeditado de quase nove meses depois da data prevista, visto que o mandato do ex-presidente Umaro Sissoco Embaló terminou desde dia 27 de fevereiro de 2025, e num contexto político em que as instituições democráticas se encontram sequestradas pelo regime no poder, resultando assim na exclusão dos partidos ou coligações de oposição e seletividades dos adversários políticos para as eleições, no passado dia 23 de novembro de 2025, realizaram-se eleições gerais, legislativas e presidenciais, na Guiné-Bissau. Com base nos prognósticos estatísticos de apuramento nacional prévio dos resultados eleitorais, através das atas-sínteses de mesas de assembleia de voto, a projeção dava uma larga vantagem e vitória ao Fernando Dias da Costa (candidato independente suportado pela oposição), em nove das dez regiões eleitorais que compõem o sistema eleitoral guineense, com a exceção da região eleitoral das diásporas guineenses na Europa e África.
No entanto, no dia 26 de novembro de 2025, a véspera para a divulgação oficial dos resultados provisórios, um grupo de oficiais militares, ligado à Presidência da República e ao regime que organizou as eleições, anunciou que havia “assumido o controlo” do país, suspendendo o funcionamento de instituições, interrompendo o processo eleitoral e declarando medidas de excepção. Relatos noticiosos apontam detenções de figuras políticas e tiros em pontos-chave da capital. Mas, antes, importa salientar que antes do pronunciamento deste grupo, foi o ex-presidente Umaro Sissoco quem procurou a imprensa internacional, nomeadamente a Jeune Afrique e France 24 para anunciar o “golpe” que supostamente era alvo e que estava sequestrado por esse grupo de militares.
O grupo de militares que assumiu o poder tentou “justificar” a intervenção com alegações de descoberta de um depósito de armamento de guerra, um “plano de manipulação” do processo eleitoral envolvendo atores políticos e redes criminosas e tentativas de subversão da ordem. Porém, sabe-se que até ao momento inicial da divulgação destas alegações, não foram apresentadas publicamente provas forenses verificáveis que justifiquem, do ponto de vista jurídico-constitucional, a suspensão total das instituições.
A comunidade internacional, nomeadamente a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), União Africana (UA), União Europeia (UE) e Organizações das Nações Unidas (ONU) já se posicionaram sobre o ocorrido e foram unânimes em condenar o suposto “golpe de Estado”, pedindo a restauração da ordem constitucional.
No dia 01 de dezembro, esteve no país (Guiné-Bissau) a missão do Alto Nível da CEDEAO dando início aos primeiros contatos com o poder político instalado e sustentado pela força de armas. Ainda assim, a situação tem se agravado mais e com riscos reais de agravamento institucional e social.
No dia 02/12, sob instrução (ou queira, ameaça) do grupo de insurgentes militares, um membro do Secretariado Executivo da Comissão Nacional de Eleições (CNE) declara como improcedente o processo eleitoral em curso cujas projeções baseadas em apuramento de nove das dez regiões eleitorais davam vitória na primeira volta ao candidato de oposição.
No entanto, vale esclarecer que todas as justificativas dadas ao fato nessa altura pela CNE são camufladas, e, por trás, forçadas pela intimidação e coerção dos golpistas. Uma atitude evidentemente provada outrora com a narrativa de que as atas de apuramento regional teriam sido confiscadas por pessoas desconhecidas que assaltaram as instalações do órgão no dia 26 de novembro.
2. Enquadramento jurídico-institucional (sumário)
A Constituição da República da Guiné-Bissau, no seu artigo 2o, estabelece que a soberania reside no povo e, no seu artigo 31o delimita procedimentos formais para declaração do estado de emergência ou de sítio. Esses procedimentos implicam competências presidenciais e mecanismos de controlo parlamentar e judicial que não foram observados na tomada de poder anunciada pelos militares. (Constituição, Arts. 2, 3, 31, 69 e correlatos).A legislação eleitoral prevê competências específicas para a Comissão Nacional de Eleições (CNE) quanto à organização e apuramento dos resultados; a interrupção do trabalho da CNE e a retenção de documentação eleitoral, sem um processo jurisdicional competente, lesa o direito ao sufrágio e a integridade do processo.
3. Curta análise histórica da conjuntura (contexto relevante)
A Guiné-Bissau apresenta desde a independência (1974) um padrão recorrente de instabilidade: sucessivos golpes, tentativas de golpe e episódios de violência política foram frequentes nas décadas de 1980, 1990, 2000, 2009 e 2012 — um historial que fragiliza as normas e práticas democráticas e cria precedentes de impunidade. Essa memória política contextualiza a atual intervenção militar e explica por que as instituições civis são vulneráveis a ações armadas.
Paralelamente, o país tem sido apontado por relatórios e cobertura jornalística como um território de trânsito de redes de tráfico internacional de drogas; a confluência entre economia ilícita, elites políticas e atores militares cria incentivos adicionais para que grupos armados intervenham em momentos eleitorais críticos.
4. Elementos essenciais que, segundo a literatura, enfraquecem a democracia (síntese e implicações)
A literatura comparada sobre democracia e golpes identifica, de forma consistente, um conjunto de fatores que tornam os regimes mais vulneráveis a rupturas constitucionais. Aplicados ao caso guineense:
- Forças armadas politizadas e fragmentadas — quando o Exército é ator político e há clivagens internas, aumenta a probabilidade de intervenção. Consequência: perda do monopólio legítimo da força e erosão do controlo civil.
- Instituições fragilizadas (judiciário fraco, CNE vulnerável) — ausência de árbitros imparciais e mecanismos rápidos de solução de contenciosos eleitorais facilita que controvérsias sejam resolvidas fora do quadro legal.
- Economia paralela e corrupção endémica — redes ilícitas (ex.: tráfico) oferecem recursos alternativos que criam incentivos concretos para captura do Estado e proteção por meios não democráticos.
- Personalização do poder e clientelismo — presidentes ou elites que dependem de redes estreitas de apoio cria rivalidades nas quais perder o controlo das instituições significa perda de acesso a bens privados, incentivando manobras extraconstitucionais (teoria do “seletorate”).
- Precedentes de impunidade — golpes repetidos que não resultam em responsabilização geram expectativa de que futuras rupturas sejam “viáveis”, criando um círculo vicioso de fragilidade democrática.
5. Exigências concretas do Manifesto e alternativas propostos pelo Núcleo Internacional da Diáspora Guineense | Organizações da Sociedade Civil | Comunidade Acadêmica Associada:
- Publicação imediata e incondicional dos resultados eleitorais pela CNE;
- Libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos na sequência de assaltado às instituições do Estado no dia 26 de novembro de 2025;
- Afastamento imediato e incondicional do autointitulado Alto Comando Militar e políticos golpistas do comando do Estado guineense;
- Restauração da ordem constitucional e democrática, permitindo o empossamento oficial do candidato vencedor das últimas eleições presidenciais;
- Responsabilização política e judicial do Umaro Sissoco Embalo pelos crimes de sequestro das instituições democráticas e terrorismo do Estado.
IMPORTANTE:
As exigências expostas acima são consideradas Eixo Exclusivo de alternativa política e solução irreversível e imediata para a consolidação da democracia e segurança pública cidadã. Sendo assim, quaisquer intenções do seu desacato ou incumprimento por parte do grupo de insurgentes no Poder, será avaliada como ameaça à democracia guineense.
“Ou deem chance à paz, ou a guerra pela liberdade”.
Pela verdade eleitoral e pelo Estado de direito democrático,
Dezembro de 2025
Assinada por
BRAIMA SADJO_ (sociólogo, professor e pesquisador do grupo de pesquisa CNPq TATA - Conhecimentos, Ciências e Tecnologias do departamento de Sociologia da Universidade de Brasília)SAMUEL COMPRIDO _ (historiador e pesquisador, diretor-presidente da Fundação dos Santos - FDS) TAMILTON TEIXEIRA _ (sociólogo, professor e diretor do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica da Guiné-Bissau)NANDO PAULO SUMA _ (cientista político/pesquisador - Estudante de doutoramento na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp)NOEMIA A. MONTEIRO _ (Pedagoga e ativista de gênero; Mestre em Administração Escolar).JUSTINO GOMES _ (Sociólogo e pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa GEAFRICANAS-CNPQ) _ SUMAILA JALÓ _ (Professor e ativista político) _LIZIDORIA MENDES _ (Escritora e Mestranda em Sociologia, Estudos de género) _ AUA CASSAMA _ (Cientista Social e Mestra em Sociologia, Sociologia do Trabalho, Universidade Federal de Pelotas - UFPEL) _ JEZABEL MITSA DO NASCIMENTO GERTRUDES _ (Pedagoga e Mestra em Educação - Universidade Federal de São Carlos-SP/UFSCar)



