Países desenvolvidos devem US$ 90 trilhões ao mundo por poluição climática, diz estudo
Estudo do Ipea calcula que nações desenvolvidas acumularam passivo trilionário ao ultrapassarem limites de carbono
247 - Os países industrializados acumularam uma dívida sem precedentes ao emitirem muito mais carbono do que lhes caberia na atmosfera. É o que revela um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento e Orçamento, que quantifica em US$ 90,4 trilhões (cerca de R$ 476 trilhões) o passivo climático dessas nações. As informações são da Folha de S. Paulo.
A pesquisa, divulgada pelo Ipea, analisou o orçamento global de carbono definido pelo painel científico da ONU, que estima em 2,7 trilhões de toneladas de CO₂ o limite para manter o aquecimento em até 1,5°C. O estudo calculou quanto restava desse montante após 1990 e distribuiu a cota entre os países conforme o tamanho da população, definindo assim o “saldo” de emissões de cada território.
A partir dessa metodologia, o instituto determinou que países que excederam suas cotas entraram no vermelho climático. Para precificar esse rombo ambiental, a pesquisa utilizou o custo social do carbono — estimado em US$ 417 por tonelada de CO₂, valor que representa perdas econômicas e sociais decorrentes de eventos extremos.
Os Estados Unidos, por exemplo, tinham direito a liberar 57,1 bilhões de toneladas de carbono desde 1990, mas emitiram 183 bilhões, mais que o triplo do permitido. O excesso rendeu ao país uma dívida estimada em US$ 46,6 trilhões, a maior entre todas as nações. A Arábia Saudita aparece distante na segunda colocação, com US$ 9,4 trilhões. O Brasil surge em seguida, com um passivo calculado em US$ 8,7 trilhões.
Rodrigo Fracalossi, pesquisador do Ipea e autor do estudo, destaca que os países ricos continuam sendo os principais responsáveis pela crise climática, embora o Brasil também figure como exceção negativa. “Mas o Brasil é uma exceção importante, existe uma responsabilidade histórica em ser uma fonte do problema, principalmente por desmatamento”, afirma.
Segundo o levantamento, o país lançou 59,1 bilhões de toneladas de CO₂ desde 1990, consumindo 160% da cota que lhe cabia, estimada em 36,8 bilhões de toneladas. Já a China, embora seja a maior emissora atual, ainda não entrou no campo negativo devido à dimensão de sua população, que ampliou seu orçamento de carbono para 242,8 bilhões de toneladas. Até agora, 78,6% desse total foi utilizado.
Fracalossi explica que essa diferença também reflete avanços tecnológicos: “Quanto mais tarde um país se desenvolve, menor o impacto das emissões, porque houve um aumento na eficiência energética ao longo do tempo”, afirma o pesquisador, que leciona relações internacionais na Universidade de Southampton, no Reino Unido. O artigo sugere mecanismos como taxação de bilionários e a criação de um imposto mínimo sobre lucros de multinacionais para financiar a compensação ambiental.
O pesquisador reforça que o principal efeito do estudo é trazer precisão ao debate sobre justiça climática. “Uma coisa é discutir em termos gerais a injustiça, que é muito importante do ponto de vista puramente filosófico, mas quando se coloca um número e compara com o que está sendo prometido, dá um senso maior da escala do problema”, diz.
A COP29, realizada em 2024, definiu como meta mobilizar US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático para países em desenvolvimento, com previsão de alcançar US$ 1,3 trilhão até 2035. O montante final representaria apenas 1,43% da dívida total acumulada pelos países desenvolvidos, segundo o Ipea. O tema segue sendo um dos impasses nas negociações da COP30, sediada em Belém.
O estudo reforça que a “dívida climática” deve ser encarada como compensação, não punição. Para o Brasil, por exemplo, uma forma de quitar parte desse passivo seria ampliar ações de reflorestamento. “Para pagar uma dívida climática, governos ou outros atores podem remover carbono da atmosfera ou compensar aqueles que foram prejudicados pelo seu uso excessivo da atmosfera”, afirma o relatório.
A pesquisa também alerta que países com saldo positivo de carbono, como a China, não devem usar essa condição como justificativa para adiar a transição energética. Segundo o artigo, o fato de haver nações ainda com “crédito” não elimina o impacto adicional que suas emissões trariam ao clima, uma vez que os limites atuais foram reduzidos pelas superemissões históricas de outros países.
O documento aponta ainda que, embora tratados como a Convenção do Clima da ONU e o Acordo de Paris reconheçam o peso desproporcional das mudanças climáticas sobre países em desenvolvimento, esses pactos ainda não enfrentam plenamente a responsabilidade histórica das nações que excederam seus limites. Para os autores, mecanismos de compensação serão essenciais para equilibrar esse quadro nas próximas décadas.



