Resto do mundo se afasta do protecionismo de Trump, aponta Bloomberg
Países aceleram alianças alternativas enquanto o atual presidente dos EUA mantém a agenda America First
247 - O crescente movimento global para se adaptar ao protecionismo dos Estados Unidos ganhou novo fôlego, segundo reportagem publicada pela Bloomberg. O texto, assinado por Erik Schatzker, destaca que, dez meses após o início do segundo mandato de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, a política “America First” segue impopular no exterior, mas já não provoca a mesma reação de choque: governos ao redor do planeta passaram a ajustar prioridades, firmar novos pactos e buscar autonomia estratégica.
A Bloomberg relata que Singapura resume essa mudança de postura. Após criticar abertamente, em abril, o anúncio das tarifas unilaterais de Trump — que o governo chamou de “dia da libertação” — o país agora adota uma estratégia pragmática. À época, o primeiro-ministro Lawrence Wong afirmou estar “desapontado com a decisão dos EUA”, expressou sensação de “traição” e alertou para “um capítulo mais arbitrário, protecionista e perigoso” nas relações globais. Seu chanceler, Vivian Balakrishnan, descreveu “uma sombra se formando sobre o mundo”.
Apesar das críticas, a Casa Branca avançou com a tarifa de 10% sobre produtos de Singapura. O efeito, porém, foi outro: em vez de insistir no confronto, o país asiático decidiu acelerar acordos com parceiros médios. Em setembro, firmou um pacto comercial com 13 economias, entre elas Nova Zelândia, Marrocos e Noruega, prometendo fortalecer o sistema global baseado em regras. No mês seguinte, Wong voltou a defender uma ordem pós-americana e até sugeriu a possibilidade de integrar Europa e Sudeste Asiático em um mesmo acordo de livre comércio.
Diversificação avança e reduz centralidade dos EUA
A Bloomberg aponta que essa reconfiguração comercial não é exclusiva da Ásia. A União Europeia avança na conclusão do acordo com o Mercosul e negocia tratados bilaterais com Índia, Filipinas, Tailândia, Malásia e Emirados Árabes Unidos. Reino Unido, Índia, Canadá e Austrália também ampliam suas tratativas, enquanto buscam flexibilizar dependências históricas de Washington.
Em Singapura, Schatzker conversou com Chong Meng Tan, ex-CEO da PSA International e atual vice-presidente do fundo soberano Temasek. Ele avaliou que o cenário atual abre espaço para novas oportunidades, desde que conduzidas sem hostilidade: “Com a mentalidade correta, existe a possibilidade de um resultado vantajoso para quem deseja ampliar opções e prosperar de outras formas. Mas, se a abordagem for de ganha-perde, seja pela diversificação ou pelo ‘bullying’, não será produtivo.”
China tenta ocupar espaço deixado pelos EUA
A reportagem destaca que, enquanto aliados dos EUA buscam alternativas, a China move-se para reforçar sua liderança. No último encontro da APEC, o presidente Xi Jinping voltou a defender o “sistema multilateral baseado em regras” e pediu que líderes “fortaleçam solidariedade, se oponham ao protecionismo, rejeitem o unilateralismo e impeçam o retorno à lei da selva”.
Segundo a Bloomberg, essa rede de novos acordos, somada ao distanciamento em relação à política de Trump, pode gerar efeitos colaterais para a agenda econômica da Casa Branca. No Fórum New Economy, que ocorre em Singapura entre terça-feira (19) e quinta-feira (21), um dos debates tratará diretamente do papel do dólar como moeda de reserva global. Scott Bessent, secretário do Tesouro de Trump, afirmou que um de seus principais objetivos é “consolidar a supremacia do dólar”, inclusive preservando a capacidade dos EUA de aplicar sanções financeiras.
Mas a tarefa encontra obstáculos: Xi e os demais líderes do BRICS querem aumentar o uso de moedas alternativas, como o yuan, no comércio internacional, enquanto investidores questionam a robustez do dólar em meio ao crescimento da dívida federal dos EUA.
Indicadores políticos e econômicos desafiam Washington
Em 2025, o dólar acumula queda superior a 7%, enquanto o ouro subiu mais de 55%, movimento que a Bloomberg interpreta como termômetro da incerteza sobre o governo Trump. Outro sinal veio das eleições intermediárias, em segunda-feira (4), nas quais os democratas tiveram desempenho superior ao dos republicanos.
A reportagem conclui que, em Singapura, as discussões no New Economy Forum funcionarão como mais um teste das percepções globais sobre a política econômica dos Estados Unidos — e se “America First”, na prática, aproxima-se cada vez mais de uma política de “America alone”.



