Trump é acusado de tentar controlar narrativa sobre caso Epstein por brasileira que se diz vítima
Marina Lacerda afirma que presidente dos EUA busca reduzir visibilidade das vítimas e que seu envolvimento pode ir além de trocas de emails
247 – A brasileira Marina Lacerda, 37 anos, conhecida nos documentos oficiais como “vítima menor número um” no escândalo de exploração e tráfico sexual atribuído ao financista Jeffrey Epstein, afirma que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenta controlar a narrativa pública para reduzir a visibilidade das vítimas. As declarações foram dadas à Folha de S.Paulo, que ouviu a brasileira em meio à nova onda de revelações que pressiona a Casa Branca.
Segundo a reportagem da Folha de S.Paulo, a mudança de postura de Trump — que passou a defender a divulgação dos documentos do caso após forte pressão de sua base — seria, na visão de Lacerda, uma estratégia para manter influência sobre o desfecho e limitar o impacto das denúncias. “Ele [Trump] quer silenciar a gente, e o único jeito é estar do nosso lado”, afirmou. “[Trump] vê que estamos aparecendo cada vez mais aqui nos EUA, no Reino Unido. Então, só assim para nos dar menos voz.”
Lacerda diz acreditar que Trump está mais envolvido no caso
A brasileira sustenta que o presidente norte-americano pode ter participação mais profunda nas circunstâncias envolvendo Epstein do que se sabe até agora. “Tenho minhas razões para acreditar que ele está envolvido em mais coisas do que só emails com Epstein”, declarou, sem detalhar as suspeitas.
Ela recorda que, em 2009, Trump teria demonstrado interesse em apoiar a divulgação da história, mas hoje adota postura contrária. “Quando a pessoa esconde, a gente sabe que tem envolvimento”.
A reviravolta na estratégia da Casa Branca ocorreu após novos documentos levantarem dúvidas sobre o grau de conhecimento do presidente dos EUA sobre os crimes atribuídos a Epstein. Diante da pressão de aliados republicanos, Trump pediu aos congressistas de seu partido que votassem pela liberação integral dos arquivos da investigação.
Disputa política e batalha pelas informações
O apoio de parlamentares democratas impulsionou a demanda por transparência e fortaleceu o movimento das vítimas, enquanto a Câmara dos Representantes deve votar nesta terça-feira (18) pela liberação total dos documentos. No Senado, entretanto, a proposta enfrenta maior resistência. Trump já afirmou que sancionará o texto se aprovado nas duas Casas legislativas.
Apesar da mudança de postura do presidente, Lacerda afirma que a luta das vítimas continuará: “Nós estávamos chegando perto de ter esses fatos divulgados ao público. Agora, vamos ter que brigar mais”.
Infância marcada por abusos e o encontro com Epstein
Marina Lacerda imigrou para os Estados Unidos aos oito anos, junto com a mãe, a irmã e o padrasto, e relata ter enfrentado uma rotina de abusos domésticos até que o agressor foi preso. “A situação em casa estava difícil. Minha mãe me culpava pela prisão do meu padrasto, e eu peguei essa responsabilidade de começar a trabalhar”, disse.
Nesse contexto, conheceu Epstein aos 14 anos, levada por uma amiga brasileira que já fazia massagens para o financista. “Ela não me contou tudo o que ia acontecer”, afirmou. O que deveria ser apenas uma massagem se transformou no início de um ciclo de abusos, segundo seu relato.
A manipulação, o dinheiro e a promessa de permanência nos EUA
Lacerda afirma que Epstein oferecia dinheiro e prometia facilitar a obtenção de visto permanente para as adolescentes permanecerem no país. Ele também exibiria poder, dizendo que controlava autoridades e instituições. “Ele falava que era o dono do banco, o dono do governo, o dono do presidente, que ele mandava em tudo”, relatou.
A residência do financista, segundo a brasileira, tinha fotos com figuras públicas como o ex-príncipe Andrew, irmão do rei Charles 3º, e o ex-presidente Bill Clinton. Durante as massagens, Epstein conversava ao telefone com autoridades, mas jamais mencionava que recebia atendimento de menores. “Sempre dizia que estava recebendo massagem de uma menina bonita”, afirmou Lacerda.
Pressão para recrutar outras menores
Após alguns meses, Epstein começou a pressioná-la a levar amigas. “Ele falou que a nossa relação já estava ficando chata”, contou. Com vergonha e receio, acabou levando duas amigas, que teriam sido abusadas por três anos.
Apesar de ver outras garotas entrando e saindo da casa, Lacerda diz que só mais tarde compreendeu o tamanho do esquema. “Eu não pensava que elas estavam fazendo a mesma coisa que eu”, afirmou.
Primeira aproximação do FBI e o acordo controverso de 2008
Em 2008, ela foi procurada pela primeira vez pelo FBI, sem saber dos desdobramentos da investigação. No mesmo ano, Epstein foi condenado por “contratar prostituição de menor de idade”, em um acordo altamente criticado. Lacerda já não frequentava a casa do financista — “eu já era muito velha para ele”, disse, aos cerca de 20 anos.
A brasileira buscou o financista após a abordagem do FBI, e Epstein teria contratado um advogado supostamente para defendê-la. “Esse advogado não era para mim, era para proteger [Epstein]”, relatou. Após visitas ao escritório, assinou um documento cujo conteúdo desconhecia.
Retorno do caso, depoimentos e a morte de Epstein
O FBI só voltou a procurá-la dez anos depois, em 2018, quando o caso voltou à mídia e levou à prisão de Epstein em 2019. “Fiquei com muito medo e eu nunca mais quero passar por isso”, afirmou.
Ela nunca reencontrou o abusador no tribunal. Epstein se suicidou na prisão, o que para Lacerda gerou alívio e frustração: “Foi ruim, porque a gente não teve justiça e até hoje estamos brigando por isso”.
Livro, ativismo e enfrentamento ao silêncio
Hoje, Lacerda prepara um livro sobre sua história e quer ajudar outras mulheres vítimas de abuso. “Tenho hoje um poder muito maior sobre essa história e o controle de conseguir sentar aqui e contar o que é ser abusada, e o que é ter uma vida depois do abuso”, afirmou.
Ela destaca que brasileiras e latinas denunciam menos por vergonha. A própria família, diz, tentou dissuadi-la: “Eles foram completamente contra porque pensaram que seria uma vergonha”.


