Erro em concessão da Cedae ameaça custar R$ 900 milhões
Tribunal de Contas suspende acordo entre Cedae e Águas do Rio, e disputa pode afetar tarifas de água e obras de saneamento no estado
247 - O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) determinou a suspensão do acordo firmado entre a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e a concessionária Águas do Rio, que previa uma compensação de pelo menos R$ 900 milhões. A medida, revelada pelo jornal O Globo, interrompe o pagamento que seria feito à concessionária em razão de falhas no edital de concessão, lançado há cinco anos, e cujas responsabilidades ainda não foram assumidas por nenhuma autoridade.
O entendimento do TCE, assinado pelo conselheiro José Gomes Graciosa, impede que o governo do estado e a Cedae concedam descontos na venda de água à concessionária até que o caso seja analisado pelo plenário do tribunal. A decisão atendeu a pedido dos deputados estaduais Luiz Paulo (PSD) e Jari Oliveira (PSB). Segundo Graciosa, questionamentos sobre discrepâncias deveriam ter sido feitos durante o processo de licitação, e não após o leilão realizado em 2021.
Divergências nos índices de esgoto
A Águas do Rio alega ter identificado, em 21 das 27 cidades em que opera, índices de cobertura de esgoto muito inferiores aos descritos no edital do BNDES. Em Magé, por exemplo, o documento indicava cobertura de 40%, mas a empresa constatou ausência total de coleta. Situações semelhantes foram registradas em Nilópolis, Belford Roxo (39% previstos contra 8% aferidos) e Duque de Caxias (43% previstos contra 10% constatados).
O contrato de concessão estipula que, caso a diferença ultrapasse 18,5%, cabe ao poder concedente assumir a responsabilidade. Para vencer o leilão de dois blocos da Cedae, a Águas do Rio havia oferecido outorga de R$ 15,4 bilhões ao estado e às prefeituras.
Disputa entre órgãos e responsabilidades
O BNDES, responsável pela elaboração do edital, informou que se baseou em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), produzidos pelo Ministério das Cidades em conjunto com informações repassadas pela própria Cedae. A estatal, em documento de 29 de setembro, alegou que as inconsistências decorrem da “natureza autodeclaratória” do sistema, sujeito a falhas das prefeituras e da própria companhia.
As administrações municipais também se isentam de culpa. Belford Roxo afirma que as informações foram repassadas por uma gestão anterior. Duque de Caxias alega não ter controle sobre a rede de saneamento, atribuindo a responsabilidade à Cedae. Já Nilópolis admite a existência de rede, mas sem tratamento local. Magé não respondeu ao questionamento.
Risco de impacto nas contas e nas obras
O acordo suspenso estabelecia desconto de 24,3% no valor da água vendida pela Cedae à concessionária até 2056. O governo estadual sustentava que essa medida impediria aumento das tarifas, previsto para dezembro. A Águas do Rio, em nota, alertou: “Com a suspensão, há risco concreto de aumento tarifário ainda este ano ou impacto direto nas obras de ampliação da cobertura de esgoto no estado, impedindo a despoluição da Baía de Guanabara”.
O governo do Rio, por sua vez, defende que o acordo tinha caráter liminar e poderá ser revisto. A Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa) está realizando vistorias para confirmar a metodologia adotada pela concessionária.
Questionamentos sobre conflito de interesses
O TCE determinou ainda que o governador Cláudio Castro, o presidente da Cedae, Aguinaldo Ballon, dirigentes da concessionária e a Agenersa apresentem esclarecimentos em 15 dias. O tribunal também pediu ao BNDES a cópia integral do processo de concessão e solicitou ao Ministério Público do Estado (MPRJ) investigação sobre possível coação de diretores da Cedae e eventual conflito de interesses, já que parte da equipe da Águas do Rio é formada por ex-dirigentes da companhia pública.
A fragilidade dos dados do Snis
Para a advogada e professora Ana Tereza Parente, especialista em Direito do Saneamento, o caso evidencia fragilidades no modelo nacional. “Os dados podem ter uma variação e não corresponder 100% ao que existe na prática, com relação à cobertura. Por isso, tem uma cláusula no contrato que fala da margem de diferença. Só que a variação no caso da Águas do Rio foi muito grande”, explicou.
Ela acrescenta que a responsabilidade é compartilhada: “Todo mundo tem parcela de responsabilidade: a Cedae, por ser a operadora histórica, era quem declarava as informações ao Snis nos últimos anos, e os municípios, à medida que são titulares da prestação do serviço, que não declaravam de forma muito correta”.
A disputa, que pode custar bilhões e comprometer a execução de obras essenciais, segue sem solução definitiva — e com risco de recair, em última instância, sobre os consumidores.



