Dirceu: 'a direita não consegue se livrar de Bolsonaro'
Ex-ministro diz que o governador Tarcísio de Freitas enfrenta desgaste e elites pressionam por candidatura
247 - O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) afirmou que a direita brasileira vive um impasse ao tentar, simultaneamente, depender politicamente de Jair Bolsonaro (PL) e evitar a sua associação direta. Ele defende que nenhum nome conservador conseguirá vitória nacional defendendo anistia ao ex-mandatário condenado a 27 anos e três meses de prisão por tramar um golpe de Estado para se manter no poder após sua derrota eleitoral no pleito de 2022.
“Bolsonaro não vai sair de cena. Isso é uma ilusão. O bolsonarismo tem um problema para resolver”,disse Dirceu em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Segundo ele, “ninguém forma maioria pregando indulto para Bolsonaro”. Ele, porém, ressaltou que a presença de filhos e da esposa do ex-presidente na política, além do controle sobre o PL, mantém a família Bolsonaro ativa no jogo eleitoral.
Tarcísio recebe ultimato das elites
Na avaliação de Dirceu, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), será o principal adversário de Lula em 2026. "Praticamente, há um ultimato para Tarcísio ser o candidato das elites do País", disse. Como segunda opção, o ex-ministro apontou o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD).
O petista identificou, porém, uma contradição que aflige o campo conservador. "Eles têm um problema para resolver: precisam do Bolsonaro, mas não querem Bolsonaro", analisou. Segundo ele, Tarcísio se contaminou com a rejeição que atinge o ex-mandatário, especialmente entre as classes médias que garantiram a vitória de Lula em 2022.
Dirceu descartou a possibilidade de um outsider surgir como terceira via. "Qual seria o programa dele? Contra a polarização?", questionou. Para o ex-ministro, não existe polarização, mas sim politização, com projetos e valores distintos em disputa.
Punição a Bolsonaro e tentativa de golpe
Quando perguntado sobre o regime de prisão que Bolsonaro deveria cumprir, Dirceu foi categórico. "Bolsonaro tem que cumprir a pena no regime que a Justiça achar adequado, a partir das condições de saúde dele. Agora, ele tem um agravante porque tentou fugir", afirmou.
O ex-ministro traçou uma diferença entre sua própria experiência no sistema prisional e a situação do ex-mandatário. "Eu cumpri minha pena. Eu não fugi", disse. Dirceu também rejeitou dar conselhos a Bolsonaro sobre a prisão. "Eu não vou dar conselho nenhum para o Bolsonaro, porque ele não merece. Bolsonaro sempre defendeu prisão perpétua e justificou a tortura", declarou.
Sobre as acusações de tentativa de golpe de Estado, Dirceu foi enfático ao classificar a gravidade dos crimes. "É um crime gravíssimo, de alta traição, porque os militares têm o compromisso de honra de defender a Constituição e o Brasil como uma nação soberana", disse, referindo-se ao plano Punhal Verde e Amarelo, que previa assassinatos de autoridades.
A Polícia Federal concluiu que o ex-ministro seria o quarto alvo do plano golpista, sob o codinome “Juca”. Questionado se foi ameaçado, Dirceu negou, mas elogiou a atuação do Supremo Tribunal Federal. "O STF fez muito bem em julgar e condenar. Há uma tentativa de desqualificar a destruição da Câmara, do Senado, do Palácio do Planalto, do STF", afirmou.
Estratégia eleitoral do PT para 2026
Dirceu revelou que a nova plataforma petista trará diretrizes para as próximas décadas. O documento abordará temas como a nova realidade geopolítica, com a ascensão da China e dos Brics, a presidência de Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, a revolução tecnológica no mundo do trabalho, o crime organizado e as mudanças climáticas.
Sobre os principais colégios eleitorais, o ex-ministro demonstrou otimismo. Em São Paulo, caso Tarcísio dispute a Presidência, Dirceu vislumbra a possibilidade de o PT lançar o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) como candidato ao governo paulista, com o prefeito Fernando Haddad (PT) concorrendo ao Senado. "Não estou dizendo que vá ser isso. É mais provável que o Alckmin seja vice do Lula novamente", ponderou.
Em Minas Gerais, após a recusa do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) em ser candidato, o PT busca alternativas. Dirceu destacou Marília Campos (PT-MG), prefeita de Contagem, como forte nome para o Senado.
Reconstrução do PT e sucessão de Lula
O ex-ministro defendeu que a construção do pós-Lula passa pela reconstrução do próprio partido. "De 2013 a 2019 nós não podíamos sair às ruas com os símbolos do PT", recordou. Ele citou nomes como Fernando Haddad, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), e o prefeito do Recife, João Campos (PSB), como possíveis lideranças futuras.
Sobre um eventual quarto mandato de Lula, Dirceu afirmou que o rumo do governo dependerá do eleitorado. "A base do governo hoje é de centro-direita. A pior coisa em política é esconder a realidade", disse, reconhecendo as limitações políticas do atual momento.
Segurança pública e crime organizado
Dirceu defendeu a criação de um ministério exclusivo para segurança pública. Ele elogiou a nomeação do procurador Mário Sarrubbo como secretário nacional de Segurança Pública pelo ministro Ricardo Lewandowski. "Nós temos que reconquistar os territórios que o crime organizado tomou, como no Rio, em Roraima e outras capitais", afirmou.
O ex-ministro criticou operações policiais com alta letalidade e defendeu uma política baseada em inteligência, infiltração e combate à lavagem de dinheiro. "A Operação Carbono Oculto mostrou como é que se combate o crime", exemplificou.
Críticas ao Banco Central e política econômica
Em relação à economia, Dirceu criticou duramente a política de juros do Banco Central. "Os juros podiam estar em 11%, em 9%. Não tem nenhuma necessidade de juros em 15%", afirmou. Ele cobrou que a instituição reconheça publicamente as falhas na fiscalização reveladas pelo escândalo das bets e da infiltração do PCC em fintechs.
Sobre o presidente do BC, Gabriel Galípolo, Dirceu disse dar a ele o direito à dúvida. "Vamos esperar as duas próximas reuniões do Copom. A expectativa do País é que se reduza o juro", declarou.
O ex-ministro também rejeitou cortes em gastos sociais. "Querem tirar 5% do PIB nos gastos sociais. Nós não concordamos. Se querem fazer um ajuste, que façam na renúncia fiscal", defendeu, propondo que o ajuste fiscal seja feito sobre o 1% mais rico da população, que concentra um terço da renda nacional.
Relação com o Congresso Nacional
Sobre as tensões entre o Planalto e o Congresso, Dirceu minimizou os riscos de uma crise institucional como a que culminou no impeachment de Dilma Rousseff. "Hoje, o governo tem quatro partidos de direita no ministério: PP, União Brasil, Republicanos e PSD", argumentou, destacando a diferença em relação a 2014.
Quanto à chamada pauta-bomba no Congresso, o ex-ministro alertou para o custo político-eleitoral. "A ideia de que o Congresso pode fazer o que quer e não vai ter um custo político-eleitoral é uma ilusão de deputados e senadores", afirmou.
Retorno à política e revisão do mensalão
Cassado pela Câmara em 2005 após o escândalo do mensalão, Dirceu anunciou que disputará uma cadeira de deputado federal em 2026. "Eu tenho experiência, história e propostas para apresentar", justificou. Entre suas bandeiras estão a reforma política, com proporcionalidade na Câmara e fidelidade partidária, além de uma reforma social.
O ex-ministro mantém a tese de que o mensalão foi uma construção política. "O STF não tinha nenhuma prova contra mim e me condenou na política porque inventou o domínio de fato. É totalmente inconstitucional isso", declarou, anunciando que pedirá revisão criminal.
Sobre o orçamento secreto, Dirceu afirmou que "a continuidade do orçamento secreto como existe hoje é insustentável. Para o bem da Câmara e do Senado, é melhor parar com isso porque o eleitorado vai cobrar caro", concluiu.



