Denúncias expõem pressão no TCE para suavizar auditorias no governo de SP
Servidoras relatam interferência, assédio e cortes em relatórios sobre DER e Artesp que embasaram concessões estaduais de Tarcísio e Rodrigo Garcia
Pressões internas no TCE teriam suavizado auditorias sobre rodovias paulistas
Auditoras relatam interferência, assédio e retirada de achados técnicos em análises que envolveram gestões estaduais e concessões bilionárias
247 - Duas auditoras do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) relataram ao Ministério Público paulista que sofreram pressões internas para reduzir o rigor de auditorias sobre a gestão de rodovias estaduais, o que teria resultado na supressão de falhas relevantes em relatórios técnicos e na validação de concessões por valores inferiores aos reais, informa a Folha de São Paulo. Segundo as servidoras, a atuação de superiores teria comprometido análises envolvendo tanto a administração de Tarcísio de Freitas (Republicanos) quanto a de Rodrigo Garcia (sem partido), com prejuízos bilionários ao estado.
Em depoimentos ao MP-SP e à Polícia Civil no âmbito de uma investigação que corre sob sigilo, as servidoras afirmaram que, além da interferência técnica, passaram a sofrer perseguições dentro do tribunal após resistirem às alterações nos relatórios.
De acordo com os depoimentos, os casos envolvem a análise das contas de 2023 do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), atualmente dirigido por Sérgio Codelo, coronel reformado do Exército ligado ao governador Tarcísio de Freitas, e a fiscalização das contas de 2022 da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), na gestão de Rodrigo Garcia. Em ambas as situações, trechos considerados centrais pelas auditoras teriam sido retirados durante a fase de revisão interna.
No caso do DER, as servidoras afirmam que foram eliminados apontamentos sobre má gestão patrimonial, como o registro inadequado de bens reversíveis — equipamentos e estruturas que devem retornar ao poder público ao fim das concessões —, a devolução de rodovias em condições precárias e falhas decorrentes de obras mal executadas. Também teriam sido suprimidos achados relacionados a pátios e leilões, que indicavam o desaparecimento de 47 veículos, indícios de cartelização entre sete concessionárias com sócios em comum e ligações com empresas offshore no Panamá.
“A auditoria apontava falhas estruturais na gestão do DER que geram impactos severos ao orçamento estadual, à qualidade das rodovias e ao bem-estar da população. Tudo isso foi simplesmente cortado”, afirma um trecho de uma das representações apresentadas pelas auditoras.
Na análise das contas da Artesp, segundo os relatos, foram retiradas constatações sobre elevada inexecução de obras e indícios de atuação da agência em favor das concessionárias, em razão da dependência de empresas terceirizadas. As auditoras também apontaram que uma funcionária do consórcio vencedor de uma licitação teria participado da elaboração do edital, caracterizando possível conflito de interesses, além da existência de cláusulas restritivas que limitariam a concorrência.
Ainda conforme uma das representações, a retirada desses pontos reduziu o crédito favorável ao estado nos cálculos de reequilíbrio econômico-financeiro das concessões — ajustes feitos quando há mudanças nos custos ou receitas —, o que teria provocado um impacto estimado em R$ 7,5 bilhões.
Procurada, a Artesp informou que os servidores envolvidos nos casos de conflito de interesses mencionados foram demitidos. “Desde 2024, a Artesp passou por uma reestruturação administrativa e funcional, com a criação de instâncias de controle interno e da primeira Corregedoria da Agência, responsável por auditoria interna, prevenção de irregularidades e coordenação das respostas ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público”, afirmou a agência. Segundo a nota, “todos os questionamentos formulados pelo TCE e pelo MP foram devidamente tratados e sanados”, e foi autorizado o primeiro concurso público da Artesp em mais de dez anos, ressaltando que os problemas apontados se referem à gestão anterior.
Além das questões técnicas, as auditoras relataram episódios de assédio moral e, no caso de uma delas, assédio sexual. Uma das servidoras afirmou ter sido chamada de “fraca, incompetente e insuportável”, além de receber prazos considerados inexequíveis e pedidos para assinar auditorias que não realizou. A outra declarou ter sido alvo de comentários sobre seu corpo e de promessa de favorecimento profissional em troca de relações sexuais.
As duas foram removidas das áreas em que atuavam e dizem ter deixado de receber progressões salariais porque suas avaliações de desempenho não foram realizadas. Elas ingressaram com ações populares contra o TCE, apresentaram representações ao MP-SP e prestaram depoimento à Polícia Civil. Procuradas, não concederam entrevista e pediram para que seus nomes fossem preservados.
O TCE afirmou ter compromisso com a ética e declarou que a denúncia de assédio sexual foi investigada e arquivada por falta de materialidade. O tribunal negou represálias e disse que as avaliações não foram feitas porque as chefias passaram a figurar como rés nas ações movidas pelas auditoras, o que teria impedido a avaliação. Informou ainda que cumprirá decisão judicial que determinou a realização das avaliações para progressão, embora tenha apresentado recurso.
A gestão Tarcísio de Freitas declarou que “eventuais ilações sobre a interferência de terceiros” no trabalho do TCE “são absolutamente equivocadas e indevidas”, afirmou que entregou toda a documentação solicitada sobre o DER, que as contas foram aprovadas e que repudia qualquer prática de assédio. O TCE é composto por sete conselheiros, escolhidos pelo governador e pela Assembleia Legislativa de São Paulo, e desde 2023 quatro nomes alinhados ao atual governo passaram a integrar o colegiado, formando maioria no plenário responsável por julgar as contas estaduais. Rodrigo Garcia foi procurado, mas não se manifestou.



