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Governo Lula reage a projeto que extingue cotas raciais em Santa Catarina

Anielle Franco classifica iniciativa aprovada na Alesc como retrocesso e diz que ministério estuda medidas para barrar proposta

Anielle Franco (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

247 - A aprovação, pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), de um projeto de lei que proíbe a adoção de cotas raciais e outras ações afirmativas em universidades estaduais e instituições que recebam recursos públicos do estado provocou forte reação do governo federal e de entidades educacionais. A medida, aprovada por maioria, ainda depende de sanção do governador Jorginho Mello (PL) para entrar em vigor, informa o jornal O Globo.

Em manifestação pública, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (PT), afirmou que a equipe da pasta avalia providências jurídicas e institucionais para impedir o avanço da proposta. A ministra acusou os deputados estaduais de afrontarem a Constituição ao aprovarem o texto. “Os números comprovam que a política de cotas funciona e ajuda a reparar injustiças históricas”, escreveu Anielle Franco, ao defender a manutenção das ações afirmativas no ensino superior. Segundo ela, o ministério atua para ampliar essas políticas não apenas como garantia de direitos, “mas como reparação necessária para seguirmos abrindo portas”.

O projeto aprovado estabelece que instituições que descumprirem a norma poderão ser multadas em R$ 100 mil por edital e, em alguns casos, perder o acesso a verbas públicas estaduais. Universidades e institutos federais não seriam atingidos diretamente. A proposta integra um pacote de cinco iniciativas de perfil conservador apresentadas por parlamentares do PL e aprovadas na mesma sessão da Alesc.

Reação das universidades e promessa de judicialização

A decisão do Legislativo estadual gerou imediata reação de instituições de ensino. Em nota conjunta, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Instituto Federal Catarinense (IFC) afirmaram sentir “profunda indignação” com a aprovação da proposta, classificada como um “ato inaceitável, irresponsável e profundamente regressivo”.

O documento ressalta o simbolismo da votação ocorrer no Dia Internacional dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro. “A escolha desse dia para retirar direitos é tão simbólica quanto devastadora”, afirmam as instituições, que defendem as cotas como “mecanismos concretos” de enfrentamento ao racismo estrutural e de redução das desigualdades no acesso ao ensino superior.

As universidades também apelaram ao governador Jorginho Mello para que não sancione o projeto. Parlamentares de oposição, por sua vez, já anunciaram que pretendem recorrer ao Judiciário caso a lei seja promulgada. O deputado estadual Fabiano da Luz (PT) afirmou que a proposta “envergonha” Santa Catarina e antecipou a intenção de ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn), sob o argumento de violação de princípios constitucionais e invasão de competência da União.

O Ministério Público de Santa Catarina informou que, por meio da 40ª Promotoria de Justiça da Capital, vinculada ao Observatório para Enfrentamento ao Racismo, acompanha o caso e instaurará procedimento para analisar a constitucionalidade da medida. Já a Defensoria Pública do estado ponderou que o tema exige “análise cuidadosa” e ressaltou que, sem a sanção do governador, o processo legislativo ainda não está concluído.

Conteúdo do projeto e defesa dos autores

De acordo com a Alesc, o projeto veda a criação de reservas de vagas suplementares e medidas semelhantes tanto para o ingresso de estudantes quanto para a contratação de docentes e técnicos. O texto mantém apenas cotas para Pessoas com Deficiência (PCDs), estudantes oriundos de escolas públicas estaduais e critérios exclusivamente socioeconômicos.

Na prática, caso sancionada, a lei proibirá cotas raciais e também ações afirmativas voltadas a outros grupos, como pessoas transgênero, ciganos, refugiados e egressos do sistema prisional. Autor da proposta, o deputado Alex Brasil (PL) comemorou a aprovação e afirmou, em publicação nas redes sociais, que o texto encerra o que chamou de “cotas ideológicas” no estado. 

Outras medidas aprovadas na mesma sessão

Na mesma votação, os deputados estaduais aprovaram a obrigatoriedade de exame toxicológico para candidatos às universidades públicas estaduais, com apresentação de laudo negativo no momento da matrícula, além de projetos que tratam da instalação de câmeras em salas de aula do ensino médio, da proibição de práticas consideradas de “doutrinação política e ideológica” e da vedação à celebração do Halloween em escolas públicas.

O conjunto de propostas amplia o debate sobre os rumos da política educacional em Santa Catarina e deve manter acesa a disputa jurídica e política em torno da constitucionalidade e dos impactos sociais das medidas aprovadas pelo Legislativo estadual.

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