China projeta futuro da ONU aos 80 anos e defende novo multilateralismo com protagonismo do Sul Global
Jovens chineses analisam os desafios da ONU, criticam a hegemonia ocidental e defendem maior participação da juventude e da China na governança global
247 – Ao se aproximar de completar 80 anos, a ONU enfrenta a maior crise de legitimidade desde sua criação, pressionada por guerras, desinformação e disputas entre potências. Em meio a esse cenário, jovens profissionais e acadêmicos chineses defendem uma renovação do multilateralismo e apontam a China como peça central na reinvenção da governança global.
A reportagem é de Liu Yushan, da CGTN, que ouviu o criador de conteúdo Qin Qian, a analista da UNFPA Zhu Yixing e a professora Dong Xiaoman. Eles discutem como a ONU pode se manter relevante, como engajar a juventude e qual deve ser o papel da China na construção de uma nova ordem internacional.
Juventude e diplomacia digital: o trabalho de Qin Qian
Criador de conteúdo com mais de três milhões de seguidores nas plataformas chinesas, Qin Qian tem como missão tornar a ONU compreensível e interessante para os jovens. Ex-funcionário do sistema ONU, ele diz que muitos veem a instituição como distante e burocrática, e que isso só muda se houver novas linguagens de comunicação.
Qin transforma reuniões extensas do Conselho de Segurança em vídeos curtos e dinâmicos, “quase como se fossem Jogos Olímpicos da diplomacia”. Para ele, até os comentários críticos sobre a ONU indicam que o público espera ações concretas em temas como paz, pobreza e mudanças climáticas.
Sobre o papel da China, Qin destacou:
“A China é o único país do Sul Global com assento permanente no Conselho de Segurança e lidera discussões sobre desenvolvimento global, oferecendo uma alternativa ao modelo ocidental baseada em crescimento econômico e justiça social, sem impor sistemas políticos.”
UNFPA e o impacto real das ações humanitárias: a experiência de Zhu Yixing
Na UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, Zhu Yixing vê diariamente como decisões multilaterais se transformam em ações concretas — como kits de parto em zonas de guerra, assistência a meninas em situação de pobreza e apoio a refugiadas.
Ela afirmou que o papel da China na ONU mudou de forma significativa: de participante a formuladora de políticas globais na área de saúde reprodutiva. O país implementou redes de cuidado materno do campo às grandes cidades, ampliou a educação sexual e desenvolveu sistemas populacionais que influenciam legislações como a política de três filhos.
Zhu vê a China preparada para liderar novas agendas globais, como cuidado de idosos, telessaúde e o uso de inteligência artificial em políticas públicas.
Multilateralismo sem hegemonia: a visão da Dra. Dong Xiaoman
Pesquisadora da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim e ex-integrante de agências da ONU, Dra. Dong Xiaoman destacou que ajudou a inserir no sistema ONU o conceito chinês de “comunidade com futuro compartilhado para a humanidade”. Para ela, essa ideia reflete os princípios fundadores da ONU — cooperação, paz e prosperidade comum.
Dong afirmou que a China tem papel essencial em operações de paz, cooperação Sul-Sul e na articulação entre a Iniciativa Cinturão e Rota e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Na sua avaliação, a maior contribuição da China é “empurrar a governança global para longe da hegemonia e em direção a um multilateralismo real e inclusivo.”
Ela também criticou o uso simbólico da juventude em fóruns internacionais, sem poder real de decisão. E deixou um alerta:
“A questão não é se as regras vão mudar — elas vão. A questão é se nossa geração será apenas observadora ou arquiteta das novas estruturas globais.”
ONU indispensável, mas em transformação
Os entrevistados concordam: a ONU é imperfeita, mas indispensável. É onde o mundo negocia, discute e, às vezes, alcança consensos. Mas para sobreviver aos próximos 80 anos, precisa ser mais inclusiva, digital, jovem e aberta a visões do Sul Global.
Se o primeiro ciclo da ONU foi dedicado a construir instituições, o próximo será sobre reconstruir confiança nelas — e a China quer estar no centro desse processo, não apenas como participante, mas como coprojetista de uma nova governança global.





