Lula cobra "coragem e vontade política" da União Europeia por acordo com Mercosul
Presidente afirma que tratado só será fechado com coragem dos líderes europeus
247 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou neste sábado (20) que a conclusão do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul depende diretamente de coragem e vontade política por parte dos líderes europeus. A declaração ocorreu durante a cúpula do bloco sul-americano em Foz do Iguaçu, marcada pelo adiamento da assinatura do tratado que vinha sendo preparada para o encontro. Segundo Lula, a falta de uma decisão política clara por parte da União Europeia continua impedindo o avanço de uma negociação iniciada há mais de duas décadas.
Críticas ao adiamento do acordo União Europeia-Mercosul
“Infelizmente, a Europa ainda não se decidiu. Líderes europeus pediram mais tempo para medidas adicionais de proteção agrícola”, afirmou o presidente brasileiro. Em seguida, Lula reforçou o tom crítico ao impasse prolongado: “Sem vontade política e coragem dos dirigentes não será possível concluir a negociação que se arrasta há 26 anos”.
O adiamento da assinatura do acordo e as diferenças de posicionamento sobre a situação da Venezuela estiveram entre os principais temas do encontro dos líderes sul-americanos, que ocorreu em um momento decisivo para o futuro do bloco. A expectativa é que o acordo entre os dois blocos seja assinado em janeiro do próximo ano.
Cúpula do Mercosul encerra presidência brasileira
A reunião em Foz do Iguaçu marcou o fim do mandato brasileiro à frente do Mercosul e contou com a presença dos presidentes da Argentina, Javier Milei, do Paraguai, Santiago Peña, e do Uruguai, Yamandú Orsi. O presidente da Bolívia, Rodrigo Paz, recém-empossado, não participou do encontro e foi representado pelo chanceler Fernando Aramayo Carrasco. Também participou da cúpula o presidente do Panamá, José Raúl Mulino. O Panamá formalizou sua entrada como membro associado do bloco sul-americano no final do ano passado.
Expectativa por novos acordos sob liderança do Paraguai
Durante a abertura da reunião, Lula demonstrou expectativa positiva em relação ao próximo período do bloco, agora sob a presidência do Paraguai. “Essa reunião de hoje é o fim da minha presidência e começo da de Santiago Peña, presidente do Paraguai. Espero que tenhamos seis meses de uma boa colheita, de bons frutos e de bons acordos internacionais”, declarou.
“O mundo está ávido por fazer acordo com Mercosul, tem muitos países querendo fazer acordo com Mercosul. Nós certamente vamos conseguir nesse período fazer os acordos que não foram possíveis realizar na minha presidência”, ressaltou em seguida.
União Europeia adia assinatura do tratado
Na última quinta-feira (19), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou o adiamento da assinatura do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Ela e o presidente do Conselho Europeu, António Costa, eram esperados no Brasil, mas cancelaram a viagem, decisão que gerou frustração no governo brasileiro e criou um clima de anticlímax nos preparativos da cúpula.
Um dia após o anúncio, Ursula von der Leyen declarou estar confiante de que a União Europeia conseguirá reunir o apoio necessário para aprovar o acordo com o Mercosul em janeiro do próximo ano.
Confira a íntegra do discurso do presidente Lula durante a 67ª Cúpula do Mercosul.
"É uma alegria receber os chefes de Estado do MERCOSUL em Foz do Iguaçu.
Nosso bloco dá as boas-vindas ao Presidente Rodrigo Paz, da Bolívia, na pessoa do chanceler Fernando Aramayo.
Também acolhe mais uma vez o presidente José Raúl Mulino, do Panamá, nosso mais novo Estado associado.
Esta cidade é especial.
Foi aqui que, há 40 anos, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín inauguraram duas pontes.
A primeira foi a Ponte da Fraternidade, que liga Foz do Iguaçu a Puerto Iguazu.
A segunda foi a Declaração de Iguaçu, que lançou as bases para a criação do MERCOSUL.
Em um mundo em que erguer muros parece mais fácil do que construir pontes, esse exemplo merece ser lembrado.
Ontem inaugurei a Ponte da Integração, que conecta Foz do Iguaçu a Presidente Franco, no Paraguai.
E hoje o presidente Santiago Peña [presidente do Paraguai] inaugura do lado paraguaio. Eu não posso ficar para hoje. Ele não pôde vir ontem. Eu não posso ficar hoje, então serão duas inaugurações, feitas do lado de cada país. Ontem faltou energia no meu discurso, espero que não falte energia no seu discurso hoje.
Espero que essa nova ponte se torne mais um símbolo da nossa determinação de caminhar juntos.
É importante lembrar que a primeira ponte foi feita em 1965 e essa segunda ponte levou vinte e poucos anos de discussão até a gente poder inaugurá-la. Poderia ter sido mais rápido, mas não foi. De qualquer forma, eu acho que é um exemplo extraordinário para aqueles que querem construir muros. Nós estamos dando o exemplo de que construir pontes para passar mercadorias e para o povo dos países transitar livremente é um exemplo de que a liberdade de ir e vir tem de ser assegurada e as fronteiras não podem ser proibitivas.
Meus amigos e minhas amigas,
Construir uma América do Sul próspera e pacífica é a única doutrina que nos convém.
Há quem argumente que avançar na integração é abrir mão da soberania.
Mas as verdadeiras ameaças à nossa soberania são de outra natureza.
Elas se apresentam, hoje, sob a forma da guerra, das forças antidemocráticas e do crime organizado.
Passadas mais de quatro décadas desde a Guerra das Malvinas, o continente sul-americano volta a ser assombrado pela presença militar de uma potência extrarregional.
Os limites do direito internacional estão sendo testados.
Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo.
A força dos regimes democráticos também vem sendo colocada à prova.
A democracia brasileira sobreviveu ao mais duro atentado sofrido desde o fim da ditadura.
Os culpados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 foram investigados, julgados e condenados conforme o devido processo legal.
Pela primeira vez na sua história, o Brasil acertou as contas com o passado.
Enfraquecer as instituições significa abrir espaço para o crime organizado.
A segurança pública é um direito do cidadão e um dever do Estado, independentemente de ideologia.
O MERCOSUL demonstrou disposição de enfrentar as redes criminosas de forma conjunta.
Há mais de uma década, criamos uma instância de autoridades especializadas em políticas contra as drogas.
Neste semestre, assinamos um acordo contra o tráfico de pessoas.
Criamos uma comissão para implementar uma estratégia comum contra o crime organizado transnacional.
Instituímos um grupo de trabalho especializado sobre recuperação de ativos, a fim de asfixiar as fontes de financiamento de atividades ilícitas.
Concordamos que a internet não é um território sem lei e adotamos medidas para proteger crianças e adolescentes e dados pessoais em ambientes digitais.
A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras.
Mas essa é uma luta que vai além do MERCOSUL.
Não existe hoje, em funcionamento, uma instância de abrangência sul-americana dedicada a esse problema.
Por isso, em consulta com o Uruguai, o Brasil pretende propor a convocação de uma reunião de ministros da Justiça e de Segurança Pública do Consenso de Brasília para discutir como fortalecer a cooperação sul-americana no combate ao crime organizado.
A América Latina também ostenta o triste recorde de ser a região mais letal do mundo para as mulheres.
Segundo a CEPAL, 11 mulheres latino-americanas são assassinadas diariamente.
Enviei, ontem, para a ratificação do Congresso Nacional, acordo que permitirá que mulheres beneficiadas por medidas protetivas em um país do bloco tenham a mesma proteção nos demais países.
Gostaria de propor ao Paraguai, que assume hoje a presidência do bloco, que trabalhemos para criar um grande pacto do MERCOSUL pelo fim do feminicídio e da violência contra as mulheres.
Senhoras e senhores,
Desde nossa última Cúpula, os fundamentos do comércio internacional foram gravemente abalados.
Apesar das dificuldades, a corrente de comércio do bloco com parceiros externos cresceu.
Quando as portas se fecham em outros lugares, o mundo busca o MERCOSUL.
Só nos dez primeiros meses de 2025, o fluxo comercial externo do bloco superou 630 bilhões de dólares.
Diversificar parcerias é a chave para a resiliência das nossas economias.
Ao cabo de 26 anos de negociações, esperávamos assinar, finalmente, o acordo de associação com a União Europeia.
Desde 2023, trabalhamos para garantir que o acordo contribuísse para o desenvolvimento econômico do MERCOSUL, sem afetar políticas industriais e de incentivo à inovação e sem prejudicar setores sensíveis.
Aceitamos a adoção de cotas a produtos agropecuários e o estabelecimento de um mecanismo de salvaguardas, resguardando nosso direito de reciprocidade.
Chegamos a um entendimento vantajoso para os dois lados.
Tínhamos, em nossas mãos, a oportunidade de transmitir ao mundo mensagem importante em defesa do multilateralismo e de fortalecer nossa posição estratégica em um cenário global cada vez mais competitivo.
Mas, infelizmente, a Europa ainda não se decidiu.
Líderes europeus pediram mais tempo para discutir medidas adicionais de proteção agrícola.
Recebi, ontem, dos presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, carta em que ambos manifestam expectativa de ver o acordo aprovado em janeiro.
Sem vontade política e coragem dos dirigentes não será possível concluir uma negociação que já se arrasta por 26 anos.
Enquanto isso, o MERCOSUL seguirá trabalhando com outros parceiros.
Em setembro, firmamos o acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio, a EFTA, um conjunto de países que soma um PIB de quase um trilhão e meio de dólares.
Neste semestre, demos início à discussão sobre a ampliação do acordo com a Índia.
Retomamos as tratativas com o Canadá e avançamos nas negociações com os Emirados Árabes Unidos.
Adotamos marcos para negociar uma parceria estratégica com o Japão e um acordo de preferências tarifárias com o Vietnã.
Na região, esperamos progredir rapidamente na negociação de um acordo com o Panamá.
Precisamos ainda atualizar os acordos com outros países sul-americanos, como Colômbia e Equador.
O comércio intrarregional na América do Sul está muito aquém de seu potencial.
Corresponde a apenas 15% do fluxo comercial, enquanto, na Ásia e na Europa, é de cerca de 60%.
A inclusão dos setores sucroalcooleiro e automotivo nas regras do MERCOSUL pode contribuir para mudar esse quadro.
A América do Sul pode ocupar a vanguarda da transição energética.
Temos importantes reservas de minérios críticos, vasto potencial hídrico, solar e eólico, além de uma experiência consolidada na área de biocombustíveis.
O bloco reúne condições únicas para o desenvolvimento do Combustível Sustentável de Aviação: temos capacidade agrícola competitiva, marcos regulatórios em evolução e mercado adaptado ao etanol e ao biodiesel.
É fundamental avançar na convergência regulatória por meio da criação de uma Nomenclatura Comum do MERCOSUL para o SAF.
Reativamos, neste semestre, o Grupo de Trabalho sobre Mineração e Geologia, com o objetivo de aproveitar a oportunidade histórica que os minerais estratégicos representam para a nossa região.
Promover cadeias regionais de valor mais sofisticadas é essencial para evitar que nossos países sejam reduzidos novamente à condição de meros exportadores de minérios.
A interligação das nossas redes gasífera e elétrica é crucial para a segurança energética do MERCOSUL.
Ela aumentará nossa resiliência diante de crises climáticas e choques econômicos externos.
O Brasil está avançando em ritmo acelerado na implementação de seu programa Rotas da Integração Sul-Americana.
Continuamos empenhados em trabalhar com todos países vizinhos para conectar nosso continente de Norte a Sul, do Atlântico ao Pacífico.
A integração em infraestrutura não tem ideologia.
São dezenas de obras de melhoria de rodovias, hidrovias, ferrovias, portos e aeroportos, além de infovias e linhas de transmissão, com potencial para dobrar o comércio intrarregional em poucos anos.
Seguimos comprometidos com um MERCOSUL que reduza as assimetrias entre nossas economias.
Por isso, iniciamos as discussões para renovar o Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL, sob a forma do FOCEM II.
O Brasil está consciente da necessidade de aumentar as contribuições para o FOCEM, sobretudo após a entrada da Bolívia, e segue comprometido com a iniciativa.
A integração regional só vai ganhar concretude se tiver impacto na vida das pessoas.
Propusemos a criação de um Fundo Garantidor Sul-Americano, com capital inicial de 500 milhões de dólares, para oferecer crédito produtivo para pequenos empreendedores, especialmente mulheres.
Também realizamos, neste semestre, em formato virtual, a Cúpula Social do MERCOSUL, recuperando a tradição de participação social no bloco.
Temos pendente a tarefa de retomar a realização de Cúpulas presenciais.
As críticas e sugestões da sociedade civil são insumos imprescindíveis, que nos movem adiante.
Amigos e amigas,
O ano de 2025 traz uma lembrança triste para o Cone Sul.
Há cinquenta anos foi lançada a infame “Operação Condor”.
Esse episódio terrível da nossa história nos ensinou uma valiosa lição.
Se regimes ditatoriais se articularam para perseguir seus cidadãos, cabe aos governos democraticamente eleitos trabalhar juntos para garantir a todos uma vida melhor, com base na promoção e na proteção dos direitos humanos.
Mesmo que alguns se mostrem saudosos de antigos ditadores, devemos insistir em caminhar para frente, nunca para trás.
Quero agradecer a todos os sócios do MERCOSUL por terem colaborado com a presidência brasileira para escrever mais um capítulo na nossa história comum.
E por último, um comunicado aos companheiros.
A data do dia 20 de dezembro para essa reunião foi marcada a pedido da União Europeia.
Tanto a companheira Ursula von der Leyen [presidente da Comissão Europeia] quanto o companheiro António Costa [presidente do Conselho Europeu] pediram para que a gente fizesse a reunião no dia 20 porque eles gostariam de vir participar dessa reunião aqui no Brasil.
Pois bem. Tudo estava certo. Todos nós sabíamos a posição histórica da França, não era novidade.
Na última semana surgiu um problema com a primeira-ministra Meloni [Giorgia Meloni], da Itália. Não um problema no acordo firmado entre MERCOSUL e União Europeia, mas de um acordo firmado entre a própria União Europeia, porque a Meloni dizia que a distribuição de verba para agricultura na União Europeia estava prejudicando a Itália. E ela então estava com um problema com os produtores agrícolas e ela não poderia assinar neste momento o acordo.
Então, eu tive uma conversa por telefone com ela. Ela disse textualmente que no começo de janeiro ela estará pronta para assinar. Se ela estiver pronta para assinar e faltar só a França, segundo a Ursula von der Leyen e o Antonio Costa, não haverá possibilidade de a França, sozinha, não permitir o acordo.
O acordo será firmado e eu espero que seja assinado, quem sabe, no primeiro mês da presidência do Paraguai, pelo companheiro Santiago Peña. Vamos torcer para que as coisas aconteçam para o bem do nosso MERCOSUL, para o bem do multilateralismo e para o bem do desenvolvimento do nosso país.
Dito isso, eu quero agradecer e passar a palavra ao presidente Santiago Peña".



