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Lula defende integração regional, democracia e multilateralismo em discurso na cúpula do Mercosul

Presidente alerta contra ameaças à soberania e cobra decisão política da União Europeia sobre acordo com o bloco sul-americano

Presidentes na cúpula do Mercosul (Foto: Ricardo Stuckert)

247 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um amplo e contundente discurso neste sábado, 20 de dezembro de 2025, durante a 67ª Cúpula do Mercosul, realizada em Foz do Iguaçu (PR), no qual defendeu a integração sul-americana como eixo estratégico para a soberania, a democracia, a segurança e o desenvolvimento econômico da região. A íntegra do pronunciamento foi divulgada pelo site oficial do Palácio do Planalto.

Ao abrir a reunião, Lula destacou o simbolismo histórico de Foz do Iguaçu para o bloco, lembrando que foi ali, há 40 anos, que os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín lançaram as bases do Mercosul com a Declaração de Iguaçu. “Em um mundo em que erguer muros parece mais fácil do que construir pontes, esse exemplo merece ser lembrado”, afirmou o presidente, ao mencionar também a recente inauguração da Ponte da Integração, ligando Brasil e Paraguai.

Soberania, democracia e riscos geopolíticos

Lula rejeitou a tese de que a integração regional fragiliza a soberania nacional. Para ele, as ameaças reais vêm “sob a forma da guerra, das forças antidemocráticas e do crime organizado”. O presidente alertou para a presença militar de potências extrarregionais na América do Sul e foi enfático ao tratar da Venezuela. “Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo”, disse.

No campo institucional, Lula ressaltou a resistência da democracia brasileira diante da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. “Os culpados foram investigados, julgados e condenados conforme o devido processo legal. Pela primeira vez na sua história, o Brasil acertou as contas com o passado”, declarou.

Combate ao crime organizado e proteção social

O presidente afirmou que enfraquecer as instituições democráticas abre espaço para o crime organizado e defendeu uma atuação conjunta do Mercosul. Ele citou iniciativas já adotadas pelo bloco, como acordos contra o tráfico de pessoas, estratégias comuns contra o crime transnacional, recuperação de ativos e regulação do ambiente digital.

Lula anunciou ainda a intenção de propor, em articulação com o Uruguai, uma reunião de ministros da Justiça e da Segurança Pública do Consenso de Brasília para ampliar a cooperação sul-americana no enfrentamento ao crime organizado.

Feminicídio e direitos das mulheres

Um dos pontos centrais do discurso foi o combate à violência contra as mulheres. Lula lembrou que a América Latina é a região mais letal do mundo para mulheres e citou dados da CEPAL. “Segundo a CEPAL, 11 mulheres latino-americanas são assassinadas diariamente”, afirmou.

Ele informou que enviou ao Congresso Nacional um acordo que garante a extensão de medidas protetivas às mulheres em todos os países do bloco e propôs ao Paraguai, novo presidente do Mercosul, a criação de “um grande pacto do Mercosul pelo fim do feminicídio e da violência contra as mulheres”.

Comércio internacional e acordo com a União Europeia

Lula destacou o crescimento do comércio exterior do Mercosul, que superou US$ 630 bilhões nos dez primeiros meses de 2025, mesmo diante de um cenário internacional instável. Para ele, diversificar parcerias é fundamental para a resiliência econômica do bloco.

O presidente lamentou, no entanto, a indefinição da União Europeia sobre o acordo de associação com o Mercosul, após 26 anos de negociações. “Sem vontade política e coragem dos dirigentes não será possível concluir uma negociação que já se arrasta por 26 anos”, afirmou.

Ele revelou ter recebido uma carta dos presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu com a expectativa de aprovação do acordo em janeiro e relatou conversas diretas com lideranças europeias, incluindo a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni. Segundo Lula, “no começo de janeiro ela estará pronta para assinar”.

Novas parcerias e integração produtiva

Enquanto aguarda a decisão europeia, Lula afirmou que o Mercosul seguirá avançando com outros parceiros. Ele citou o acordo com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), negociações com Índia, Canadá, Emirados Árabes Unidos, Japão e Vietnã, além de tratativas regionais com Panamá, Colômbia e Equador.

O presidente chamou atenção para o baixo nível do comércio intrarregional sul-americano, que representa apenas 15% do total, e defendeu a inclusão dos setores sucroalcooleiro e automotivo nas regras do bloco para estimular a integração produtiva.

Transição energética e infraestrutura

Lula afirmou que a América do Sul pode liderar a transição energética global, destacando o potencial da região em minerais críticos, biocombustíveis, energia solar, hídrica e eólica. Ele defendeu a criação de uma Nomenclatura Comum do Mercosul para o Combustível Sustentável de Aviação (SAF) e a reativação do Grupo de Trabalho sobre Mineração e Geologia.

O presidente também ressaltou a importância da integração das redes gasífera e elétrica e do avanço do programa Rotas da Integração Sul-Americana, com obras de infraestrutura capazes de dobrar o comércio intrarregional nos próximos anos. “A integração em infraestrutura não tem ideologia”, afirmou.

Redução de assimetrias e participação social

Para reduzir desigualdades entre os países do bloco, Lula defendeu a renovação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, o FOCEM II, e reconheceu a necessidade de ampliar as contribuições brasileiras, especialmente após a entrada da Bolívia.

Ele também destacou a proposta de criação de um Fundo Garantidor Sul-Americano, com capital inicial de US$ 500 milhões, voltado ao crédito produtivo para pequenos empreendedores, em especial mulheres, e celebrou a retomada da Cúpula Social do Mercosul.

Memória histórica e defesa dos direitos humanos

Ao final do discurso, Lula lembrou os 50 anos da Operação Condor e afirmou que a história impõe aos governos democráticos o dever de cooperar para garantir direitos humanos e uma vida melhor para seus povos. “Mesmo que alguns se mostrem saudosos de antigos ditadores, devemos insistir em caminhar para frente, nunca para trás”, declarou.

O presidente encerrou agradecendo aos países-membros do Mercosul e manifestando expectativa de que o acordo com a União Europeia seja finalmente assinado no início da presidência paraguaia do bloco.

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