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Sindicatos argentinos condenam orçamento de 2026 e alertam para colapso social

Entidades afirmam que texto aprovado no Senado aprofunda cortes na educação, ciência e tecnologia e favorece credores e grandes grupos econômicos

Trabalhadores argentinos protestam contra orçamento que pode levar ao colapso social (Foto: CTERA (Sindicato dos Trabalhadores na Educação))

247 - Os principais sindicatos da educação e do setor agropecuário da Argentina reagiram com forte rejeição à aprovação do Orçamento de 2026 pelo Senado, classificando o texto como um marco de aprofundamento das políticas de austeridade do governo de Javier Milei. As entidades alertam que o novo marco orçamentário promove o desfinanciamento estrutural de áreas estratégicas e ameaça o funcionamento do sistema educacional, científico e produtivo do país.

Segundo a Telesur, a proposta orçamentária foi aprovada após cerca de nove horas de debate, com 46 votos favoráveis, 25 contrários e uma abstenção, apesar da resistência de parte da oposição parlamentar.

Desde a apresentação do projeto pelo Executivo, em setembro, organizações sindicais e acadêmicas vinham alertando para cortes em políticas sociais e para a priorização do pagamento de juros da dívida externa. Após a aprovação, universidades e entidades da área de ciência e tecnologia destacaram que o Artigo 30 do orçamento elimina pisos mínimos de investimento em educação, ciência e tecnologia, colocando em risco o calendário letivo, a pesquisa científica e o desenvolvimento produtivo.

A Confederação dos Trabalhadores da Educação da República Argentina (CTERA), a CONADU Histórica e o Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) afirmam que a nova regulamentação abre espaço para ajustes discricionários cujo objetivo seria “a extinção da educação, da ciência e da tecnologia em todos os níveis”. Para os sindicatos, o texto consolida um modelo de país excludente, voltado a poucos setores privilegiados.

Em entrevista, a secretária-geral da CTERA, Sonia Alesso, classificou a lei como uma “catástrofe política” e afirmou que ela consolida um projeto de país “para poucos”. Segundo a dirigente, recursos que deveriam ser destinados à educação foram redirecionados para o pagamento de juros da dívida externa e para a Secretaria de Inteligência do Estado. Alesso também alertou para os impactos nas províncias, onde manter salários e serviços básicos será cada vez mais difícil, prevendo um 2026 de “alta conflitividade social”. “Isto é pior que o próprio menemismo, porque supõe destruir todas as bases da educação pública”, afirmou.

Do lado do ensino superior, o economista e dirigente da CONADU Histórica, Antonio Rosselló, destacou que cerca de 60% da produção científica argentina ocorre nas universidades nacionais, hoje já sem recursos suficientes para pesquisa e extensão. De acordo com ele, a precarização salarial vem provocando renúncias de docentes e aumento da evasão estudantil, um cenário que tende a se agravar com o novo orçamento. “Está em risco o início do ciclo letivo, porque nós, com salários de 250 mil pesos, não podemos viver”, disse Rosselló. Ele chegou a comparar o atual ajuste a períodos anteriores, afirmando que “nem sequer Martínez de Hoz fez isto”, em referência ao ex-ministro da Economia da ditadura militar.

Os sindicatos apontam que o centro do embate é justamente o Artigo 30, que elimina a obrigação legal de destinar ao menos 6% do Produto Interno Bruto à educação, desmonta o financiamento progressivo do sistema científico — incluindo organismos como o CONICET e o próprio INTA — e extingue o fundo específico para a educação técnico-profissional. A CTERA sustenta que a mudança é inconstitucional, por violar a Lei de Administração Financeira, que impede que o orçamento anual altere ou revogue leis vigentes.

Para além da educação, os impactos também recaem sobre o campo. A delegada da ATE no INTA, Julieta Boedo, alertou que a redução da presença do Estado afetará as economias regionais e a soberania alimentar, além de comprometer o trabalho do instituto junto a pequenos e médios produtores. Segundo ela, a política de austeridade pode resultar em aposentadorias voluntárias, centralização operacional e perda de capacidades técnicas, com reflexos diretos na produção agrícola local.

Diante desse cenário, as entidades sindicais afirmam que o Orçamento de 2026 beneficia credores externos e grandes grupos econômicos, ao mesmo tempo em que representa um retrocesso profundo para aposentados e trabalhadores do setor público. Após dois anos de governo de Javier Milei, os sindicatos da educação e da ciência projetam um ano marcado por maior paralisação e mobilizações, em defesa do papel do Estado na educação, na ciência e no desenvolvimento produtivo da Argentina.

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