Blaise Cendrars seria barrado em Florianópolis
Não por boas razões, Florianópolis tem estado constantemente na mídia
Convidado pelo milionário Paulo Prado a visitar o Brasil, por sugestão de Oswald de Andrade, o escritor suíço-francês Blaise Cendrars chegou no navio que atracou no porto de Santos às duas da tarde, quarta-feira, 6 de fevereiro de 1924. Na triagem da fila de desembarque, como registra Lira Neto na biografia Oswald de Andrade: mau selvagem (2025, p.240), “a polícia marítima do porto de Santos barrou a entrada daquele passageiro de um braço só. Não lhe concedeu autorização para descer em terra firme. Era a lei. Um mês antes, o presidente Arthur Bernardes assinara decreto regulamentando o acesso de estrangeiros ao país. Pelos novos protocolos de saúde pública, classificavam como “indesejáveis” os imigrantes que fossem leprosos, tuberculosos, cancerosos, cegos, surdos-mudos, portadores de elefantíase e tracoma, acometidos por doença mental e, por fim, “mutilados, incapazes para o trabalho”.
Lembrei do “Caso Cendrars”, quando leio o noticiário e me deparo com uma matéria sobre a “inusitada” (recorro a um eufemismo) decisão do prefeito da cidade de Florianópolis que tem colocado em prática um “projeto”, cuja finalidade é devolver, como se fossem mercadorias com defeito, todas as pessoas que chegam à rodoviária da cidade e não tenham emprego ou local para morar na região. Com a cara mais lisa do mundo, como se diz aqui no Ceará, o nobre alcaide se vangloria de já ter devolvido 500 pessoas. Claro está, que o referido senhor ainda não teve a oportunidade de ler a Constituição Federal que, se não me falha a memória, em seu artigo 5º, inciso XV, deixa claro o direito de ir e vir de qualquer cidadão brasileiro no território nacional. Caso seja de seu conhecimento a existência de tão importante documento, mas o esteja ignorando, significa dizer que seu projeto eugenista atenta contra esse direito constitucional básico, cabendo à justiça brasileira orientar o referido político.
Não por boas razões, Florianópolis tem estado constantemente na mídia como, por exemplo, quando o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) deflagrou uma operação “Nuremberg” para combater um grupo neonazista considerado um dos mais organizados e violentos do país, cuja ocupação se resumia ao planejamento de ações violentas Brasil afora, assim como antissemitismo, apologia ao nazismo e disseminação de discurso de ódio. Sobre isso, ainda não localizei nenhum posicionamento do senhor prefeito, provavelmente por estar muito ocupado devolvendo os pobres que chegam à rodoviária. Também não li nada sobre o uso da assistência social como “controle migratório” no aeroporto da cidade, ou seja, você pode não ter emprego ou moradia na região, mas se entrar de avião pode.
O prefeito de Florianópolis, que os comunistas dirão tratar-se de um bolsonarista raiz, talvez acredite piamente que a população brasileira deva ser toda ela trabalhada no nesossilicato, como ele próprio, e grande parte da população da sua cidade, verdadeiras “pedras preciosas”, herdeiras da genética do não menos nobre Caco Antibes. E retomo aqui o que nos diz Lira Neto, quando afirma que não adiantou nada Blaise Cendrars dizer que “era amigo do escritor Oswald de Andrade, da pintora Tarsila do Amaral e, acima de tudo, íntimo do milionário Paulo Prado, que o hospedaria em São Paulo. Os policiais não se impressionaram – ou talvez não acreditaram na conversa do homem de rosto encarquilhado, a boca cheia de cacos de dentes enegrecidos pelo fumo...” (2025:240-241). Se fosse hoje visitar Floripa, Blaise Cendrars seria barrado pelo “controle migratório” da cidade e devolvido sabe-se lá pra onde. O ano é 2025, mas ainda não saímos de 1924.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.




