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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 63 anos de idade e 37 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Nas trevas

Nem tudo em um país precisa dar lucro e os Correios são um exemplo

Trabalhadores dos Correios (Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

Os garranchos imploravam sobre a capa do envelope: “seu carteiro, a casa da Socorro é amarela e de porta vermelha, pegada na venda da dona Esperança, numa ruinha de chão, depois do ponto final das Van. A Socorro, todo mundo conhece, tem um sorriso lindo e um vira lata castanho. Ele chama Damião. Eu já paguei o que fiz de ruim e vou poder passar o natal em casa. Se o senhor conseguir entregar esta carta pra ela vai ser bom demais da conta. Aí ela sabe e me espera com rabanada. Desculpa aí, eu sabia o endereço direitinho mas esqueci. Se Deus quiser, seu carteiro, o senhor acha. E Deus me disse que quer.”

Era assim a Sala dos Milagres. Um setor dos Correios que selecionava desejos aparentemente impossíveis, como cartas sem endereço... A missão mexia com o orgulho e a solidariedade dos carteiros que muitas vezes descobriam, tal qual detetives, o verdadeiro destino da carta. 

Conheci a Sala dos Milagres durante uma reportagem sobre o trabalho dos carteiros. 

Naquela mesma noite, o editor-chefe me mostrou as muitas cartas que recebia dos espectadores. Com orgulho, exibiu um xodó: a espátula de prata que ganhara de presente e que usava para cortar os envelopes sem o risco de rasgar o conteúdo. 

O Brasil e o mundo ainda escreviam cartas. E como era emocionante abrir o envelope. 

**

É fim da primavera de 2025 e enquanto rascunho essa crônica, 100 mil casas, lojas e empresas ainda estão no escuro em São Paulo. 

Daqui a pouco eu tento explicar o que – na minha opinião – o apagão em São Paulo tem a ver com o trabalho dos carteiros. Pensando bem, melhor aproveitar agora, enquanto tem energia aqui em casa. Vamos lá.

A empresa de Correios, que é pública, está em crise. A dívida é de 20 bilhões de reais, dizem. O governo federal quer que bancos ajudem e o mercado berra: “Vende! Privatiza! Entrega logo essa porcaria!”

Quase todo dia entro na agência de correio do meu bairro. É a agência da Glaucia, da Bruna, da Débora. Sou sempre muito bem atendido e é daquele balcão que envio meu novo livro, o Acabou, mas continua, para leitores e leitoras que moram longe e fazem questão da dedicatória. 

Nos últimos dias mandei livros para a chapada dos Veadeiros, interior de Mato Grosso, Serra Gaúcha, sertão da Bahia, Planalto Central, Itaguaí e para o bairro de Bonsucesso, no subúrbio carioca. Todas chegaram em segurança. 

O frete – não importa a distância – tem sempre o mesmo preço: 8,55 reais. Isso acontece porque os Correios têm um sistema chamado módico, que facilita o envio de livros, revistas e outros materiais impressos. Isso incentiva a leitura, difunde a Cultura e permite que milhares de livros e revistas circulem por feiras e bibliotecas do Brasil.

Será que uma empresa particular mandaria um livro de São Paulo para Petrolina ou Macapá pelo mesmo valor cobrado entre dois bairros paulistanos?

Tenho certeza que nem tudo em um país precisa dar lucro e os Correios são um exemplo. 

Não vou ficar defendendo a empresa, que pode estar endividada por corrupção e decisões erradas. Mas o Brasil já aprendeu que privatização não é solução para tudo.  

Taí a falta de energia. Ou é normal passar uma semana no escuro? Sem saudosismo, na época da Eletropaulo não havia esse tipo de crise.

Uso o transporte público todo dia. Há algumas linhas de trem e metrô administradas por empresas particulares. Mais uma vez não tenho informação suficiente para atacar ou defender. Dou apenas o testemunho de passageiro: o serviço é inferior e por um motivo simples, o jeito mais fácil das empresas ganharem dinheiro é lotar os vagões. Com menos trens e mais passageiros por vagão, lucra-se mais. Nas linhas públicas os intervalos entre os trens são menores e a superlotação e os atrasos também. 

Uma fiscalização de verdade botaria as empresas particulares nos trilhos, ou fora deles de vez. Não é o que acontece.

Todos esses serviços são essenciais. A gente paga e quer eficiência. Pouco importa se são públicos ou privados. 

A Sala dos Milagres também tem seus limites.

*Luis Cosme Pinto é autor de Acabou, mas continua, da editora Cachalote.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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