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Dosimetria pode reduzir pena de líderes do PCC e CV

Proposta contradiz PL Antifacção e pode gerar insegurança jurídica

Congresso Nacional - 16/09/2024 (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)

247 - A tramitação simultânea de dois projetos de lei com orientações opostas sobre a execução penal tem provocado preocupação no Congresso Nacional e entre especialistas em Direito Penal. De um lado, o chamado PL da Dosimetria, que flexibiliza critérios para progressão de regime; de outro, o PL Antifacção, que endurece regras para condenados por crimes graves. A possível aprovação de ambos pode resultar em conflitos normativos, insegurança jurídica e judicialização em larga escala. As informações são da CNN Brasil.

Segundo analistas, a falta de harmonização entre as propostas pode gerar interpretações divergentes na aplicação da lei e abrir brechas para a revisão de penas em casos sensíveis.

O defensor público e professor de Direito Penal Gustavo Junqueira avalia que os textos seguem direções incompatíveis. “São projetos contraditórios que vão acabar entrando em vigor e criando, claro, situações de conflito”, afirmou. De acordo com ele, as divergências mais evidentes aparecem nas regras de progressão de pena para crimes hediondos, feminicídio e delitos que resultaram em morte.

O PL Antifacção, já aprovado no Senado e ainda pendente de nova análise pela Câmara, amplia o tempo mínimo de cumprimento da pena antes da progressão de regime. Já o PL da Dosimetria, aprovado pela Câmara dos Deputados na madrugada da última quarta-feira (10), mantém percentuais semelhantes aos da legislação atual em vários pontos e reduz exigências em outros.

A proposta da dosimetria ganhou destaque por permitir a progressão de regime após o cumprimento de um sexto da pena, com percentuais mais elevados apenas para crimes específicos, como hediondos, feminicídio, constituição de milícia privada e reincidência. O texto altera o artigo 112 da Lei de Execução Penal, redefinindo critérios mínimos para a mudança de regime.

Atualmente, a legislação prevê a progressão após o cumprimento de 16% da pena, desde que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça. Para Junqueira, o problema está no fato de que o PL da Dosimetria mantém ou reduz esses percentuais, enquanto o PL Antifacção avança no sentido oposto.

“O PL Antifacção aumentou o tempo de pena necessário para que pudesse haver a progressão, enquanto o PL da Dosimetria manteve o mesmo percentual da legislação atual”, explicou o defensor público.

Na avaliação do especialista, a coexistência das duas normas tende a provocar disputas judiciais. “Sempre existe o risco de judicialização quando você tem esse tipo de confusão legislativa. Ela acaba não só trazendo maior instabilidade e insegurança quanto ao conteúdo das decisões como acaba provocando também um número maior de recursos nos tribunais, o que é um custo público. É um gasto público, cada processo tem um custo para a sociedade”, alertou.

Outro ponto sensível é a possibilidade de que crimes violentos não classificados como hediondos passem a permitir progressão com apenas um sexto da pena. Junqueira detalha que dezenas de delitos hoje enquadrados com percentuais maiores seriam beneficiados. “Todos os crimes violentos que não são hediondos, não são crimes contra pessoa, não são crime contra o patrimônio, passam a permitir progressão com ⅙ da pena”, afirmou.

Ele citou como exemplos o lenocínio violento, a resistência com violência e a coação no curso do processo. Segundo o defensor, crimes que atualmente exigem 25% ou 30% de cumprimento da pena poderiam passar a exigir apenas 16,6%.

Nesse contexto, até integrantes de grandes facções criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho, poderiam ser alcançados. A mudança não estabelece recorte temporal, diferentemente de uma proposta de anistia, o que amplia o alcance da norma. Entre os possíveis beneficiários estariam líderes históricos do crime organizado, como Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.

No Senado, o relator do PL da Dosimetria, Esperidião Amin (PP-SC), afirmou que ajustes estão em estudo para reduzir os pontos de conflito. “Estamos, senadores Sergio Moro, Alessandro Vieira e eu, trabalhando para preservar o desejado e afastar o indesejável”, declarou. O parecer do relator está previsto para ser apresentado na próxima terça-feira (16).

O projeto deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira (17), com possibilidade de votação em plenário no mesmo dia. Amin reconhece que o texto ainda pode sofrer mudanças, dependendo do ambiente político e de negociações paralelas no Congresso.

O ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também participou das discussões iniciais sobre alternativas à anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro. Segundo ele, a intenção era permitir uma reavaliação individualizada das penas, sem promover impunidade. “Não é algo de impunidade, mas de gradação que possa ser justa para a aplicação da pena em cada caso concreto”, disse a jornalistas.

Pacheco afirmou ainda que o relator na Câmara avançou além do escopo inicialmente discutido. “O deputado Paulinho fez algo parecido, mas mexeu também na questão de progressão de regime, que era algo que nós nunca tínhamos pensado”, afirmou. Para ele, os impactos das mudanças precisam ser analisados com cautela.

“Todos os crimes com violência ou grave ameaça têm que ter um tratamento ou é de um sexto, ou é de um quarto, ou é de um terço, o que seja. Essa excepcionalização casuística para os crimes do Estado Democrático de Direito é algo que precisa ser avaliado”, completou.

As diferenças entre os dois projetos são expressivas. No caso de crimes hediondos, o PL da Dosimetria fixa 40% da pena para réus primários, enquanto o PL Antifacção eleva esse percentual para 70%. Para reincidentes, a discrepância chega a 20 pontos percentuais ou mais, especialmente quando há resultado morte.

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