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Projeto antifacção tem nova disputa entre governo e Derrite sobre confisco de bens

Mudanças no relatório do deputado geram tensão no Planalto e colocam em debate mecanismos de apreensão patrimonial na luta contra o crime

Guilherme Derrite (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

247 - O impasse entre o governo Lula (PT) e o deputado Guilherme Derrite (PP-SP) voltou a ganhar força após a divulgação da nova versão do relatório do PL Antifacção, que altera o mecanismo proposto para o confisco antecipado de bens ligados ao crime organizado. A disputa expõe as divergências sobre como agilizar a recuperação de patrimônio utilizado por facções.

Segundo o jornal O Globo, aliados do Palácio do Planalto reagiram negativamente ao fato de o relator ter retirado do texto o chamado “perdimento extraordinário de bens”, sugerido pelo Ministério da Justiça, e substituído por uma “ação civil de perdimento de bens”, que tramitaria de forma independente da investigação criminal.

A proposta de Derrite estabelece que essa nova ação seja imprescritível e avance sem depender da apuração de responsabilidade na esfera penal. Especialistas consideram que tanto o modelo defendido pelo governo quanto o sugerido pelo relator buscam maior rapidez no confisco de patrimônio de origem ilícita.

Autoridades da segurança pública defendem mecanismos mais céleres para impedir que bens — como aeronaves, imóveis ou veículos — desapareçam durante o curso das investigações, especialmente quando estão em nome de laranjas ou familiares de suspeitos. No texto original do governo, incluído no PL Antifacção, o juiz poderia decretar a perda mesmo antes do encerramento do processo penal, incluindo em casos de prescrição ou morte do réu.

Na nova versão apresentada ao Congresso, Derrite propôs um caminho alternativo. Para o procurador Vladimir Aras, professor da Universidade de Brasília (UnB), o modelo introduzido pelo deputado segue parâmetros internacionais. “Você não olha mais só para o réu, mas para o patrimônio dele. É uma medida civil que tem um efeito fenomenal para recuperação de ativos. Segue a legislação da Colômbia e uma recomendação da ONU”, afirmou.

O governo, entretanto, argumenta que sua proposta seria mais eficiente por permanecer dentro da própria investigação. O secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, explicou que o modelo original buscava evitar decisões conflitantes entre varas criminais e cíveis. "A opção por esse incidente é porque é muito mais rápido. Fica menos burocrático e seguro, porque você corre o risco de ter duas decisões antagônicas, a da ação criminal e a da civil. Entendemos que o juiz natural da causa tem muito mais elementos para julgar e conseguir alcançar o bem mais rápido”, disse.

Para o professor Thiago Bottino, da FGV Direito Rio, as duas propostas dialogam com a antiga “ação de extinção de domínio”, defendida pela Lava Jato, que permitia a perda de bens mesmo sem condenação. Ele também cita o “confisco alargado”, incorporado ao pacote anticrime de 2019. Segundo o especialista, ainda que as iniciativas tenham o objetivo de enfraquecer organizações, ambas representam uma inversão do ônus da prova. “É tirar os bens sem exigir condenação criminal. Não é o que acontece hoje, por exemplo, no caso de uma operação como a Carbono Oculto: todos os bens estão apreendidos, mas em nenhuma hipótese são perdidos antes da sentença”, avaliou.

A advogada criminalista Ana Krasovic pondera que o relatório de Derrite impõe limites ao confisco, já que impede a perda de patrimônio se o juiz reconhecer expressamente que não houve crime. No texto enviado pelo governo, por sua vez, existe uma lista específica de crimes ligados a facções que podem levar ao perdimento extraordinário.

Além da controvérsia sobre o confisco de bens, o relator e o governo já haviam se enfrentado em outro ponto sensível: a tentativa inicial de Derrite de equiparar crimes cometidos por facções às penas previstas na Lei Antiterrorismo. Após forte reação, o deputado recuou e passou a defender a criação de um “marco legal do combate ao crime organizado ultraviolento”, separado das normas antiterroristas e da atual Lei de Organizações Criminosas.

Paralelamente às discussões sobre o PL Antifacção, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), afirmou que Lula solicitou empenho de ministros para acelerar a PEC da Segurança Pública, que busca ampliar a articulação entre União e estados. De acordo com Gleisi, o objetivo é que a PEC avance junto ao projeto antifacção. “O presidente pediu empenho aos ministros para que os dois projetos, PEC da Segurança Pública e o projeto de lei antifacção, sejam aprovados. Nos preocupam alguns pontos do relatório (de Derrite). O perdimento extraordinário é importante que volte ao projeto”, afirmou.

A declaração foi dada após reunião no Planalto com ministros que já governaram seus estados — entre eles Rui Costa, Geraldo Alckmin, Renan Filho, Camilo Santana, Wellington Dias e Waldez Góes — em meio à crescente atenção sobre a política de segurança pública, especialmente após a operação conduzida pelo governo do Rio de Janeiro há duas semanas, que resultou em 121 mortes.

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