A “luta pela democracia” pode terminar em pizza no Brasil, diz Rui Costa Pimenta
Em entrevista à TV 247, presidente do PCO aponta “um acordo” por trás da dosimetria, critica atos convocados pela Globo e avalia o xadrez eleitoral de 2026
247 – Em entrevista à TV 247, o presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, afirmou que a chamada “luta pela democracia” no Brasil pode se encerrar em um grande acordo institucional – e “terminar em pizza”. A análise foi feita ao comentar a tramitação da dosimetria e a hipótese de redução de penas no caso do bolsonarismo, além dos movimentos da direita para 2026 e da escalada internacional liderada por Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos, contra a Venezuela.
Na conversa, Rui sustentou que a retirada de pressões e sanções – citadas no programa como associadas à Lei Magnitsky – e o debate sobre penas menores indicariam uma acomodação de interesses entre os Poderes. Para ele, o eixo central não seria “defesa da democracia”, mas o cálculo eleitoral: impedir Jair Bolsonaro de disputar a eleição, sem necessariamente manter uma linha dura até o fim. “Difícil saber… mas que tem um acordo, tem um acordo”, disse. E concluiu: “A luta em defesa da democracia terminou num acordo generalizado… e a coisa terminou em pizza na realidade, como acontece frequentemente no Brasil.”
Dosimetria, STF e o “acordo” que rebaixaria a retórica punitivista
Rui argumentou que o simples fato de se discutir penas mais baixas já revelaria mudança de orientação no Judiciário. Segundo ele, se não houvesse negociação, o discurso seria de endurecimento máximo. “Isso daí já indica que houve um acordo”, afirmou, ao comentar a ideia, debatida no programa, de penas de dois a cinco anos.
Ao avaliar o impacto social desse punitivismo, Rui rechaçou a tese de que penas “exorbitantes” sejam uma vacina contra novos golpes. “Quem defende as penas exorbitantes aí tá possuído de uma ilusão muito grande. Não vai resolver nada isso”, declarou, acrescentando que forças golpistas não se intimidariam com condenações duras aplicadas a pessoas comuns.
Ele retomou comparações históricas para reforçar o argumento, citando o golpe de 1964 e a impunidade no período da ditadura, além do que chamou de golpe de Estado contra Dilma, em 2016. Na sua visão, quando a classe dominante está coesa, não há punição capaz de funcionar como freio real.
“Débora do Batom” e a crítica às condenações que miram a base social
O entrevistado concentrou parte de suas críticas no que chamou de desproporcionalidade das sentenças aplicadas a participantes do 8 de janeiro, citando o caso emblemático da “Débora do Batom”. “A mulher foi lá e pichou com batom uma estátua. Pegou 17 anos de cadeia. Que país louco é esse?”, questionou.
Se estivesse na Presidência, Rui afirmou que adotaria uma medida ampla de perdão aos condenados. “Perdoaria um monte de gente, daria anistia para a maioria dos 800 condenados. Eu acho uma barbaridade o que fizeram com esse pessoal”, disse, insistindo que a esquerda estaria endossando uma política repressiva que, cedo ou tarde, poderia ser usada também contra ela.
Repressão, censura e o alerta sobre o “efeito bumerangue”
Rui também afirmou que o Brasil vive um ambiente de repressão crescente, com exemplos mencionados na própria conversa, como punições por manifestações e casos ligados a redes sociais. “Tem censura na internet, tem gente presa por fazer live. É uma coisa louca”, disse. Para ele, a ideia de que a repressão pode ser “seletiva” é ilusória: “A ditadura vai ser ditadura para todo mundo.”
O entrevistado defendeu ainda a individualização de condutas, criticando a tentativa de associar, em bloco, pessoas que participaram de atos com indivíduos envolvidos em crimes mais graves. “Você não pode botar todo mundo dentro da mesma sacola. É uma loucura isso”, afirmou.
Caetano, Globo e os atos que Rui chamou de “coxinhato”
Ao analisar as manifestações do último fim de semana, Rui disse que não as enxerga como mobilização autônoma da esquerda e as classificou como “coxinhato”. Na sua avaliação, atos convocados por figuras ligadas à Globo e ao entretenimento serviriam a interesses próprios e poderiam ser reativados, no futuro, contra o próprio governo do presidente Lula.
“Não dá para levar a sério, como ato de esquerda, atos que são convocados pela Rede Globo”, afirmou. E alertou para o risco de a esquerda “emprestar” força social a lideranças que não controla: “Da mesma maneira que eles convocam agora… eles podem convocar contra o Lula amanhã. E aí você deu a faca e o queijo para a burguesia cortar.”
O programa exibiu ainda um vídeo em que Caetano Veloso critica a articulação da dosimetria e denuncia “acordões” e “corrupção”. Rui, porém, reforçou que a Globo não pode ser tomada como referência para um campo democrático-popular: “Ninguém pode confiar na Globo.”
Venezuela, Trump e a escalada que pode empurrar Maduro à radicalização
No bloco internacional, Rui comentou a escalada de pressões sobre a Venezuela atribuída ao governo Trump, mencionando ações contra o transporte de petróleo e o aumento do cerco. Ele classificou a movimentação como “totalmente ilegal… criminosa” e disse que não descartaria nenhum cenário, incluindo uma invasão terrestre.
Rui afirmou que uma agressão poderia produzir um efeito contrário ao desejado por Washington, levando a um processo de radicalização e coesão interna semelhante ao de Cuba. “Uma agressão pode levar os trabalhadores… a exigir e até realizar o confisco das grandes empresas”, avaliou. Ele defendeu que Maduro avance na expropriação como forma de resistência: “É isso”, respondeu, ao ser questionado se apoiava a radicalização.
Chile, derrota da esquerda e “catástrofe” com ascensão da extrema direita
Rui também analisou a vitória de José Antonio Kast no Chile como “uma derrota catastrófica” para a esquerda, atribuindo o resultado ao fracasso do governo Gabriel Boric, que, segundo ele, teria governado como “esquerda do regime” e frustrado expectativas abertas pela mobilização de 2019.
Para o presidente do PCO, o caso chileno seria parte de um padrão regional em que governos de esquerda, ao se aliarem a setores dominantes, pavimentam o retorno da direita. “A esquerda entrega o poder para a direita”, disse, citando exemplos em diferentes países da América Latina.
Direita em 2026: Flávio Bolsonaro, dilemas da burguesia e o “Bolsonaro domesticado”
No cenário brasileiro, Rui considerou que Jair Bolsonaro acertou ao lançar Flávio Bolsonaro como candidato. “Eu acho que ele acertou”, disse, avaliando que a direita enfrentaria um dilema: apoiar um nome sem o bolsonarismo ou aderir ao herdeiro do ex-presidente.
Ele descreveu Flávio como um possível “Bolsonaro civilizado” – mais palatável ao mercado e a setores da classe dominante – sem que isso signifique ausência de riscos. “Ele é o Bolsonaro civilizado… parece até domesticado”, afirmou, observando que o senador acena ao mercado ao citar Paulo Guedes como possível ministro da Economia.
Rui também questionou a subestimação de Flávio em pesquisas e sugeriu que números podem estar sendo usados para “empurrar” alternativas como Tarcísio de Freitas. “Isso é uma manipulação de números… o Flávio Bolsonaro tem tanto voto quanto o Tarcísio”, afirmou, acrescentando que, se a burguesia decidir apoiar, ele pode ser um candidato “poderoso”.
Governo Lula, vice em 2026 e alertas sobre energia e Correios
No fim, Rui comentou temas de governo. Ele elogiou o impacto popular de uma intervenção no setor de energia em São Paulo, citando a revolta da população com a empresa Enel, e criticou duramente a política para os Correios, mencionando demissões e desmonte às vésperas da eleição.
“Esse ataque contra o Correio é duríssimo… é uma política eleitoralmente desastrosa”, disse, destacando o peso social da estatal. Ao ouvir a ponderação de que o presidente Lula afirmou que estatal “não pode ser deficitária”, Rui respondeu que medidas desse tipo podem “abrir caminho” para privatizações futuras, mesmo que o governo atual não as execute.
Ao tratar do vice de Lula em 2026, Rui sugeriu que o cargo pode se tornar decisivo para a sucessão e arriscou um cenário: “O mais provável é que o Alckmin seja candidato a governador em São Paulo e o Haddad vice”, embora tenha dito não ter certeza sobre como o PT resolverá a equação.
A entrevista, no conjunto, reforça uma tese central do dirigente do PCO: sem mobilização popular independente e sem ruptura com arranjos de bastidores, a narrativa de “defesa da democracia” tende a se transformar em moeda de negociação entre elites políticas e econômicas – e, no fim, “terminar em pizza”.



